Acórdão nº 9217/15.2T8VNF.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | ANIZABEL SOUSA PEREIRA |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:*I- RELATÓRIO: 1.
(…) , NIF (…), residente em Vizela, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra (…), NIF (…), proprietário do estabelecimento Stand Auto-… em Joane, e BANCO ... S.A., pessoa coletiva …, com sede em …, pedindo, a final o reconhecimento que o contrato compra e venda e o contrato de crédito ao consumo para compra do veículo Opel Astra de matrícula HE foram resolvidos com justa causa, e consequentemente: I - condenar o primeiro Réu M. M. a pagar: a) ao Banco ..., S.A. a quantia de € 9.762,63 (nove mil setecentos e sessenta e dois euros e sessenta e três cêntimos) correspondente ao valor que o Banco ... mutuou e lhe entregou para que o A. comprasse o veículo automóvel Opel Astra HE; b) ao A. a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros) correspondente à diferença de preço da venda do veículo Opel Astra HE, que foi paga com a entrega do veículo Seat Ibiza de matrícula PH; c) ao A. a quantia de € 500,00 ( quinhentos euros) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais; II - devendo o segundo Réu, Banco ..., S.A. ser condenado a pagar ao A. a quantia de € 801,35 (oitocentos e um euros e trinta e cinco cêntimos) correspondente ao dinheiro que recebeu de remuneração do capital que emprestou durante a vigência do contrato, devendo ainda ser o Banco condenado a devolver a Livrança que por força do contrato de mútuo lhe foi entregue sem a preencher.
Para tanto alega, em síntese, que adquiriu um veículo automóvel ao 1.º Réu, através de financiamento bancário do 2.º Réu e que resolveu os referidos contratos atendendo à existência de defeitos não reparados.
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Foram citados os Réus para CONTESTAR a presente ação, nos termos legais.
O 1.º Réu apresentou CONTESTAÇÃO onde conclui pela procedência das alegadas exceções de ineptidão da petição e da ilegitimidade do Autor, e ainda pela absolvição do pedido, alegando em síntese, que o veículo foi vendido em perfeito estado de funcionamento para um veículo usado, como foi atestado pelo Autor e que, no período de garantia, sempre atendeu às reclamações, fazendo as reparações necessárias e disponibilizou veículo de substituição, encontrando-se o veículo em bom estado.
A 2.ª Ré apresentou CONTESTAÇÃO onde conclui pela improcedência do pedido, alegando, em síntese, que não participou na celebração do contrato de compra e venda, sendo o contrato de mútuo autónomo. No caso de ser decidida a invalidade dos dois contratos, deduz PEDIDO RECONVENCIONAL, condenando-se o Autor a devolver o veículo em causa nos presentes autos ao Réu M. M., bem como deve o mesmo Réu ser condenado a pagar (devolver) ao Réu Banco a quantia que oportunamente lhe foi entregue, ou seja, 9.762,63 € (nove mil setecentos e sessenta e dois euros e sessenta e três cêntimos), acrescida dos juros devidos.
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Foi apresentada RÉPLICA pelo Autor, onde conclui como na petição inicial e pede ainda que seja o Réu condenado como litigante de má-fé, no pagamento de despesas e honorários, alegando que deturpa a verdade e alega factos que não correspondem à verdade.
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O Réu impugnou estes factos e peticionou, por sua vez, a condenação como litigante de má-fé do Autor, por alteração da verdade dos factos.
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Foi proferido saneador sentença, conhecendo-se de mérito e absolvendo--se os Réus dos pedidos.
Em sede de recurso, pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães foi proferido ACÓRDÃO em que se revogou a decisão de mérito, por violação do princípio do contraditório, e determinou-se a realização da audiência prévia.
Descendo aos Juízos Locais Cíveis de Famalicão, foi determinada a remessa para os Juízos Locais Cíveis de Guimarães, por se entender serem os competentes territorialmente.
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Foi realizada Audiência Prévia, proferido o saneador, onde se manteve o despacho já proferido, no que tange à inadmissibilidade da reconvenção e se declarou improcedentes as exceções dilatórias invocadas, e foi designado dia para Audiência de Discussão e Julgamento, que se realizou segundo o formalismo legal.
*7. Foi proferida sentença, nos seguintes termos : “Julgo a ação procedente atendendo à resolução legítima dos contratos celebrados com os Réus para aquisição do veículo Opel Astra de matrícula HE e, em consequência: a) condeno o primeiro Réu M. M. a devolver ao Réu Banco ... S.A. a quantia de € 9.762,63 (nove mil setecentos e sessenta e dois euros e sessenta e três cêntimos) e ao Autor J. P. a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros); b) condeno o primeiro Réu M. M. a pagar ao Autor a quantia de € 300,00 (trezentos euros) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
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condeno o segundo Réu, Banco ..., S.A. a devolver ao Autor a quantia de € 801,35 (oitocentos e um euros e trinta e cinco cêntimos) e a devolver a livrança entregue em cumprimento do contrato de mútuo. …” *É desta decisão que vem interposto recurso pelo R M. M.
