Acórdão nº 105/17.9T8VPA.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução24 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Os autores (…) e esposa (…) instauraram, em 04-05-2017, no Tribunal de (…) , acção declarativa, em processo comum, contra os réus: 1ºs – (…) e marido e (…); 2ºs – (…) e marido (…).

Formularam o seguinte pedido [1]: “Devem ser julgados os AA como comproprietários da eira objecto de venda, devem aina ser condenados no reconhecimento que a eira é uma só e que os propriedade de AA e RR (apesar da diferentes matrizes e respectivas descrições) mais devem ser admitidos a exercer o seu direito de preferência na venda do imóvel identificado, pelo valor de €50, valor da venda efectuada entre as partes.” No articulado inicial, alegaram, resumindo, que haviam intentado a acção 191/16.9T8VPA que foi “indeferida” no saneador por o tribunal ter “considerado que estariam em causa a venda de bens alheios” [2], mas considerando estar em causa, não a “venda de bens alheios” mas “simplesmente a má identificação do bem” e a sua “indevida inscrição matricial” em vários artigos, os autores “optam” por propor esta “por mera cautela” e, mantendo o mais alegado, “pedindo cumulativamente o reconhecimento do direito de propriedade”. [3] Assim, dizem eles, através de (já antes aludida) escritura pública [4], os 1ºs réus venderam aos 2ºs [5], pelo preço de €50, um prédio rústico composto por eira [6].

Sucede, todavia, que aqueles não são donos de “uma eira autónoma” mas de “uma parte de uma eira pertença de 3 consortes, dos quais os aqui AA.”. A eira forma “uma totalidade”, da qual autores e réus são “comproprietários”, ela “sempre foi usada de forma única por todos”, mas “cada um conhece a sua parte e área”. Embora tal “parte da eira comum” conste como autónoma mas indevidamente de “forma fiscal e registal” [a eira “do” autor tem a inscrição matricial 1291], o certo é que “todas as partes estão em acordo quanto ao facto de serem comproprietários de um só prédio, possuído em compropriedade.” Junto a tal eira [7], existe um palheiro, propriedade dos autores (inscrito na Matriz sob o artigo 1290 e descrito na CRP sob o nº 1883), o qual não confronta com a via pública, “sendo servido de acesso (único possível, como é “fácil de constar”) pela mesma (eira) – servidão de passagem, permanente, para pessoas, animais e carros, constituída quando o prédio pertenceu a uma só pessoa e antes de ter sido “dividido e partilhado”, ou seja, “por destinação e pai de família”.

Deveriam, pois, os 1ºs réus, “ao venderem a sua compropriedade da eira”, ter notificado os autores para exercerem a “preferência no prédio comum”. Porém, tal negócio (a venda escriturada) não lhes foi comunicada.

Mesmo que se tratasse de prédio rústico autónomo, devia ter sido dada preferência “aos proprietários limítrofes de prédio rústico com área inferior à unidade mínima de cultura” [8] Seriam, ainda, os autores preferentes por o seu alegado palheiro ser “dominante em relação à eira de uma servidão de passasse por destinação de pai de família ao longo de todo o ano” e que “como sempre tem vindo a ser exercida ao longo de mais de 50 anos, perante todos sem oposição, sem interrupção na convicção de não lesarem interesses de terceiros”, pelo que, se não fosse pela forma referida, teria sido “constituída por usucapião”.

A eira foi sempre utilizada pelos autores, pelos 1ºs réus vendedores e pelos demais consortes, “há mais de 50, 80 anos, na verdade desde que existe memória, por todos, em comum, sendo que organizavam entre todos o calendário para a recolha e seca dos cereais, em que era necessária a utilização de toda a eira, ali malhando os cereais e utilizando-a, na totalidade, cada consorte, há vez, rotativamente e fora da altura do cereal, utilizavam por acordo a eira em pequenas secções, pro exemplo para secar o feijão, que necessita menos espaço, o que sempre fizeram todos, sem interrupção, na convicção de não lesarem interesses alheio, como verdadeiros e únicos proprietários, sem oposição. Assim a adquiriram em compropriedade, derivadamente por aquisição e originariamente por usucapião”.

Alegaram, ainda, ter-se “suspendido” o exercício do direito de preferência durante a pendência da acção anterior (191/16.9 T8VPA), em que os réus foram absolvidos da instância.

Pretendem, pois, exercer a sua preferência na venda, “nos termos do artº do C. Civil”, para tal apresentando “comprovativo do depósito a qual alude o artº no montante de €50”, preço por que foi vendido “o prédio” [9] objecto daquela.

Em longa contestação conjunta, todos os réus se defenderam por:

  1. Excepção de caso julgado (porquanto os autores continuam, por um lado, a alegar que são comproprietários da eira mas, por outro, a admitir que o objecto do contrato de compra e venda alvo da escritura foi a eira enquanto um todo como propriedade única e exclusivamente dos 1ºs réus, persistindo a mesma contradição entre pedido e causa de pedir, uma vez que, tal como entendido na acção anterior, o negócio preferido é nulo). [10] b) Excepção de caducidade (fundada na falta de depósito do preço real da venda constante da rectificação feita à escritura e conhecido dos autores).

