Acórdão nº 731/16.3T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Autor e Apelado: ANTÓNIO (…), solteiro, maior, com residência habitual na Praça (..), número …, em (…) Réus: 1ºs Réus, ambos ora. Apelantes: MANUEL (…) e mulher OLGA (…), ambos residentes habitualmente na Quinta (…), São (…), em Santa Marta de Penaguião 2ª Ré: SARA (…), com domicílio profissional na Avenida …, número …, (Banco …), na cidade de (…) autos de: (apelação em) ação declarativa constitutiva com forma comum I- Relatório Pede o Autor que seja declarada ineficaz, em relação ao autor, a compra e venda a que se refere o artigo 5.º da petição inicial e a que se reporta o documento número 1, tendo o autor direito à restituição do imóvel em causa, na medida do interesse dele autor, podendo executá-lo no património da segunda ré, e praticar sobre tal imóvel os atos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei (artigo 616.º, do CC).

Alega, para tanto e em súmula, que é credor dos primeiros réus, pela importância de 95.111,00 € proveniente de vários empréstimos, todos eles de valor não superior a 2.000,00 euros cada um, celebrados durante os anos de 2002 e 2003, bem como dos respetivos juros, estes à taxa legal, crédito este que se encontra titulado por uma letra de câmbio, aceite pelo primeiro réu marido. Os 1ºs réus declararam vender à 2.ª Ré um prédio misto, sito em …, da freguesia de …, concelho de Santa Marta, por valor inferior ao seu preço de mercado e que nunca foi pago. A 2.ª Ré é filha dos 1ºs. Réus. Esse prédio existia no património dos 1ºs. Réus quando se constituiu o crédito do Autor, que dele dispuseram após, voltando a adquiri-lo em 2011. Os primeiros réus têm também mais credores e resultou do ato em causa a impossibilidade para o Autor de obter a satisfação integral do seu crédito.

Os dois primeiros Réus contestaram, impugnando o invocado pelo Autor e deduzindo reconvenção, a qual foi rejeitada no saneador.

Invocam, em síntese, na sua contestação: Como resulta do disposto no artigo 610º do Código Civil, uma ação como a presente tem como pressuposto essencial a comprovada existência de um crédito do impugnante, a qual não se verifica, pois o crédito que o A. invoca ainda não está demonstrado; o A. não tem qualquer crédito sobre os Réus; apenas formalmente e não na realidade os 1ºs RR. compraram o prédio em questão; os 1ºs RR. apenas cederam à 2.ª R a sua posição no contrato de locação financeira; justificando-se a compra e venda para garantir o que já deviam à filha, 2.ª Ré.

Foi apresentada réplica e foi, após audiência final, proferida sentença, com a seguinte decisão: “1- Julgo a presente ação totalmente procedente por provada e, em consequência, declaro ineficaz, em relação ao autor, a compra e venda a que se reporta o documento número 1 anexo, e o artigo 5º da petição inicial, tendo o autor direito à restituição do imóvel em causa, na medida do interesse dele, autor, podendo executá-lo no património da segunda ré, e praticar sobre tal imóvel os atos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei.

2- Julgo improcedente o pedido de condenação por litigância de má-fé.

3- Condeno os réus no pagamento das custas da ação.

4- Registe e notifique.” Os 1ªs Réus recorreram da sentença, pugnando pela sua revogação e a sua absolvição com as seguintes conclusões: Quando à presente ação foi instaurada, o A. ainda não era titular reconhecido de qualquer crédito sobre os primeiros RR, o que devia ter obstado ao prosseguimento da ação, em virtude de esta não comportar o reconhecimento desse crédito.

Mesmo que assim não se entendesse, também a ação devia ser julgada improcedente por não ter sido formulado qualquer pedido e, por isso, também não ter sido proferida (na sentença) qualquer declaração correspondente (ser o A. titular de qualquer crédito sobre os 1ºsRR.).

Para o caso de assim não se entender: Conforme consignado no 2º parágrafo de págs. 13 da sentença recorrida, foram desconsiderados todos os restantes meios de prova (testemunhas e declarações de parte) e a decisão da matéria de facto foi apenas baseada na prova documental existente no processo.

Assim sendo e porque nenhum dos documentos juntos ao processo consta o que quer que seja relativamente ao consignado nos pontos 11, 13, 14, 16 (quanto ao Armando … ) e 18 dos factos provados, essa factualidade só podia ser dada como não provada.

  1. A mesma decisão se impunha quanto à matéria dos pontos 20 e 21 dos factos provados, relativamente a todos os RR. e a do ponto 19 em relação à 2.ª R., pois não existe qualquer documento no processo que possa constituir suporte probatório dessa factualidade, além de que devia da -se como provado o que consta do primeiro ponto dos factos não provados de pgs.9 já que isso mesmo resulta documentalmente provado pela respetiva escritura pública de compra e venda.

  2. Apesar dos documentos que lhe respeitam, não podia dar-se como provada a matéria dos pontos 1, 2 da Fundamentação de Facto da sentença recorrida.

