Acórdão nº 1618/17.8T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | EVA ALMEIDA |
Data da Resolução | 31 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO P. J. instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra X, Unipessoal, Lda., pedindo que:
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Fosse declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda da viatura da marca M. B., modelo CLK 220 CDI, com a matrícula ..., e, consequentemente, a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 5.052,05€, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até ao integral pagamento; ou, subsidiariamente, b) Fosse anulado, com base em erro/dolo, o contrato-promessa de compra e venda da viatura da marca M. B., modelo CLK 220 CDI, com a matrícula ..., e consequentemente, a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 2.552,05€, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até ao integral pagamento..
Alegou, em síntese, que celebrou com a ré um contrato promessa de compra e venda, que teve por objecto a viatura da marca M. B., modelo CLK 220 CDI, com a matrícula ..., tendo entregado à ré, a título de sinal, a quantia de €2.500,00. Após a realização de uma verificação técnica à viatura, constatou, que, afinal, a mesma havia sido objecto de reparação na sequência de um sinistro e apresentava as anomalias melhor descritas em 12 da petição inicial, circunstâncias que lhe haviam sido ocultadas pelo legal representante da ré, a quem previamente advertiu que pretendia comprar um veículo em perfeito estado de funcionamento e conservação e que não tivesse sido objecto de qualquer tipo de acidente, pelo que, em face do engano que lhe foi gerado e da circunstância de a viatura não possuir as condições essenciais que o legal representante da ré assegurou, entende que lhe assiste o direito a resolver o contrato e a exigir a entrega do sinal prestado em dobro, por tal resolução proceder de culpa da ré, sendo que tal contrato sempre seria anulável atento o erro-vício da sua vontade.
*A ré veio apresentar contestação onde, em suma, alegou que desconhecia que a viatura por si prometida vender era acidentada, sendo que, de qualquer forma, nunca afiançou ao autor que não tivesse tido qualquer acidente, encontrando-se a viatura em bom estado de funcionamento.
Mais alegou que efectuou a resolução do contrato promessa uma vez que o autor não procedeu ao pagamento do remanescente do preço devido no prazo que lhe foi estipulado, tendo a contestante perdido o interesse na venda do veículo.
*Findos os articulados, foi proferido o despacho saneador e fixado o valor da causa.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
Proferiu-se sentença em que se decidiu: Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção, reconhecendo a resolução do contrato promessa referido em E) da factualidade assente e, consequentemente, condeno a ré X, Unipessoal, Lda., a proceder ao pagamento ao autor P. J. da quantia de 2.500,00€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal em vigor em cada momento, a contar desde 12/11/2016 e até integral pagamento, absolvendo a ré de tudo o demais peticionado pelo autor.
Custas pelo autor e pela ré na proporção do respectivo decaimento (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
*Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: I.
O presente recurso tem por objecto a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente procedente o pedido do Autor, aqui Recorrido, reconhecendo a resolução do contrato promessa de compra e venda com fundamento na desconformidade do bem e condenando a Ré, aqui Recorrente, ao pagamento da "quantia de 2.50o,OO€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal em vigor em cada momento, a contar desde 12/11/2016 e até integral pagamento " II.
A Recorrente entende que a prova produzida não permite dar como assente determinados factos que integram a matéria de facto provada, assim como o Tribunal a quo não valora factualidade dada como não provada. Por força da errónea apreciação da matéria de facto, o enquadramento jurídico e respectiva interpretação das normas terá, necessariamente, que ser revisto.
III.
No que diz respeito à matéria de facto assente pelo Tribunal a quo, a Recorrente entende que os pontos H) e I) dos factos provados deverão ser alterados, passando a ter a seguinte redacção: "H) Na sequência da verificação técnica do mencionado veiculo, as conclusões foram as seguintes: - As blindagens interiores junto às caves de roda não estão deficientemente montadas, estão sem folgas e devidamente apertadas; - O colector de admissão de ar do motor não tem fuga; - Os apoios do motor não apresentam qualquer problema; - Os pneus estavam bastante novos. ",o (1) A viatura refenda em D) foi interveniente num sinistro tendo sido sujeita a reparação. " IV. A Recorrente considera ainda que deverá ser aditado um novo facto à matéria factual provada com o seguinte teor: 'Na sequência do check-up efectuado a pedido da Ré, a direcção da viatura foi alinhada. " V. No que diz respeito à matéria de facto dada como não provada, além de o Tribunal a quo não ter extraído as devidas consequências do ponto 1 da douta sentença recorrida, também um novo ponto deverá fazer-se constar: ':4 viatura apresentava as seguintes características: - Vários componentes da dianteira foram substituídos no decorrer da reparação anteriormente mencionada, tais como faróis e estrutura de suporte dos mesmos, radiadores, pára-choques dianteiro, guarda-lamas, etc.; - Os radiadores de refrigeração do motor, de ar de sobrealimentação e condensador do sistema de ar condicionado instalados não são peças originais M. B." VI. As referidas alterações e aditamentos à matéria de facto devem-se ao teor do relatório da avaliação solicitada pela Recorrente que é corroborando pelo depoimento, coerente e conciso, da testemunha A. S. e reforçado pelos testemunhos dos Srs. J. C. e F. P.. Paralelamente, o relatório pericial atesta as referidas provas como, simultaneamente, descredibiliza o relatório da averiguação solicitada pelo Recorrido.
