Acórdão nº 2110/15.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1 - Na fixação da indemnização pelo dano não patrimonial resultante de acidente de viação, o indispensável recurso à equidade, não impede, antes aconselha, que se considere, como termo de comparação, os valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.

2 - As indemnizações consequentes ao acidente de viação que seja simultaneamente sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis.

3 – Não há duplicação de indemnizações quando se pretende ressarcir no processo civil, não o dano consubstanciado na perda de rendimentos salariais decorrente do grau de incapacidade fixado ao sinistrado no processo de acidente de trabalho (compensado pela entrega do capital de remição), mas antes o dano biológico decorrente das sequelas das lesões sofridas, entendido como uma diminuição global das capacidades gerais do lesado.

*** Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A. O. deduziu ação declarativa contra Gabinete Português da Carta Verde pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 96.660,06, acrescida dos juros de mora à taxa legal, a contar da citação, até integral pagamento, quantia essa relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência de acidente de viação.

Contestou o réu, aceitando a versão do acidente, mas alegando já estar o autor completamente ressarcido dos prejuízos que sofreu em sede de acidente de trabalho.

Teve lugar a audiência de julgamento após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou o réu a pagar ao autor a quantia de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento.

O autor interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: 1º) O presente recurso tem por objeto reapreciar, por um lado, o insuficiente valor arbitrado na douta sentença a título de dano não patrimonial, e, por outro, a improcedência do pedido de indemnização por dano patrimonial; 2º) Tendo resultado provado que o Autor, em virtude do violento acidente automóvel de que foi vítima aos 43 anos, sujeitou-se a tratamentos dolorosos durante um período de tempo considerável (mais de um ano e meio e com períodos de incapacidade total e parcial significativos), a uma intervenção cirúrgica, padeceu e padece de um quantum doloris fixado em 4, ficou com um dano estético permanente de grau 1, ficou ainda com uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 1 e tornou-se uma pessoa mais fechada e desinteressada do convívio com familiares e amigos, entendemos que o montante a arbitrar para compensar estes danos patrimoniais deve ser fixado na quantia de 30.000,00 €, ficando a quantia de 10.000 € sentenciada na decisão recorrida muito aquém do justo valor; 3º) Não podemos concordar com o juízo do Tribunal a quo de que a indemnização arbitrada ao Autor no âmbito do processo laboral e a título de capital de remição o ressarciu devidamente ao nível dos danos patrimoniais decorrentes do sinistro civil e simultaneamente laboral de que foi vítima, inexistindo qualquer diferença de valor passível de ser atribuída; 4ª) Não temos dúvidas de que o montante alcançado pelo critério da indemnização civil é necessariamente mais elevado do que na indemnização laboral; 5ª) Acontece que o Tribunal a quo, na fórmula de cálculo utilizada e que funciona como auxiliar do juízo de equidade, não teve em consideração, e deveria ter tido, a IPP de 14,4% e, por outro lado, teve em consideração, e não devia ter tido, uma rentabilidade de 2% ao ano, quando a taxa da Euribor está, praticamente, negativa, e uma penalização pela antecipação do recebimento do capital, sem identificar a respetiva percentagem mas que não deve ultrapassar os 10 %; 6ª) Por aplicação desta fórmula de cálculo é alcançado o valor indemnizatório de 68.398,07 €, valor este muito superior ao arbitrado a título de remição no âmbito do processo laboral (que foi de 37.131,77 €), havendo sempre que ressarcir o Autor pela diferença, posto estas concretas indemnizações serem complementares.

De resto, 7º) O facto que resultou provado na sentença recorrida de que na sequência do acidente dos autos, o Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, é havido pela nossa jurisprudência como integrador de um dano patrimonial autónomo e independente daquele que é ressarcido ao nível da indemnização laboral: este dano corresponde ao dano biológico e tem por móbil indemnizar a lesão sofrida no bem saúde, posto afetar a integridade físico-psíquica do Autor de forma permanente, através de uma diminuição global das capacidades gerais do lesado.

  1. ) Significa isto que, em qualquer caso, sempre o Autor terá direito, nesta sede, ao recebimento de uma indemnização por danos patrimoniais decorrentes do acidente dos autos, tendo esta por limite, o valor peticionado no libelo inicial.

  2. ) Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outros, os arts. 483º, 496º nº 4 e 562º do CC.

Termos em que deve a sentença proferida substituída por acórdão que condene a Recorrida nos termos que se deixaram elencados nas conclusões da presente alegação.

Assim decidindo, Senhores Juízes Desembargadores, farão Vossas Excelências a devida JUSTIÇA.

O réu contra alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com o valor dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, bem como saber se os primeiros já foram integralmente indemnizados no processo por acidente de trabalho.

  1. FUNDAMENTAÇÃO Na sentença foram considerados os seguintes factos: 1.

    Factos Provados.

    1. No dia 20 de Junho de 2012, pelas 09 h e 45 m, o A. conduzia a sua viatura ligeira de passageiros com a matrícula BB pela Estrada Nacional n.º 202, no sentido Ponte de Lima - Viana, mais concretamente pela freguesia de ..., no concelho de Viana do Castelo, o que fazia pela sua hemi-faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.

    2. E a velocidade inferior a 50 Km/h.

    3. Naquela E.N. 202 entronca, no apontado sentido Ponte de Lima - Viana e na aludida freguesia de ..., a Rua 10 de Maio, que se localiza à esquerda, para quem circula no apontado sentido de marcha Ponte de Lima - Viana, e que se encontra abaixo 50 metros de distância do estabelecimento comercial denominado "...", que vende produtos provenientes da China e mercados asiáticos, sempre tomando como referência o apontado sentido de marcha Ponte de Lima - Viana.

    4. Rua essa pela qual o A. pretendia passar a circular com a sua viatura, após efectuar a competente manobra de mudança de direcção à esquerda.

    5. Para tal fim, o A., com a antecedência de cerca de 50 metros desse entroncamento existente à sua esquerda, accionou, na sua viatura, o sinal luminoso intermitente, designado por "pisca", reduziu a velocidade que à mesma imprimia e paulatinamente foi-se aproximando do eixo da via, para concretizar a pretendida mudança de direcção à sua esquerda.

    6. Todavia, naquele momento, em sentido de trânsito oposto ao seu, encontrava-se a circular uma outra viatura próxima daquele entroncamento, pelo que, ao chegar à intersecção do mesmo com a EN 202, o A. viu-se obrigado a imobilizar, como imobilizou, a sua viatura no eixo daquela EN 202, a aguardar a passagem do veículo que circulava em sentido contrário ao seu, para concretizar a mudança de direcção à sua esquerda.

    7. Nesse preciso momento, foi a viatura do A. frontal e violentamente embatida, na sua retaguarda, pela frente do veículo com a matrícula XX - propriedade de M. C. e por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT