Acórdão nº 116/11.8TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução28 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO I – Na reapreciação da decisão de facto a Relação, não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.

II – O n.º 2 do art.º 70.º do C.C. estabelece duas modalidades de reacção do titular do direito de personalidade ofendido, que podem ser cumuladas: o recurso à responsabilidade civil, desde que se verifiquem os pressupostos referidos no art.º 483.º do mesmo Cód., e o recurso às providências que se tenham por adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.

III – O que se protege no n.º 1 do art.º 71.º do C.C. é objectivamente o respeito pelos mortos, como valor ético, e subjectivamente a defesa da inviolabilidade moral dos seus familiares e herdeiros, destarte se defendendo, no âmbito do direito subjectivo de personalidade, o direito que os vivos têm a que os seus mortos sejam respeitados.

IV – O n.º 2 do art.º 71.º abrange a legitimidade das pessoas aí referidas para pedirem também indemnização pelos danos que resultarem da ofensa dos direitos de personalidade do seu familiar falecido.

V – O direito à identidade pessoal, consagrado no art.º 26.º da Constituição, abrage além do direito ao nome, também um direito à «historicidade pessoal», ou seja, o direito ao conhecimento da paternidade biológica, de que resulta, além do mais, o direito à investigação da paternidade ou da maternidade.

VI – O art.º 483.º do C.C. refere dois factos ilícitos como geradores da responsabilidade civil: a violação do direito de outrem e a violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, e o art.º 484º., do mesmo Cód., é um caso especial de facto antijurídico definido naquele art.º 483.º, pelo que a ofensa do crédito ou do bom nome deve-se considerar subordinada ao princípio geral deste último preceito legal.

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- M. C.; L. F.; e M. J., residentes em ..., Guimarães, intentaram a presente ação declarativa comum contra C. P., residente em ..., Fafe, pedindo a condenação deste a pagar: à primeira, a quantia de € 20.000, e a cada uma das segunda e terceira, a quantia de € 10.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

    Fundamentam este pedido alegando, em síntese, que o Réu intentou ação de impugnação de paternidade e maternidade alegando ser filho biológico do falecido marido da 1.ª Autora e pai das 2.ª e 3.ª Autoras, M. F., e da sua irmã e filha deste, M. I., dizendo-se, assim, filho de uma relação incestuosa.

    Simultânemente, o mesmo Réu “multiplicou-se em contactos” com os diversos meios de comunicação social, quer a falada, quer a escrita, “propagando” na televisão, na rádio e na internete que «o seu avô é o seu pai», o que foi reproduzido “até à náusea” em diversos jornais, quer de âmbito local (“Notícias ...”; “Jornal ...”; “Comércio de …”), quer de âmbito regional e até nacional (o “Jornal ...” e o “Correio ...”).

    Mais alegam que a divulgação destes factos, que o Réu sabe serem falsos, lhes causa imensa revolta, mágoa e tristeza, sentindo-se objecto de olhares e comentários dos vizinhos, tendo deixado de frequentar os locais que antes frequentavam, sendo impedidas de gozar o seu sossego e descanso normais, de dia e durante a noite, pela privação e perturbação do sono.

    O Réu contestou, impugnando especificadamente os factos e atribuindo ao seu pai biológico e à 1.ª Autora, que de tudo sabia, a responsabilidade de quanto esta e as demais Autoras invocam.

    Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando parcialmente procedente por provada a acção, condenou o Réu a pagar a cada uma das AA. M. J. e L. F. o valor individual de 5.000,00 euros e à A. M. C. o montante de 7.500,00 euros.

    Inconformado, traz o Réu o presente recurso pedindo a alteração da decisão, julgando-se improcedentes os pedidos formulados pelas Autoras.

    Não foram oferecidas contra-alegações.

    O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

    Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre decidir.

    1. Do texto que o Apelante apresenta como conclusões, transcrevem-se os seguintes excertos: “A - Uma vez que os visados são o Falecido M. F. e a sua filha M. I., nenhum deles parte na ação, nem em nenhuma outra em cujos factos eles tenham considerados como ofensivos à sua honra e consideração.

      Não bastando para isso a alusão feita a título de conclusão no art.º 24.º da petição inicial “parece não haver dúvidas de que os direitos de personalidade daquele (…) foram violados …” sem nunca antes ter mencionado quais esses direitos e como foram violados e como é que ele os sentiu violados.

      E como já foi referido os herdeiros não têm direito a indemnização no confronto dos agentes das ofensas, no quadro da responsabilidade civil porque não foi relativamente às mesmas que houve, a ter havido, facto voluntário do agente; ilicitude; culpa e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

      Pelo que o réu tem de ser absolvido por via do facto de elas não terem causa de pedir ou a sua causa de pedir, do modo como está formulada não tem respaldo na lei por forma a permitir que possam pedir que sejam indemnizadas pelos danos que invocam na ação.

