Acórdão nº 105/17.9T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelEDUARDO AZEVEDO
Data da Resolução07 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Neste processo especial emergente de acidente de trabalho é sinistrada M. J., com mandatário, e responsável companhia de seguros X Portugal, Sa.

Foi realizado exame singular e tentativa de conciliação que se frustrou.

Foi deduzida petição inicial onde se pediu: “… na procedência da presente acção deve a Ré ser condenada a pagar à Autora as seguintes quantias: - O capital de remissão de uma pensão anual e vitalícia de 155,82 €, a partir de 06/05/2017, inclusive, montante calculado nos termos dos artigos 48º, n.º 3, al. C) e 50º, n.º 2, e 75º, n.º 1, da LAT; - A importância de 1889,77 €, correspondente a 122 dias de ITA (de 30-12-2016 a 30-04-2017) e 36 dias de ITP/30% (de 01-05-2017 a 05-06-2017); - A quantia de 65,00 €, de despesas de transportes e diligências ao Tribunal de Trabalho de Vila Real (art. 39º, n.º 1 e 2 da LAT); - Os juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias devidas, calculados nos termos do artigo 135º do CPT até integral e efectivo pagamento.”.

Contestou-se.

Após condensação foi realizado julgamento e proferida sentença pela qual: “Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência condena-se a aqui R. Companhia de Seguros X Portugal, S.A., no pagamento das seguintes quantias: - € 1.889,77 (mil oitocentos e oitenta e nove euros e setenta e sete cêntimos) a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária (absoluta e parcial); sobre esta quantia são ainda devidos os juros de mora vencidos desde a data da alta clínica (05/05/2017) e os vincendos até integral pagamento; - na pensão anual e vitalícia equivalente a € 155,82 (cento e cinquenta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos), a qual é obrigatoriamente remível, acrescida dos respectivos juros de moras calculados de forma idêntica ao acima indicado; - e de € 65,00 (sessenta e cinco euros) a título de despesas suportadas pela A. com as deslocações efectuadas obrigatoriamente no âmbito dos presentes autos, acrescendo a este último montante os juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data de realização do auto de não conciliação – cfr. fls. 57 – 15/02/2018.

(…)”.

O MºPº promoveu: “Certamente por lapso, a douta sentença que antecede (cfr. fls 150/154): i) Indicou, na factualidade dada como assente, como data da ocorrência do acidente aqui em causa a de 26/12/2016, em vez de 29/12/2016; e ii) Não especificou que os juros moratórios referentes à nela atribuída pensão anual e vitalícia recaem sobre o valor do correspondente capital de remição (cfr., entre muitos outros, Acórdão da Relação de Lisboa de 11/05/2016, tirado no Proc. nº 2445/15.2T8CSC, editado in www.dgsi.pt).

Assim, pr se proceda, nessa parte, à sua devida rectificação/complementação (cfr. arts 613º e 614º, nº 1 do CPCivil).”.

Sobre a mesma incidiu despacho: “Nos presentes autos veio o Min. Púb. requerer a rectificação da decisão final aqui proferida, considerando que a mesma padece de lapsos de escrita que devem ser corrigidos.

Entende-se, contudo, que o Min. Púb. carece de legitimidade para intentar este requerimento.

Senão, vejamos.

Nos presentes autos a sinistrada juntou ainda em fase conciliatória – cfr. fls. 56 – procuração mediante a qual constituiu mandatário judicial nos presentes autos.

Este mesmo mandatário judicial esteve, nessa qualidade, presente no auto de não conciliação – cfr. fls. 57 e veio posteriormente intentar a presente acção, com a junção da respectiva petição inicial, participando, deste modo, na tramitação subsequente dos autos e recebido a notificação da sentença, em 10/07/2018 – refª nº 32438831 – mantendo-se a procuração em causa em vigor.

Ora, nos termos do art. 5º-A do C.P.T. o Ministério Público tem legitimidade activa nos casos ali previstos (nos quais não se insere a situação da presente lide), tendo ainda o dever de patrocinar os trabalhadores nos termos estabelecidos no art. 7º do mesmo diploma legal, mas este patrocínio cessa – por força do estatuído no art. 9º do C.P.T. – quando é constituído mandatário judicial.

Excepciona-se, na norma legal em apreço, a intervenção acessória do Ministério Público, mas, salvo melhor entendimento, crê-se que o caso dos autos não se insere no âmbito desta intervenção.

Na verdade, a lei adjectiva laboral não prevê a intervenção acessória do Min. Púb. que, assim, se deverá apreciar à luz do que dispõe as normas do processo civil, designadamente, o que dispõe o art. 325º do C.P.C. Neste preceito consignou-se “1 – Sempre, que nos termos da respectiva Lei Orgânica, o Ministério Público deva intervir acessoriamente na causa, é-lhe oficiosamente notificada a pendência da acção, logo que a instância se considere iniciada.

2 – Compete ao Ministério Público, como interveniente acessório, zelar pelos interesses que lhe estão confiados, exercendo os poderes que a lei processual confere à parte acessória e promovendo o que tiver por conveniente à defesa dos interesses da parte assistida.”.

