Acórdão nº 2305/17.2T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelEUGÉNIA CUNHA
Data da Resolução07 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães (1) I.

RELATÓRIO Apelante: Clara (…) Apelada: (…), S.A.

A executada Clara (…) veio, por apenso à execução para pagamento de quantia certa, em que é exequente (…) S.A., e são executados a embargante e outro, deduzir embargos de executado, invocando: - A nulidade da citação para a execução, uma vez que o contrato de cessão de créditos que lhe foi remetido com a citação tinha uma parte substancial de páginas com o conteúdo cortado; - A ilegitimidade ativa da exequente, uma vez que dos documentos enviados à executada não resulta comprovada a cessão de qualquer crédito; - A prescrição do crédito exequendo, uma vez que, apesar de a data de vencimento da livrança ser de 2017, o incumprimento da relação contratual subjacente ocorreu há mais de três anos; - O preenchimento da data de vencimento da livrança para além do limite temporalmente admissível consubstancia preenchimento abusivo; - Abuso de direito por parte do credor, por ter preenchido a livrança passados mais de seis anos da sua emissão, o que é contrário aos limites da boa-fé; - O preenchimento abusivo da livrança por o credor não ter comunicado à executada todas as cláusulas do contrato subjacente à livrança a que a executada se limitou a aderir; - Não se encontrando junto aos autos o contrato subjacente à emissão da livrança e não tendo o mesmo sido entregue à executada, a nulidade, caso se trate de um contrato de crédito ao consumo.

*A exequente/embargada contestou, impugnando os factos alegados pela embargante, designadamente os referentes à nulidade da citação, por o contrato de cessão de créditos remetido à executada com a citação ter páginas com o conteúdo cortado.

*Foi realizada audiência prévia, onde foi suscitada pela embargante a questão da inexistência de endosso da livrança, mas mera cessão de créditos.

*Foi proferido saneador-sentença, com a seguinte parte dispositiva: “Nestes termos, vistos os princípios expostos e as indicadas normas jurídicas: a) Julgo, por erro no meio processual adequado, sem efeito o pedido de declaração de nulidade da citação para a execução; b) Julgo os presentes embargos de executado totalmente improcedentes.

Custas pela embargante”.

*A Embargante apresentou recurso de apelação pugnando pela revogação da decisão recorrida e por que a mesma seja declarada nula ou os embargos procedentes.

Formula, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES: I - Por um lado, a sentença consagra “o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas ou exercício do contraditório, a apreciação total do mérito dos presentes embargos”, por outro lado no ponto II, relativo à fundamentação (especificamente no ponto “Dos factos e do Direito”) consagra o Meritíssimo Juiz a quo relativamente a várias matérias a necessidade de prova que considera impender sobre a embargante/recorrente; II - Não é de admitir que não haja necessidade de produção de prova em audiência de julgamento e ao mesmo tempo se considere que sobre a embargante/recorrente impendia o ónus de provar determinados factos, nomeadamente, sem sede de audiência de julgamento através de prova testemunhal; sendo, por isso, manifesta a violação dos artºs 591º e 596º do C.P.C.

III - Na decisão sobre a matéria de facto tinha o Tribunal a quo de estabelecer esse facto como assente para extrair as conclusões que acabou por proclamar, não podendo ser suficiente que refira, apenas, que «por acordo escrito intitulado “Contrato de Cessão de Carteira de Créditos não garantidos”, datado de 11.12.2015, o Banco ..., S. A., na qualidade de cedente, e a A. G. Limited na qualidade de cessionária, declararam o que consta desse acordo junto a fls. 4 a 25 dos autos executivos e cujo teor aqui se dá por reproduzido», para depois poder concluir nos termos em que o fez ao nível do Direito.

IV - Em nenhum dos pontos relativos aos factos dados por assentes consta que a exequente é titular de qualquer crédito sobre a executada/recorrente e que resulte de documento de que esta tivesse sido notificada nos presentes autos; salvo o devido respeito, tal facto não pode ser “criado” no momento da aplicação do Direito, quando não consta dos factos dados como assentes.

V - Pelo que, a sentença deve ser considerada nula, nos termos e para os efeitos do art.º 615º, n.º 1, al. c) do C.P.C.

VI - O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão suscitada pela executada/recorrente quanto à nulidade da citação por falta de envio dos hipotéticos documentos onde constariam as cessões de crédito; a executada/recorrente tinha de ser notificada desses documentos e não o foi (!) VII - O tribunal pronuncia-se sobre uma questão diferente e que está prevista no art.º 851º do C.P.C, isto é, ter a execução corrido à revelia da executada.

