Acórdão nº 1384/14.9TBGMR-A. G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelHEITOR GONÇALVES
Data da Resolução24 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª S CÍVEL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. (…) e mulher (..) deduziram embargos à execução que lhes foi movida pela (…) com base numa livrança em branco subscrita pela X, S.A., e avalizada pelos executados/embargantes.

Alegaram, em síntese: a exequente é ilegítima portadora do título dado à execução, por não lhe ter sido endossado; a exequente actua com abuso de direito porque a penhora deveria iniciar-se pelo bem imóvel sobre o qual incide a hipoteca; é abusivo o preenchimento da livrança porque não foram tidos em conta diversos pagamentos efectuados à exequente, amortizações de capital, e é exigida uma taxa de juro de 7,5% e 7,25 quando não pode ser superior a 4%.

  1. A exequente contestou, alegando: o título foi transmitido no trespasse outorgado com o Banco ... em 4 de Abril de 2011; o embargante marido era administrador único da X, SA, e a outra executada é sua mulher, bem sabendo que o seu património pessoal responderia de igual forma pelas dívidas da sociedade; os executados foram interpelados por carta em 26.08.2013 de que ira ser preenchida a livrança pelo valor do crédito em dívida, não podendo os avalistas opor à exequente a excepção de preenchimento abusivo.

  2. A sentença final julgou os embargos parcialmente procedentes, tendo determinado o prosseguimento da instância da acção executiva os seus ulteriores termos relativamente ao valor de € 996.713,50 (novecentos e noventa e seis mil setecentos e treze euros e cinquenta cêntimos), acrescido dos juros de mora, à taxa de 4% ao ano até ao pagamento, desde 27.09.2013 até efectivo e integral pagamento, e do respectivo imposto de selo.

  3. Recorrem os embargantes, terminando com as seguintes conclusões: 1.

O exequente, logo após a sociedade X, S.A. ter conseguido desonerar o prédio dado de hipoteca ao exequente, avançou ao mesmo tempo: a)- com base no contrato celebrado com a sociedade X, S.A., com o pedido de insolvência da empresa, o que logrou conseguir, reclamando um o valor que entende ter ficado em dívida daquele financiamento, que foi ali também impugnado (e quando foi apresentado um plano de insolvência que visava o pagamento integral das responsabilidades daquela empresa, e o pagamento integral ao exequente, este foi o único credor que votou contra tal plano, que por isso não foi aprovado); b)- com base na livrança que havia sido assinada em branco, executou os embargantes (e não já a X, S.A.), na qualidade de avalistas, pelo mesmo valor que reclamou no processo de insolvência, sendo que ao atuar assim, visava também que os embargantes nem sequer se pudessem defender na execução, colocando em causa os valores em dívida pela X, S.A., pois que era seu entendimento que os embargantes nem sequer se podiam defender com exceções atinentes à relação subjacente, como verteu na sua contestação aos embargos de executado e foi defendido ao longo do processo; 2.

Estando a dívida que se executa garantida com uma hipoteca (garantia real) a penhora teria de iniciar-se por aqueles bens, sendo isso mesmo que resulta do artigo 752º. nº. 1 do C.P.C., optando o exequente – numa atuação que não pode deixar de considerar-se de verdadeiro abuso de direito e de verdadeira má fé – por não demandar nesta execução a devedora principal, proprietária do património garantido pela hipoteca, requerendo a insolvência daquela sociedade, sem sequer ter com isso qualquer vantagem especial, pois que na presente execução obteria exatamente o mesmo resultado (já que é credora hipotecária daquele imóvel, tendo assim sido o exequente quem originou a impossibilidade de a execução ser movida contra a devedora principal, situação que levaria a que o património que responderia em primeiro lugar pelo valor da dívida fosse o daquela empresa, e não o dos executados/embargantes, por força daquele artigo 752º. n º. 1 do C.P.C.; 3.

Para os avalistas, ao prestarem o aval, não é indiferente que a dívida que avalisam tenha outras garantias, nomeadamente garantias reais, avaliadas pelo credor por valores superiores ao do empréstimo concedido, e não poderiam seriamente e de boa fé contar que o exequente resolvesse tomar uma atitude de lhes exigir imediatamente a si o valor que entende ser devido, como se não existisse o património imobiliário que garante tal montante e que o próprio exequente avaliou por valor muito superior ao montante que está aqui em causa, sendo que, ao atuar assim, visou o exequente contornar um preceito que a Lei quis claramente estabelecer (artigo 752º. Do C.P.C.), pois que, apesar de ter a dívida exequenda garantida com um bem que exigiu à devedora principal, que avaliou por valor superior ao empréstimo que efetuou, avançou unicamente sobre os avalistas, executando-lhes imediatamente o património pessoal, atuando de má fé e em flagrante abuso de direito, o que deverá ser sancionado, não lhe autorizando este direito; 4.