Pois bem, no Estatuto do Ministério Público – com as alterações introduzidas pela Lei nº 114/2017 de 29/12, prevê-se no seu art. 5º “O Ministério Público tem intervenção principal nos processos: (…) d) Quando exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social; (…) 4 – O Ministério Público intervém nos processos acessoriamente: a) Quando, não se verificando nenhum dos casos do nº 1 sejam interessados na causa as regiões Autónomas, as autarquias locais, outras pessoas colectivas de interesse pública, incapazes ou ausentes, ou a acção vise a realização de interesses colectivos ou difusos; b) Nos demais casos previstos na lei.”.

Conclui-se, pois, que o Digno Mag. do Min. Púb. não tendo nem intervenção principal, nem intervenção acessória no âmbito dos presentes autos carece de legitimidade para se pronunciar quanto à decisão final aqui proferida, quer quanto ao requerimento autónomo relativo à invocada nulidade, quer quanto ao recurso que interpôs, pelo que por este motivo se indefere liminarmente este requerimento.

Sendo certo, no entanto, que a decisão final de fls. 150 contém, efectivamente, um manifesto lapso de escrita, quanto à data do sinistro indicada na factualidade assente, rectifica-se o mesmo, ao abrigo do disposto no art. 614º do C.P.C., no sentido de que a data correcta (ali indicada noutros pontos da mesma matéria de facto) é de 29/12/2016.”.

O MºPº recorreu deste despacho e da sentença, recursos não contra-alegados.

No primeiro concluiu: “1ª) O presente processo respeita a acidente de trabalho e, por consequência, a matéria de interesse e ordem pública, subtraída à disponibilidade dos interessados (cfr. arts 12º e 78º da LAT); 2ª) Estando o sinistrado representado nos autos por mandatário judicial, ao Ministério Público neles compete, nesta fase, intervir acessoriamente, nos termos previstos e determinados, de forma explícita, nos arts 9º do CPT, 5º, nº 4, alínea b) do EMP e 325º, nº2 do CPCivil; 3ª) O despacho recorrido, ao considerar que o Ministério Público carece de legitimidade para intervir nos autos a título de parte acessória, desrespeitou os atrás citados normativos legais.

4ª) Em face do exposto, deverá, reconhecendo-se a nele denegada legitimidade do Ministério Público para intervir no presente processo, proceder-se à revogação, na parte em causa, do despacho recorrido.”.

No segundo concluiu: “1ª) A sentença recorrida atribuiu à sinistrada uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, no valor de €.155,82, devida em função da nela fixada desvalorização, decorrente do aqui participado acidente de trabalho, ocorrido em 29/12/2016, que a vitimou (IPP de 3%); 2ª) E condenou a Ré/entidade seguradora no pagamento de tal pensão, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos desde a data da alta clínica e vincendos até integral pagamento; 3ª) Salvo o devido respeito, sendo a pensão obrigatoriamente remível, o juros de mora são devidos sobre o capital de remição (e não sobre o valor da pensão), uma vez que este mais não representa que uma forma unitária de pagamento da pensão anual e vitalícia devida (cfr. supra cit. aresto do STJ) – tudo conforme decorre da disciplina normativa contida e que emana dos arts 35º, nºs 2 e 3, 47º, nºs 1, alínea c) e 3, 48º, nºs 2 e 3, alínea c), 50º, nº 2, 75º a 77º da LAT e 135º do CPT; 4ª) Disciplina essa que a sentença recorrida inobservou/desaplicou, ao estabelecer que os juros de mora em causa incidem sobre a nela determinada pensão anual e vitalícia (em vez de recaírem sobre o correspondente capital de remição); 5ª) Assim, deverá proceder-se à revogação, na aqui questionada parte, de tal sentença e à sua substituição por outra que condene a Ré/entidade seguradora no pagamento à sinistrada dos juros moratórios incidentes sobre o capital de remição correspondente à definida/atribuída pensão anual e vitalícia, contados desde o dia seguinte ao da alta e até ao efectivo pagamento do referido capital.”.

Os recursos não foram admitidos na 1ª instancia por se entender que o MºPº para tanto carecia de legitimidade, vindo a admissão ser deferida neste tribunal por via de apreciação de reclamação, em decisão pela qual: “(…) Colocou-se nos mesmos precisos termos a questão na reclamação deduzida no processo procº nº 1697/15.2T8VRL, estando-se inteiramente de acordo com a respectiva decisão, de 07.06.2018: “A razão da não admissão do recurso foi o facto de se ter entendido que tendo o sinistrado constituído advogado, o Ministério Público deixou de ter intervenção quer principal, quer acessória nos autos, não tendo por isso legitimidade para recorrer da decisão final proferida nos autos.

Importa assim indagar se no caso o Ministério Público tem ou não legitimidade para recorrer.

Vejamos os normativos relevantes para apreciação da questão.

Estabelece o artigo 7.º n.º 1 al. a) do CPT. sob a epígrafe “Patrocínio pelo Ministério Público” o seguinte: “Sem prejuízo do regime do apoio judiciário, quando a lei o determine ou as partes o solicitem, o...

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