Acórdão nº 491/17.0T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.

RELATÓRIO Os Autores, A. S. e M. C.

instauraram esta acção de condenação com processo comum declarativo contra os Réus, D. J. e M. F., alegando, em síntese, terem os Demandados, em 25/10/2014, outorgado, enquanto justificantes, escritura de justificação notarial, mediante a qual declararam serem donos e legítimos possuidores do prédio urbano sita na Rua …, freguesia de ..., concelho de B., com a área de 46,40 metros quadrados e um logradouro com a área de 94,89 m2, a confrontar do norte com Rua, do poente e do sul com Caminho e do nascente com A. S., inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia de ... sob o artigo 452º, mas não descrito na Conservatória de Registo Predial de B..

Relataram os Autores serem falsos os factos descritos na aludida escritura de justificação notarial outorgada pelos Réus, porquanto o prédio justificado não poderia confrontar a sul com Caminho e, mais importante do que isso, nunca os Demandados teriam estado, quer em seu nome ou em nome de quem quer que fosse, na posse e fruição do logradouro com a área de 94,89 m2 aí mencionado e ainda menos assim desde a data de 1976 como ali justificado, porquanto tal logradouro teria resultado de uma eira, a qual pertencia em compropriedade aos Autores, aos Réus, bem como a outros proprietários confinantes, designadamente, M. G., M. R. e N. A.

(1) Referiram ainda os Autores serem os próprios donos de um prédio sito na mesma Rua …, nº3, em ..., concelho de B., confinante com o prédio dos Réus, sendo aqueles ainda titulares de um outro prédio urbano, composto de garagem e armazém, situado no mesmo local, existindo, pois, o logradouro justificado pelos Demandados na escritura de justificação impugnada a norte e em frente dos preditos garagem e armazém dos Demandantes e dispondo de uma área total de cerca de 300 m2.

Salientaram também os Autores que tal logradouro sempre foi utilizado, quer pelos Autores, quer pelos Réus e restantes proprietários confinantes como um espaço comum, servindo primeiramente de eira de herdeiros e depois como logradouro ou rossio de todos os prédios aí situados, designadamente, a casa dos Demandantes, a casa dos Demandados, bem como os prédios de M. G., M. R. e N. A., inexistindo, pois, qualquer utilização exclusiva do dito espaço ou sequer de parte do mesmo por algum dos referidos comproprietários.

Esclareceram, neste contexto, os autores que tal logradouro sempre deu serventia aos referidos prédios dos aludidos comproprietários, não possuindo autonomia jurídica, nunca tendo tido, como tal, inscrição matricial por não representar uma realidade predial autónoma.

Alegaram ainda os Autores terem os Réus, em 2014, ocupado grande parte do logradouro com lenha e mandado construir um muro em blocos de cimento com vedação em arame ao longo da casa de habitação dos Demandantes numa extensão de cerca de 12 metros, o qual, posteriormente, demoliram por insistência dos Autores, tendo, no entanto, já em Abril de 2016, aproveitando-se da ausência destes no estrangeiro, ocupado novamente parte do predito logradouro com lenha e mandado construir pela segunda vez novo muro / parede em blocos de cimento com vedação em arame igual ao que havia sido demolido 2 anos antes numa extensão de 12 metros ao longo da casa dos Demandantes, mas deixando, desta feita, uma largura superior relativamente à casa destes.

Finalmente, referiram os Autores terem em novo diálogo com os Réus ocorrido em Novembro de 2016 tido conhecimento por estes em Novembro de 2016 de que os Demandados haviam outorgado a escritura de justificação ora impugnada, mais verificando em Março de 2017 que os Réus haviam procedido à remoção da lenha depositada no referido local e depositado vários tractores de terra, procedendo à construção, no predito logradouro, de uma parede / um muro de pedras soltas, querendo ainda vedar cerca de 100 m2 com a intenção de fazer uma horta.

Entendem, pois, os Autores não poderem os Réus adquirir o predito logradouro no que respeita à referida área de 94,89 m2, pois que tal logradouro pertence em compropriedade aos supra-referidos proprietários de prédios servidos por tal espaço, anteriormente utilizado como eira, sendo assim a escritura de justificação falsa quanto aos factos aí constantes e que se referem a tal logradouro.

Concluem o articulado peticionando que o Tribunal declare nula e de nenhum efeito a escritura de justificação notarial impugnada no que respeita à parte relativa área de 94,89 m2, declarando-se inexistente o direito justificado sobre a totalidade do prédio aí descrito, nomeadamente, no que respeita à aludida área de 94,89 m2, bem como cancelado o registo efectuado a favor dos Demandados na sequência de tal escritura no que respeita ao logradouro do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …/... e ainda que o Tribunal declare que tal logradouro com cerca de 300 m2 não constitui parte especificada de tal prédio, mas antes parte comum aos prédios pertencentes aos Autores, aos Réus e aos proprietários de prédios confinantes, M. G., M. R. e N. A., sendo, como tal, as obras levadas a cabo pelos Demandados em tal logradouro ilegítimas e ilegais. Mais pretendem os Autores que o Tribunal condene os Réus a proceder à demolição total e imediata dos muros e remoção da terra depositada no predito logradouro, repondo este na respectiva situação primitiva, isto é, livre e desocupado, bem como determine a extracção de certidão para instauração de procedimento criminal contra os Demandados e as testemunhas que outorgaram a escritura de justificação impugnada.