    A matéria dos pontos 1 e 2, respeitante ao crédito do A. só poderia dar-se como provada com base na letra de câmbio e na declaração de fls. 258 junta pelos RR.

    Quanto à letra, porque valendo apenas como quirógrafo, seria necessária a prova da relação subjacente, assim como de todo o circunstancialismo da sua emissão, o que, de todo, nem dela própria, nem de qualquer outro documento, resulta provado.

    Além disso, uma vez que foi preenchida pelo A. como ele próprio reconheceu (v.min. 14.06) devia este ter alegado e provado o respectivo pacto de preenchimento.

    Por sua vez, a referida declaração apenas podia valer para a finalidade que determinou a sua junção que foi desacreditar as declarações do A., além de que os RR. referiram que noutro processo em que essa declaração foi junta, os RR. impugnaram a autoria da assinatura do 1ºR. marido.

    A restante matéria de facto indicada (13, 14, 20 e 21) essa é que, por dela nada constar em qualquer documento, forçosamente tinha de ser dada como não provada.

    E não provada que fosse essa factualidade, necessariamente que a ação tinha de ser julgada improcedente.

  3. Mesmo que assim não se entendesse e apesar da letra de câmbio, nunca se devia dar como provada a existência do crédito do A. sobre o R. marido pela manifesta inverosimilhança, contradições e imprecisões em que incorreu quanto aos alegados empréstimos, seus montantes e condições assim como quanto ao circunstancialismo de emissão da própria letra, a tudo isso certa- mente se tendo ficado a dever ter-se dado como não provado o correspondente à matéria por ele próprio alegada (três primeiros pontos dos factos não provados) além de não ter conseguido dar qualquer explicação aceitável para tão tardiamente (mais de um ano depois) ter junto a letra ao processo e quanto à declaração, nem sequer a ter referido apesar de já ambas estarem em seu poder.

  4. Assim sendo, tanto com base na não demonstração do crédito do A. bem como dos requisitos constantes da última parte da al.a) do art. 610º e ainda dos constantes do art. 612º, ambos do C. Civil, a ação só podia ser julgada improcedente, o que nos parece tão evidente e indiscutível que apenas uma justificação se descortina para assim não ter sido entendido e decidido que é o facto de a Mma Juiz recorrida ter tomado como certos outros factos não provados, tais como já anteriormente o réu ter usado cheques da filha, por isso ter sido referido na audiência de julgamento (v. parágrafo 3º de págs. 15 da sentença) e que o imóvel é, na realidade, dos primeiros réus ( v. 4º parágrafo de págs. 16) e por eles ter sido impressionada.

    Só que nenhum desses factos consta de qualquer documento (única espécie de prova considerada e tomada em conta) e em relação ao segundo a prova documental existente (escritura de venda à 2.ª R.) é precisamente em sentido contrário.

  5. Também para o caso de assim não se entender, a única prova relevante produzida em audiência (declarações de parte do A. e da 2.ª R.) impunha dar-se como não provada a matéria dos pontos 1, 2, 13, 14, 19, 20 e 21 (este último em relação à 2.ª R.) dos factos provados e dar-se como provada toda a factualidade dada como não provada, à exceção dos últimos dois pontos de págs. 9.

  6. Quanto à matéria dos pontos 1 e 2 respeitante ao crédito do A., mesmo só pelo que já se expôs quanto à letra e à declaração de fls. 258 se justificava e impunha que, pelo menos com base na dúvida (a valorar contra a parte de quem aproveita, no caso, o A.) fosse dada como não provada.

  7. O mesmo ainda mais se justificava pelas divergências e contradições entre o alegado na p.i. e o declarado pelo A. em audiência, em relação a factos essenciais, tais como os montantes dos alegados empréstimos (v. min. 11.40 e 12.02) ao tempo em que os mesmos teriam ocorrido (v.min. 10) e quanto às declarações de dívida e não dívida alegadamente assinadas pelo 1º R. (v.min. 15.30).

    Tanto que, certamente devido a todas essas inverosimilhanças, imprecisões e contradições, é que se deu como não provada a correspondente factualidade (os três primeiros pontos dos factos não provados), tudo justificando que, tanto pelas regras dos ónus da prova, como pelas regras da experiência comum, não restasse à Mma Juiz recorrida outra alternativa senão dar como não provada a existência do crédito do A., tanto bastando para a ação ser julgada improcedente.

  8. Também a matéria dos pontos 13, 14, 20 e 21 devia ter sido dada como não provada, desde logo por implicação da não demonstração do crédito do A..

    Além disso, também com base nas declarações de parte prestadas pela 2.ª Ré que, tanto pela sua coerência intrínseca, como pela forma espontânea, clara e segura com que foram prestadas, deviam ter merecido total credibilidade. Ora, quanto à matéria dos artigos 20 e 21, a 2.ª R. foi perentória na sua negação, justificando de forma completa, circunstanciada e em perfeita consonância com as regras da experiência comum a celebração do ato impugna- do (v.mins.3.20, 4.45, 5.30 , 13.43, 14.14 e 15.48) sendo particularmente...

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