      Sendo que a decisão de que se recorre violou, diretamente as normas que são invocadas para sustentar a causa de pedir e o pedido.

      Designadamente os artigos 70.º e 71.º, n.º 2 e segs e 483.º e 494.º todos do Código Civil.”.

      “B - Quando se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, é elemento fundamental os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento; No caso presente as testemunhas depuseram de forma a sustentar a tese desenvolvida pelo Réu; A prova documental e pericial sustenta a tese desenvolvida pelo Réu; A prova produzida não pode ser valorada para decisão em sentido contrário; O tribunal “a quo”, face à prova produzida, quer documental quer testemunhal, deveria ter dado como não provados os factos alegados por forma a sustentar a versão do Ré.

      Bem como errou na apreciação da prova quando relativamente ao ponto 11 a única testemunha que se refere a este título é a Manuela que nega tenha sido o réu a dar origem ao título, referindo, inclusive que o réu ligou ao diretor do Jornal a reclamar de terem dado aquele título à notícia. Pelo que este ponto deveria ter sido dado como não provado.

      Quanto ao ponto 12, tendo o aqui mandatário subscritor ouvido as testemunhas das autoras e lido a transcrição do testemunho da Maria, porquanto foi nomeado apenas agora como patrono do Réu, não vislumbra nenhum testemunho que corrobore o que ali é referido, designadamente que nenhuma das testemunhas diz ter visto uma reportagem televisiva a encenar a árvore genológica de quem quer que fosse. Bem como o resto que lá consta. Pelo que este ponto deveria ter sido dado como não provado.

      Quanto ao ponto 13, não há nenhum testemunho que corrobore o que ali é referido, “por verem o nome de seu falecido marido e pai arrastado na lama” sendo isto uma transcrição do alegado pelas autoras que nunca foi referido pelas testemunhas. Sendo que as testemunhas apenas se referem aos “danos” relativos a elas serem visadas seja na rua no trabalho ou onde quer que seja nunca o pai. E quanto ao “acusado, falsamente, da prática de incesto”, trata-se de uma nova transcrição sem sustentáculo absolutamente nenhum na prova. Isto o tribunal não ouviu, apenas leu! Pelo que este ponto deveria ter sido dado como não provado.

      Relativamente aos pontos 14, 15, 16, 17 e 18, o que nele consta não tem qualquer interesse para a causa porque quem terá sido visado no que é referido na matéria dada como provada são o M. F. e a M. I., nenhum deles é autor na presente ação. Este facto não tem cobertura no direito português a título de indemnização civil para estes terceiros que se viram metidos numa confusão que ao contrário do que se quer fazer parecer não foi provocada pelo Réu, mas sim pelo seu progenitor natural, o M. F., que o entregou a terceiros após o seu nascimento, não se sabe bem quando mas próximo do seu nascimento e o deixou na ignorância da sua situação até que o próprio aqui Réu se “esbarrou” no trabalho com um familiar do referido pai biológico. Quem provocou a situação foi o Sr M. F. e na tese das autoras a própria autora viúva, porque entendem ser ela a mãe do C. P.. O que é espantoso que a mãe que abandonou o filho venha pedir indemnização ao filho abandonado por danos à sua honra e consideração e não aos de personalidade do seu falecido marido, já que a esse aspeto nada é alegado, quando é ela a mãe que o abandonou!!! E o tribunal não tem isto em consideração.

      Tal como não tem em consideração que o aqui Réu andava em busca da sua personalidade que desconhecia e que por isso a busca não podia partir do resultado final.

      Não é legítimo ao Réu que só levantasse as hipóteses que no fim do processo se revelariam certas.

      Que fizesse as perguntas que no fim se revelassem acertadas.

      O tribunal tinha de ter o bom senso de avaliar que a autora M. C. nunca quis fazer o teste de paternidade/maternidade diretamente e relativamente ao Réu.

      Tinha de ter em consideração o que as pessoas foram dizendo ao réu e sua esposa a testemunha Manuela e que foram relatadas por ela e que punham sérias dúvidas ao réu sobre todos as questões ligadas a este assunto.

      Tendo a decisão do Tribunal “a quo”, ao dar a resposta da forma que deu e não no sentido que aqui se refere que deveria ter dado, violado o normativo do n.º 1 do art.º 607.º do CPC, porque não podemos esquecer os ensinamentos do Professor Alberto dos Reis “O princípio da livre apreciação das provas, adoptado no n.º 1 do art.º 635.º do CPC...

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