VIII - O que a executada/recorrente alegou (e juntou documentos que o comprovam) foi que, estabelecendo o art.º 219º, n.º 3 do C.P.C. que a citação é “sempre acompanhada[ ] de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto” e não lhe tendo sido enviados todos os documentos juntos pela exequente com o seu requerimento executivo, não foram, na realização da citação, “observadas as formalidades prescritas na lei” (art.º 191º, n.º 1 do C.P.C.); IX - E, assim sendo “o juiz deix[ou] de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar [e] conhe[ceu] de questões de que não podia tomar conhecimento”, nos termos e para os efeitos do art.º 615º, n.º 1, al. d) do C.P.C., sendo a respetiva sentença nula; X - Não podia o Tribunal a quo ter dado como assentes os factos constantes do ponto II da sentença, especificamente os pontos 1. a 5. “Dos factos Relevantes”, sem observância do princípio do contraditório; XI - Na ata da audiência prévia a executada/recorrente manifestou “Sem prescindir quanto à falta de entrega dos documentos na sua globalidade juntos com o requerimento executivo” e, por isso, violou o Tribunal a quo o referido princípio, assim como o art.º 373º do Código Civil, porque não foi dada a oportunidade da executada se pronunciar sobre os mesmos (que nuna lhe foram entregues na integra); XII - O Tribunal a quo não deu por assente um facto essencial que consta da livrança junta aos autos, ou seja, que da mesma consta a menção “não à ordem”, quando o deveria ter dado porque resulta da livrança (único documento de que a executada/recorrente teve integral conhecimento por via da citação); XIII - O Tribunal omite esse facto, fazendo constar apenas que “Para caução…Mutuário(S) subscreve(m) uma livrança em branco…a qual desde já autorizam o preenchimento pelo Banco pelo valor que estiver em dívida à data do seu preenchimento...” (ponto 4.c. “Dos factos relevantes”); XIV - Pelo que, a própria livrança impunha uma decisão diferente quanto à matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art.º 640º, n.º 1, al. b) do C.P.C., tendo, em consequência, ficado inquinada toda a fundamentação explanada ao nível do Direito constante da sentença; XV - O Tribunal a quo deveria ter dado como assente que o “Acordo de Regularização de Responsabilidades” (referido no ponto 4. “Dos Factos Relevantes” da sentença) consagra o seguinte na sua cláusula 12ª, n.º 2: 1. “Para caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes do presente acordo, designadamente reembolso de capital, pagamento de juros e outros encargos a liquidar nos termos deste contrato, MUTUÁRIO(S) subscreve(m) uma livrança em branco contendo a expressão “não à ordem”, a qual desde já autorizam o preenchimento pelo BANCO pelo valor que estiver em dívida à data do seu preenchimento e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data de vencimento de qualquer das prestações convencionadas, as mesmas não forem integralmente pagas.” XVI - Assim o impunha o referido documento, nos termos e para os efeitos do art.º 640º, n.º 1, al. b) do C.P.C.; e, com base nestes factos, toda a decisão teria de seguir um iter diferente; XVII - Quanto à nulidade da citação, a executada/recorrente utilizou o meio processual adequado ao alegar “quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”, nos termos e para os efeitos do art.º 731º do C.P.C.; no caso não poderia ter sido aplicado o art.º 851º do C.P.C. porque a execução não correu à revelia; XVIII - Em vez do art.º 851º do C.PC., o Tribunal a quo deveria ter aplicado o art.º 219º, n.º 3 do C.P.C. o qual estabelece que a citação é “sempre acompanhada[ ] de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto” e, não tendo sido enviados à executada/recorrente todos os documentos juntos pela exequente com o seu requerimento executivo, não foram, na realização da citação , “observadas as formalidades prescritas na lei” (art.º 191º, n.º 1 do C.P.C.); XIX - Nos termos e para os efeitos do art.º 639º, n.º 2, al. c) do C.P.C., o Tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável; se aplicasse os referidos art.ºs 731º, 219º, n.º 3 e 191º, n.º 1 do C.P.C. teria, necessariamente, de considerar nula a citação e repeti-la.

XX - Não está demonstrada nos autos uma série ininterrupta de cessões de crédito que pudesse levar o tribunal a considerar que a exequente sucedeu ao hipotético credor originário (o Banco) porque o que consta dos autos (e não foi notificado à executada) é uma grelha que poderia ter sido elaborada em um qualquer programa de excel pelo punho da exequente, apenas e só com o fito de intentar a presente ação executiva; tal documento não está assinado nem pelo Banco ..., nem pela A. G. (hipotéticos cedentes); XXI - Inexistindo prova nos autos sobre tais factos e não constando os mesmos dos factos dados como assentes, deveria ter sido declarada a ilegitimidade ativa da exequente nos termos e para os efeitos do art.º 54º, n.º 1 do C.P.C; XXII - O que a executada/recorrente disse na audiência prévia foi que a cessão de créditos não lhe foi notificada, nem foi pela...

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