Acórdão nº 2840/17.2T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução17 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório A. J.

instaurou a presente acção de condenação com processo comum contra a X Seguros, S.A., ambos com os sinais dos autos, pedindo:

  1. Seja declarado que entre M. R. e a ré foi celebrado um contrato de seguro automóvel titulado pela Apólice n.º ...460.

  2. Nos termos desse contrato de seguro estavam cobertos os danos nele acordados, o qual abrangia os danos decorrentes de furto ou roubo.

  3. A ré seja condenada a pagar ao autor a quantia de €.23.350,00, acrescida dos juros de mora vencidos desde 25 de Maio de 2017, bem como os vincendos até pagamento integral.

    Alega, em síntese, que por escritura pública outorgada em 26.10.2017, M. R. cedeu ao autor, pelo preço de €.10.000,00, o crédito que detinha sobre a ré relativo ao furto do veículo BMW de que era proprietária e que por via de tal cessão, o autor fica habilitado a reclamar a indemnização devida da ré, inclusive recorrer a juízo. Tal cessão foi comunicada à ré.

    Em 15.04.2017, M. R. era proprietária do veículo de marca BMW com a matrícula RD, relativamente ao qual tinha transferido a responsabilidade por riscos próprios, nomeadamente por furto, para a ré. M. R., pretendendo vender a viatura, colocava a mesma, com uma placa de «vende-se» num terreno adjacente ao cemitério de ..., onde é frequente terceiros agirem de igual forma. No dia 15.04.2017, por volta das 9.30 horas M. R. colocou lá o veículo e às 18.00 horas o veículo já la não se encontrava, desconhecendo por quem o mesmo foi tirado. Nesse mesmo dia apresentou queixa crime na GNR de Barcelos, que deu origem ao processo crime n.º 406/17.6GBBCL, o qual foi arquivado por despacho de 13.07.2017. Até ao presente o veículo não foi recuperado.

    M. R. comunicou à ré o furto, mas esta declinou a sua responsabilidade, e não atribuiu qualquer indemnização. O capital seguro à data do evento era de €.23.350,00, sendo esse o valor comercial da viatura. A ré deveria ter pago a M. R., no prazo de 40 dias a contar da participação, o montante devido, e não tendo procedido ao pagamento são devidos juros de mora desde 25.05.2017 até integral e efectivo pagamento.

    A ré apresentou contestação, onde, em síntese, alega que a cobertura de furto não vigorou desde a sua celebração, pois o contrato de seguro foi outorgado em 27.06.2016, sendo que a 30.12.2016, M. R. solicitou a alteração do contrato de seguro, com a inclusão da cobertura de furto ou roubo. Desconhece que o veículo seguro tenha sido furtado nos moldes descritos pelo autor e desconhece também se ele foi de imediato participado às autoridades. A ré não assume a responsabilidade do sinistro porque desconhece se é verdade que o veículo tenha sido furtado. Termina pedindo que a acção seja julgada improcedente por não provada, devendo a ré ser absolvida do pedido, com as legais consequências.

    Os autos chegaram à fase de saneamento e condensação, onde foi fixado o valor da acção, o objecto do litígio e os temas da prova.

    Realizou-se a audiência de julgamento.

    A final, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré do pedido.

    Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1º Não pode o recorrente conforma-se com o teor da decisão proferida.

    1. Consideramos que a sentença em crise não fez uma correcta interpretação da prova produzida em julgamento, pelo que, no nosso modesto entendimento, deve ser revista a matéria de facto.

    2. Deveria o tribunal ter dado como provado que no dia 15 de Abril de 2017, pela manhã, a M. R. colocou o veículo com a matricula RD no terreno adjacente ao cemitério, terreno esse que não se encontra vedado.

    3. Deveria, ainda, ter dado como provado que por volta das 13.30m, o Autor verificou que o veículo com a matricula RD, ainda se encontrava no referido terreno.

    4. Resulta, ainda da prova produzida em julgamento, que pelas 18 horas a M. R. verificou que o veículo já não se encontrava no referido terreno, desconhecendo por quem foi o mesmo retirado/furtado.

    5. Nessa medida, deveria ainda o tribunal ter dado como provado que o veiculo com a matricula RD, foi utilizado por M. R. até ao dia 15-04-2017, não tendo sido depois dessa data por ela utilizado.

    6. Assim deverá a decisão sobre a matéria de facto que considerou a matéria vertida em 3º, 4º, 5º e 6º destas conclusões, ser revista, já que em manifesta contradição com a prova produzida em julgamento, e contra as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer.

    7. A sentença recorrida não considerou o depoimento da testemunha M. F.

      , irmã do autor, que se encontra de relações cortadas com o mesmo, e que foi bem perceptível em face do tom de voz usado, denotando animosidade, ao afirmar que viu o veiculo nos oito dias anteriores ao desaparecimento no local onde o mesmo se encontrava à venda, - minutos 04:07 a 05:32 da gravação.