Regularmente citados, os Réus deduziram contestação, mediante a qual alegaram, em síntese, por impugnação motivada, ter o prédio que lhes pertence feito parte de um casario antigo com área exterior que o povo denominava de eira ou medeiros de palha, o qual pertencia aos avós do Demandado e Demandante, maridos, avós esses que se chamavam M. D. e A. B..

Mais alegaram os Réus que, por morte dos referidos avós comuns de Autor e Réu, maridos, ocorrida há cerca de 80 anos, tal casario e área exterior foi partilhado verbalmente pelas 5 filhas do aludido casal, M. P. (mãe do Demandado), Maria, F. M., Joaquina e A. M. (esta mãe do Demandante), tendo, nessa sequência, cada uma das referidas irmãs ficado titular de 1/5 do aludido casario e área exterior anexada, sendo a ideia de tal partilha verbal que cada uma das herdeiras tivesse o seu espaço de terreno anexado à casa para colocar palha, lenha e outros bens.

Referiram ainda os Réus que, nos 5/6 anos seguintes, as irmãs Maria e F. M. venderam verbalmente à irmã M. P., mãe do Réu, os seus 2/5, passando então esta a ocupar o seu 1/5, mais os 2/5 que havia adquirido a tais irmãs e, posteriormente, na sequência de autorização da irmã Joaquina, mais o 1/5 desta, ocupando, desta forma, a mãe do Demandado 4/5 da aludida área exterior, correspondente a 94,89 m2, desde há mais de 60/70 anos, o que fez até à sua morte ocorrida em 1976, sempre à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, de forma ininterrupta, na convicção de estar a exercer o direito de propriedade sobre tal área e de não prejudicar direitos de terceiros.

Esclareceram os Réus que, na sequência da morte da mãe do Demandado, este herdou a casa desta, bem como a aludida área exterior de 94,89 m2, a qual continuar a ocupar desde então nos mesmos moldes, razão pela qual aqueles adquiriram tal parcela de terreno por usucapião.

Referiram, finalmente, os Réus nunca terem os Autores contestado tal posse senão há cerca de 1 ou 2 anos, altura em que começaram a pressionar aqueles, porquanto pretendiam obter, para si, uma área mais ampla a fim de poderem manobrar o carro de forma mais fácil no aludido logradouro.

Entendem, pois, os Réus que, há mais de 20, 30, 40 anos, ambas as partes, Demandantes e Demandados, estão na posse de parcelas de terreno resultantes da divisão do prédio (casario e área exterior anexa) descrita, possuindo cada qual a respectiva parcela de terreno, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de exercerem o direito exclusivo e pleno de propriedade sobre a parte autonomizada e determinada que lhes coube do aludido logradouro comum e de não ofenderem direitos de terceiro, razão pela qual por usucapião os Demandados são titulares, não de todo o logradouro, mas da parte autonomizada deste com 94,89 m2, cuja aquisição justificaram na escritura de justificação impugnada, tendo, pois, direito de a vedar, bem como de aí colocar lenha ou quaisquer outros bens.

Concluem o respectivo articulado, pugnando pela respectiva absolvição, bem como pela condenação dos Autores como litigantes de má-fé em indemnização a favor dos Réus de valor não inferior a € 2.000,00.

Realizada a audiência prévia foi proferido despacho saneador e dispensando-se nesse âmbito a indicação do objecto do litígio e a selecção de temas de prova ao abrigo do disposto no artigo 597º alínea g) do CPC.

Foi realizado o julgamento, conforme resulta das respectivas actas.

Seguiu-se a sentença que terminou com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, julga o Tribunal a acção instaurada pelos Autores, A. S. e M. C., contra os Réus, D. J. e M. F., parcialmente procedente, por provada, e, em conformidade, decide: I.Declarar ineficaz e de nenhum efeito a Escritura de Justificação Notarial em que intervieram os Réus lavrada em 24/10/2014 no Cartório Notarial de B. do notário, J. G., escritura essa exarada de fls. 78 a fls. 80 do livro de notas para escrituras diversas nº … junta aos autos como Doc. nº1 da Petição Inicial.

  1. Declarar inexistente o direito justificado na escritura aludida em I) no que respeita à parcela de 94,89 m2 correspondente a logradouro aí mencionado.

  2. Determinar o cancelamento do registo efectuado sob o nº 457/... a favor dos Réus na referida Conservatória do Registo Predial de B. no que respeita ao aludido logradouro aí mencionado com a área de 94,89 m2 (e só nessa parte).

  3. Declarar a...

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