No ponto 29 dos Factos Provados o tribunal recorrido deu como provado que o exequente remeteu à sociedade X, S.A. e aos embargantes missivas a comunicar o preenchimento da livrança, mas tal matéria não poderá considerar-se como provada; 5.

Logo nos embargos de executado os embargantes requereram que o exequente juntasse comprovativos de ter comunicado aos embargantes o preenchimento da livrança, tendo o exequente junto à contestação três supostas cartas com o teor dado como provado no ponto 29 dos factos provados, que afirma terem sido enviadas, mas não juntou qualquer comprovativo desse envio como havia sido requerido, ou qualquer outra prova de que tais supostas cartas tivessem sido de facto enviadas aos embargantes e/ou por eles tivessem sido recebidas, tendo os embargantes impugnado de imediato o conteúdo e veracidade daquelas supostas cartas; 6.

O tribunal recorrido, mesmo sem qualquer comprovativo do envio de tais cartas, deu como provado o seu envio (mas já não a sua receção), com base no depoimento da testemunha J. F., que segundo consta da motivação da decisão, “assegurou que viu cópias das cartas de interpelação juntas a fls. 71 a 73, que foram enviadas para as partes…”; 7.

A testemunha J. F. prestou depoimento no dia 04/12/2018, estando o seu depoimento gravado no ficheiro …e como respondeu ao mandatário dos embargantes, apenas entrou contactou com este processo a partir do ano de 2013/2014, ou seja, já após o preenchimento da livrança, denotando ao longo do seu depoimento um claro interesse na defesa do exequente, e até afirma no seu depoimento que esteve a preparar o processo e o julgamento, tendo em seu poder documentos que o exequente havia feito juntar ao processo dias antes e que, pelos vistos, teriam sido elaborados pela testemunha dias antes do julgamento, recorrendo às suas “notas” enquanto prestava depoimento, sendo que, a respeito das cartas, conforme decorre do seu depoimento, aos minutos …(conforme transcrições constantes da motivação do recurso), apenas sabe o que viu no processo e refere, primeiro, que as cartas seriam enviadas pelo responsável do contencioso para, depois, já defender que tais cartas são seriam enviadas “automaticamente”, sendo que as reuniões que teve com os embargantes ocorreram após a data que consta daquelas porque aquela testemunha apenas começou a ter contacto com o processo a partir de 2013/2014, numa altura em que a livrança já estaria preenchida; 8.

Nunca teria qualquer sentido que aquelas cartas fossem enviadas automaticamente, quando é certo que, se o procedimento fosse automático, as cartas sairiam logo que se verificasse o primeiro incumprimento por parte da X, S.A., o que não foi aqui o caso, e naturalmente que o preenchimento de uma livrança implica atos humanos e não automáticos; 9.

Também a este respeito a testemunha R. P. prestou depoimento no mesmo dia 04/12/2018….(conforme transcrições constantes da motivação do recurso) que só viu cópias das cartas no processo, mas não viu também qualquer registo das cartas, e não afirmou saber que os embargantes tomaram conhecimento das cartas, sendo evidente que se tal envio tivesse ocorrido o exequente teria em seu poder esse comprovativo, nomeadamente o registo e ou o aviso de receção de tais cartas (e teria junto aos autos) e as testemunhas, aí, também teriam acesso a esse documento; 10.

Nada mais existe a respeito do envio destas cartas, sendo que nenhuma das testemunhas ouvidas interveio de qualquer forma na elaboração ou envio dessas cartas e limitam-se a afirmar que viram cópias no processo, sem poder garantir que as cartas foram enviadas e/ou recebidas pelos embargantes.

11.

Também a testemunha D. T., falou sobre esta matéria no seu depoimento prestado no dia 17/01/2019, no ficheiro …, sendo que não tem o menor sentido a falta de crédito que o tribunal recorrido atribuiu a esta testemunha, sem qualquer fundamentação válida para tal, até porque foram as próprias testemunhas do exequente quem desmentem o argumento do tribunal recorrido para retirar credibilidade à testemunha, quando afirmaram que esta testemunha estava por dentro de todo o assunto, conforme depoimento da testemunha J. C., no dia 04/12/2018, …, mais concretamente ao minuto 01:28:00, quando refere “Quem aparecia mais até era a filha, a D. T..” e até da testemunha J. F., no local citado, ao minuto 24:00, que refere que conheceu a testemunha D. T., que “acompanhava o pai.”, não existindo qualquer razão para o tribunal recorrido retirar credibilidade à testemunha D. T., que apesar da sua ligação ao assunto, acompanha permanente o embargante nos seus negócios e não deixou de falar com verdade, mostrando conhecimento direto do assunto; 12.

Se a testemunha D. T., por ser filha dos embargantes, não merece credibilidade, embora tenha acompanhado diretamente o assunto e tenha conhecimento direto da situação, também não haveria razão para as testemunhas do exequente, seus funcionários e subordinados, que nem sequer acompanharam o assunto diretamente, merecerem toda a credibilidade, como faz o tribunal recorrido; 13.

A respeito da questão das cartas, a perguntas da...

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