    8. O tribunal optou por dar relevância a outros factos, descurando este, único com pertinência para os presentes.

    9. O depoimento da testemunha J. M.

      foi praticamente ignorado pelo tribunal, incompreensivelmente e do pouco que verteu, referiu o que mesmo não viu quem colocou a viatura à venda no dia 15 – sendo que a testemunha não se pronunciou sobre esta questão, e também não foi questionado.

    10. Ao longo da sentença são várias as desconformidades entre aquilo que foi dito pelas testemunhas e o vertida naquela- nomeadamente, no que reporta ao facto de ser ou não o autor a colocar a viatura à venda.

    11. E quanto ao depoimento da testemunha J. M., por ele foi dito que “quando estava cá o irmão era o irmão que às vezes punha lá também a viatura”, sendo que, no entender do tribunal, por esta testemunha foi dito que era o irmão que normalmente o fazia, afirmação que não corresponde ao que foi dito pela referida testemunha - gravação ao minuto 02:00 a 03:18.

    12. Por esta testemunha foi dito que viu a viatura no sábado à venda, véspera de Páscoa, acrescentando que era habitual lá ver o dito veiculo, colocado pela irmã do autor pela manhã, sendo por esta retirado no final do dia - gravação ao minuto 06:50 a 08:51.

    13. Afirmou ainda, e por diversas vezes, que viu o veículo nos dias anteriores ao desaparecimento à venda – gravação ao minuto 06:50 a 08:51.

    14. Referiu que tem na sua casa câmaras de videovigilância e que a pedido do autor, passados uns dias após o desaparecimento, foi juntamente com ele visualizar as imagens, na expectativa de conseguir percepcionar algo quanto ao furto, no entanto, referindo que “aquilo apanha metade do lote e a outra metade fica para o lado da estrada nacional, onde eles põem os carros à venda” – gravação ao minuto 09:09 a 10:30.

    15. O depoimento desta testemunha foi coerente, espontâneo e lógico, sendo manifesto que apenas transmitiu ao tribunal o que de facto sabia, não se evidenciando do mesmo qualquer interesse no desfecho do processo, respondendo prontamente às questões suscitadas pelos Mandatários, não entrando em momento algum em contradição, disponibilizando ao autor a visualização dos meios de que dispunha, explicando o porquê de não ter sido possível visualizar o furto.

    16. De forma exaustiva e não deixando qualquer margem para dúvidas, esclareceu o tribunal – até com recurso a um desenho - sobre a localização do terreno onde a viatura se encontrava à venda, da sua habitação, da do autor e de outro vizinho, bem como a localização da estrada nacional que se situa perto do local – referindo, ainda, que da sua casa ao local onde o veiculo se encontrava distava 10 a 15 m.

    17. Sendo manifesto que o depoimento desta testemunha não foi devidamente valorado pelo tribunal.

    18. Já quanto à testemunha A. J.

      , aqui, uma vez mais, existe desconformidade entre o que foi dito pela testemunha e o vertido na sentença – o contrário.

    19. Com efeito, por esta testemunha foi dito que quem colocava a viatura à venda era a M. R. e por vezes o irmão quando estava em Portugal – ora, na sentença é referido que quando o autor estava em Portugal era ele quem colocava a viatura, quando a testemunha é bem clara quando questionada sobre esta matéria, mesma a instância do tribunal - “ só quando ele estava cá é que as vezes ele é guardava-o ou tirava-o para fora, era conforme eles combinavam “ – que é bem diferente do vertido na sentença – gravação ao minuto 6:40 a 07:25.

    20. Já quanto ao seu depoimento propriamente dito e que para nós releva, também esta testemunha depôs com total espontaneidade, total coerência, não entrando nunca em contradição, apenas relatando aquilo que sabia – sendo manifesto que não se tratava de uma conversa concertada.

    21. Com efeito, por esta testemunha foi relatado que se encontrava com o autor a conversar, descrevendo, no tempo e no espaço, a chegada da M. R. e no estado em que se encontrava. Disse ainda, de forma espontânea, que a mesma vinha acompanhada da filha do autor- e sabemos nós que há pormenores nos depoimentos que evidenciam veracidade - relatou o estado “ ar preocupado” – gravação a minutos 03:06 a 04:04 e 04:33 a 05:10.

    22. A instância do tribunal, repte, em parte, o seu depoimento, de forma exaustiva, nunca entrando em contradição, respondendo espontaneamente, com coerência e lógica ao que lhe era perguntado, demonstrando inteiro conhecimento dos os factos sobre os quais depunha – gravação ao minuto 10:32 a 13:53.

    23. Foi por esta testemunha relatado o momento em que a M. R. tomou conhecimento de que a viatura havia sido furtada, depois de questionar o irmão sobre se tinha retirado aquela do local onde a mesma se encontrava à venda, obtendo resposta negativa.

    24. Descreve ao pormenor todo o momento, não só a instância da Mandatária do Autor como também do tribunal- depondo, com naturalidade, sem nervosismo visível.

    25. Pela testemunha foi referido que a M. R. questionou o A., pelas seis, seis e meia – como referiu em tribunal.

    26. Num depoimento longo, pela testemunha D. R.

      foi...

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