  2. Excepção de “abuso de direito/enriquecimento sem justa causa” (por os autores pretenderem exercer a preferência pelo preço de 50€ quando o valor real da venda, do conhecimento deles, quanto à eira, foi de 2.000€).

  3. Impugnação (quanto aos factos relativos à alegada unidade predial constituída pela eira e compropriedade sobre ela, referindo que a mesma foi dividida em quatro prédios autónomos, cada um dos respectivos direitos de propriedade sendo titulado pelo respectivo dono, tal como aconteceu pelos réus, nunca os autores tendo exercido posse sobre “o artigo” objecto da venda; quanto aos respeitantes à localização do palheiro e à passagem).

    Em audiência prévia, conforme acta respectiva (fls. 70), consta que, pelo Mº Juiz tentada e mediada a conciliação das partes, “pelos Ilustres Mandatários foi dito que existe viabilidade num acordo que ponha fim aos presentes autos, o qual passará pela aquisição pelos autores da parte alienada, id. na p. i., carecendo, no entanto, de diligenciar pela avaliação da eira e palheiros adjacentes, a fim de apurar o valor a pagar, estando as partes de acordo relativamente ao reconhecimento da compropriedade existente relativamente à referida eira”, pelo que foi requerida e deferida a suspensão da instância para realização de uma avaliação.

    Feita e junta essa avaliação, na continuação da audiência prévia, conforme acta (fls.86) consta que “pelos Ilustres Mandatários das partes foi dito que entendem que há uma possibilidade de se alcançar um acordo nos presentes autos, que passará pelo reconhecimento de que o que se discute nos presentes autos é efectivamente uma unidade predial, apenas fraccionada pelas avaliações gerais dos anos 80, sendo que o desenho da propriedade em discussão nos autos é o que resulta do relatório técnico que o Ilustre Mandatário dos réus junta aos autos (com a concordância do Ilustre Mandatário dos autores), relatório esse que, no que concerne à configuração, está de acordo com o levantamento topográfico já junto aos autos, estando apenas por limar o valor a pagar pelos autores aos réus. Tendo em vista a reconhecida unidade predial e ulterior comunicação, quer ao Serviço de Finanças quer à Conservatória do Registo Predial, na sequência da comunicação da sentença homologatória que venha a ser proferida. O presente acordo apenas não pode ser perfectibilizado no dia de hoje, uma vez que há desacordo das partes relativamente ao preço unitário do metro quadrado…”. Por isso, foi requerida e deferida a suspensão da instância para negociação de tal valor.

    De novo retomada a audiência prévia, “foi dito que, após várias tentativas e conversações com as partes, não foi possível lograr acordo.” No prosseguimento da diligência, sobre as excepções, pelo mandatário dos autores foi apenas “dito que pugna [pela] não verificação” delas. De seguida, fixou-se o valor da causa e proferiu-se saneador. Neste, afirmando-se tabelarmente verificados os pressupostos processuais, apenas se julgou improcedente a excepção de caso julgado e relegou-se para final o conhecimento das demais. De resto, identificou-se o objecto do litígio (deste constando, designadamente, apurar “a natureza do direito dos réus/autores sobre o aludido prédio (propriedade/compropriedade), enunciaram-se os temas da prova, apreciaram-se os requerimentos indicativos dos respectivos meios e designou-se a data para audiência final.

    Realizou-se esta nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas, tendo prestado depoimento os 1ºs réus e a 2ª ré e sido inquiridas diversas testemunhas.

    Com data de 14-04-2019, foi, então, proferida a sentença (fls. 134 a 140), que, considerando, por um lado, não terem os autores demonstrado a aquisição do alegado direito de compropriedade sobre a eira e, por outro, que há muito decorreu o prazo (considerado de caducidade [11]) referido no nº 1, do artº 1410º, do Cód. Civil, culminou na seguinte decisão: “Face ao exposto, nos termos das disposições legais citadas: i) julgo improcedente o pedido de reconhecimento da compropriedade dos Autores sobre o prédio descrito em 1. dos factos provados; ii) julgo procedente a exceção perentória de caducidade do direito de preferência que os Autores se propunham exercer nos presentes autos; absolvendo os Réus dos respetivos pedidos; iii) julgo improcedente o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má-fé, absolvendo os Autores do pedido de condenação em multa e indemnização.

    Custas da ação a cargo dos Autores e do incidente a cargo dos Réus - artigo 527º, nºs 1 e 2, 528º, nº1, CPC.

    Registe e notifique.

    Junte a estes autos certidão, com nota de trânsito, do saneador-sentença proferido no Proc. 191/16.9 T8VPA.” Através de singelo requerimento [12], que apenas diz “Inconformado com a douta decisão proferida vem H. N., dela interpor recurso de apelação para o Venerando Tribunal da...

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