, o qual terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões: 1. O recorrente põe em causa a aplicação que o tribunal recorrido fez do direito face à causa de pedir invocada pelo recorrido e aos pedidos por si formulados.
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O autor alega que adquiriu um veículo automóvel ao recorrente através de financiamento bancário do Banco ... e que resolveu os referidos contratos atendendo à existência de defeitos não reparados, pedindo o reconhecimento que o contrato de compra e venda e o contrato de crédito ao consumo para compra do veículo Opel Astra de matrícula HE foram resolvidos com justa causa.
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Para o tribunal recorrido, da factualidade provada resulta que foram celebrados dois contratos distintos com uma ligação funcional: um contrato de crédito com a segunda Ré que serviu para financiar o pagamento do bem que foi objeto de um contrato de compra e venda no primeiro Réu.
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Quando o contrato de mútuo se destina à satisfação da prestação de pagamento devida pelo mutuário no âmbito de outro contrato, neste caso celebrado com o fornecedor de um bem, estamos perante o que a referida LDCC designa por contrato de crédito coligado.
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Ora, entendemos que a existência de contrato de crédito ao consumo, e a consequente coligação entre os contratos celebrados pelo consumidor, está dependente da existência de uma ligação que indiscutivelmente determine essa conexão contratual.
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Nos termos do Decreto-Lei 133/2009, esta coligação verifica-se quando o crédito é concedido exclusivamente “(…) para financiar o pagamento do preço do contrato de fornecimento de bens ou de prestação de serviços específicos” e quando “ambos os contratos constituírem objectivamente uma unidade económica (…)”.
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Esta unidade económica verificar-se-á se (a) o crédito for cedido pelo fornecedor ou prestador de serviços; (b) se, não obstante o financiamento ser concedido por terceiro, o credor recorra ao fornecedor do bem ou prestador do serviço para preparar ou celebrar o contrato a crédito, sendo que neste caso estes apresentam conjuntamente os dois contratos ao consumidor; e, por fim, (c) se o contrato de crédito remeter para o contrato originário, ou seja, se a finalidade da contratação estiver expressamente prevista no contrato de crédito.
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No caso dos autos, com o devido respeito, que é muito, entendemos que não se verifica quaisquer requisites para que se possa admitir estarmos perante um caso de contratos coligados.
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Não ocorrendo a apontada conexão/dependência entre os dois contratos, porquanto os contratos são manifestamente autónomos e independentes um do outro -o destino de um (o incumprimento e resolução da compra e venda) não terá automaticamente reflexos extintivos no outro (o mútuo).
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In casu não se verifica a existência de uma coligação funcional entre os dois contratos, pelo que, não existindo essa dependência funcional, as vicissitudes de um não se poderão repercutir sobre o outro.
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A resolução do contrato, nos termos do artigo 432.º do CC, traduz-se na extinção do contrato, sendo equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico. A anulação do contrato de compra e venda tem efeitos retractivos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado. Se a restituição em espécie não for possível, deve ser restituído o valor correspondente (nº 1 do artigo 289º do CC).
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Ao efeito de nulidade (anulatório) pode, todavia, a lei estabelecer certos desvios, sob pressão de atendíveis necessidades práticas. É o que acontece com as resoluções que resultam do disposto no artigo 289º n.º 2, e de certas regras de posse, especialmente no tocante à restituição de frutos e em matéria de benfeitorias (artigos 1269º e seguintes, aplicáveis ex vi do artigo 289º n.º 3).
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A restituição do prestado em consequência da declaração de nulidade do contrato de compra e venda resulta diretamente da lei – artigo 289º, n.º 1, do CC – sem necessidade de qualquer pedido.
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Revertendo ao caso dos autos, resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre recorrente e recorrido, resulta da lei que a consequência é a restituição do prestado em virtude da nulidade. Devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
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In casu, o autor restituiria ao réu o veículo Opel Astra adquirido por via do contrato de compra e venda e, por sua vez, o réu restituiria ao autor o preço por este prestado para aquisição do veículo. Mas, 16. Acresce que, a regra de que a resolução tem eficácia retroactiva (nº 1 do artigo 434º, do CC), sendo equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade (artigo 433º), tem de ser conjugada com diversos preceitos que se destinam justamente a evitar que, por essa via, uma das partes enriqueça, injustificadamente, à custa da outra. Assim resulta, por exemplo, do disposto no nº 2 do artigo 432º, do nº 2 do artigo 434º (cujo espírito, segundo Calvão da Silva – op. cit., pág. 85 – pode justificar a redução do valor a restituir por força da resolução, em caso de utilização do bem pelo consumidor) ou nos nºs 1 e 3 do...
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