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Acontece que, o douto Tribunal recorrido não apreciou devidamente a prova, assim como não lhe conferiu uma valoração equilibrada e objectiva e ainda desconsiderou em absoluto o relatório pericial culminando com uma insatisfatória ponderação conjunta de toda a prova produzida.
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Primeiramente, o Tribunal a quo confere maior importância ao relatório apresentado pelo Recorrido, valorando-o em detrimento do relatório da Recorrente quando, à partida, ambos deveriam ter o mesmo grau de credibilidade e igual dose de uma eventual subjectividade. Significa que, embora o Tribunal aprecie livremente a prova, neste caso fê-lo de forma infundada e influenciado por juízos pessoais, ao invés de se orientar por critérios objectivos.
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Para além disso, mediante relatórios contraditórios, o Tribunal deveria apoiar-se na restante prova produzida, nomeadamente a prova testemunhal que fragiliza o relatório do Recorrido e, principalmente, na prova pericial que vem atestar a inexistência de anomalias, sendo somente inconclusiva quanto a duas características (substituição de componentes e peças não originais da marca).
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As transcrições dos depoimentos das testemunhas são ilustrativas que o veículo apresentava todas as características consideradas normais, não tendo sido detectadas anomalias ou um funcionamento deficitário; também atestam que o veículo, embora tivesse cerca de oito anos à data da celebração do contrato e bastante utilização, estava bem conservado e sem historial de apresentar problemas ou sinais de um funcionamento anormal.
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Posto que, a Recorrente não vislumbra razões para as conclusões retiradas pelo Tribunal recorrido, principalmente, a desconsideração da perícia que poderia e deveria ter funcionado com elemento elucidativo das conclusões a extrair dos dois relatórios de avaliação da viatura que apresentavam versões opostas. Além disso, não asseguravam o mesmo nível de isenção e imparcialidade como é próprio da perícia, desde logo, por ser efectuada por um perito indiferente às partes.
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Elucidativo do processo de apreciação da prova e, subsequente, formulação da convicção do Tribunal a Recorrente invoca a seguinte Jurisprudência: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de Janeiro de 2018, no processo 2825116.6T8STR-B.El, relator Florbela Moreira Lança, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Março de 2010, no processo 949/05.4TBOVR¬A.L1-8, relator Bruto da Costa e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30 de Julho de 2015, no processo 63113.9TBOLR.Cl, relator Isabel Silva, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
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Assim, partindo da correcta apreciação, valoração e formação da convicção quanto aos factos que servem de base à decisão de direito, terá que se concluir pela inexistência de desconformidades, à luz do artigo 2º do regime de venda de bens de consumo, aprovado pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, do veículo automóvel prometido.
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Provando-se que o veículo não apresentava as anomalias alegadas pelo Recorrido, não tendo sido afastada a dúvida quanto à substituição de componentes da dianteira e ao facto de algumas peças não serem originais da marca e bem sabendo o Recorrido das características do veículo (usado, do ano 2008 e com cerca de 160000 quilómetros), não existem factos que densifiquem o conceito 'falta das qualidades habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor razoavelmente pode esperar' .
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A circunstância do veículo ter sido objecto de um acidente não poderá relevar na aferição da conformidade ou desconformidade: não ficou provado que o Recorrido informou que esta era uma qualidade essencial; não se provou que a Recorrente omitiu esse facto (pois também o desconhecia) ou assegurou características que, na realidade, o veículo não tinha; decorre da experiência comum que o consumidor ao pretender adquirir um veículo usado está ciente de que a probabilidade de comprar uma viatura que já tenha tido intervenção num acidente é claramente maior do que vir a acontecer o oposto.
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Naturalmente que...
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