Acórdão nº 216/14.2TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A. F.

intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra Companhia de Seguros X, S.A.

e Companhia de Seguros Y, S.A.

, que passaram por um processo de fusão e alteração de denominação, sendo actualmente designadas unitariamente por Seguradoras K, S.A.

, pedindo a condenação solidária das RR. a pagarem-lhe: a) a quantia de € 250.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos até à data da propositura da acção, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento; b) os danos morais que entretanto venha a sofrer no futuro em virtude dos tratamentos a que será sujeita; c) a quantia correspondente ao dano patrimonial futuro relativo à incapacidade para o trabalho, que estima em valor nunca inferior a € 383.000,00; d) a quantia nunca inferior a € 20.000,00, correspondente ao seguro de acompanhantes; e) as despesas com terceira pessoa devido ao auxílio prestado à A. até à data da propositura da acção, no montante de € 5.500,00; f) as despesas com as cirurgias que venham a ser necessárias para corrigir as dificuldades na marcha e cirurgias plásticas ou de reconstituição; g) as despesas com as sessões de fisioterapia, psicologia e psiquiatria que a Autora venha a necessitar, bem como as despesas inerentes às deslocações; h) os custos de aquisição com calçado ortopédico que venha a ser necessário para corrigir a marcha e atenuar a dor da Autora; i) o custo anual das canadianas que a Autora venha a necessitar; j) as despesas com a cobrança a liquidar em ampliação do pedido ou em execução de sentença; k) tudo acrescido de juros, à taxa legal em vigor, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese, que no dia 7 de Agosto de 2011, pela 1h30m, quando era transportada no motociclo de matrícula HF, conduzido por J. T., com seguro na 2ª Ré, circulando na Rua de …, Guimarães, no sentido Selho S. Cristóvão – S. Tiago de Candoso, na sua faixa de rodagem a cerca de 70 cm da linha divisória da estrada, a velocidade inferior a 50 km/hora, este foi embatido pelo veículo ligeiro de passageiros Renault Megane, com a matrícula LI, conduzido por B. C., segurado na 1ª Ré.

Após descrever o acidente, as características e condições da via, bem como o local onde o mesmo ocorreu, alega que o acidente ficou a dever-se à conduta culposa e imprudente do condutor do veículo LI, que circulava em excesso de velocidade, não tendo conseguido controlar o veículo e assim evitar invadir a faixa de rodagem contrária o que provocou o embate.

Refere, ainda, que em consequência do acidente, a A. sofreu várias lesões que descreve na petição inicial, tendo ficado em coma induzido durante 9 dias, recebeu oito transfusões de sangue e durante as 48 horas após o internamento correu risco de vida. Em face do seu estado clínico, correu risco de amputação da perna esquerda. Teve dores de grau 7 numa escala de 1 a 7, foi submetida a várias cirurgias e tratamentos dolorosos que especifica, tendo necessitado do apoio e auxílio de terceira pessoa para as actividades do dia a dia. Em virtude disso, contratou a tia para a auxiliar, tendo sido acordado o valor mensal de € 550, que seria pago quando fosse ressarcida pelas Rés.

Durante o período de internamento, a A. desenvolveu um quadro depressivo, com grande ansiedade e temor pelo futuro, ao saber que teria de enfrentar um tempo prolongado de tratamentos e que iria ficar com sequelas graves e irreversíveis, pelo que teve de ser acompanhada por um médico psiquiatra.

Devido aos tratamentos e depressões associadas, a A. começou a perder cabelo, pelo que teve de ser acompanhada por um médico dermatologista e por um psiquiatra que a medicou. Durante o tempo a que foi sujeita a tratamentos, a A. viveu um quadro depressivo com momentos de pouca lucidez, em que tentou o suicídio; fazia quatro horas diárias de exercício no âmbito da fisioterapia; vai ter de se locomover com a ajuda de canadianas para o resto da vida; ficou com cicatrizes no membro inferior esquerdo correspondentes a dano estético de grau 6 numa escala de 1 a 7, tendo deixado de poder fazer grandes esforços na marcha e corrida. Transformou-se numa pessoa triste, sisuda, com tendência para o isolamento, impaciente, com o sistema nervoso alterado e revoltada com a vida; aumentou de peso cerca de 13 kg que não consegue perder; devido às lesões sofridas na bacia não poderá ter filhos de parto natural, o que é limitador do número de filhos que poderia pretender ter caso não ocorresse o acidente.

À data do acidente, a A. tinha 21 anos de idade, desempenhava funções de auxiliar de acção educativa, auferindo em média a quantia mensal de € 639,68 e em consequência do acidente não poderá voltar a exercer a sua actividade profissional; a sua situação clínica ainda não se encontra estabilizada, mas em face das sequelas que apresenta estima em 40 a 60% a capacidade residual para outros trabalhos.

Como a situação clínica da A. não se encontra consolidada, necessitará de consultas periódicas de psiquiatria, psicologia clínica, ortopedia e fisioterapia, bem como apoio medicamentoso, apoio permanente de canadianas, calçado ortopédico para corrigir a marcha e poderá ter de se submeter a novas cirurgias devido à intolerância ao material de osteossíntese do fémur e da tíbia, existindo a probabilidade de os danos corporais se agravarem consideravelmente com o decurso do tempo.

Acrescenta que celebrou um acordo com a 2ª Ré no sentido desta lhe atribuir uma indemnização provisória mensal, para fazer face às despesas indispensáveis da sua vida, razão pela qual, desde o dia do acidente, a A. tem estado a receber da 2ª Ré a quantia média mensal de € 576,91, durante 12 meses por ano, acrescida de despesas de natureza diversa que tem apresentado à Ré, devendo tais quantias ser descontadas no valor final a pagar pela 2ª Ré a título de dano patrimonial decorrente da perda salarial.

A Ré Companhia de Seguros X contestou, argumentando que a A. tem falta de interesse em agir judicialmente contra a Ré e que actua em abuso de direito pois, na fase extrajudicial, aceitou ser indemnizada pela Ré Y, que lhe vem pagando uma quantia mensal a título de adiantamento da indemnização, acrescida do reembolso de despesas decorrentes do acidente, e que actua de forma contraditória ao pretender ser compensada por outra entidade.

No que concerne ao acidente, alegou que o condutor do veículo LI fazia-o progredir na sua metade direita da faixa de rodagem, o mais cingido possível ao muro em pedra situado na extremidade direita da estrada, atento o seu sentido de marcha, a uma velocidade que não excedia 50 km/hora, avistando depois de percorrer cerca de 60 metros de uma recta com cerca de 130 metros de extensão, a luz do motociclo HF a surgir da curva à esquerda de que se aproximava, cujo condutor, por conduzir com uma taxa de alcoolémia superior a 1,58 g/l e a velocidade superior a 90 km/hora, não conseguiu descrevê-la de forma a manter o motociclo o mais próximo possível da berma, alargando a sua trajectória para a esquerda e depois ligeiramente obliquada em relação ao eixo da via, tendo invadido a metade esquerda da estrada quando estavam prestes a cruzar-se, local onde o embate veio a dar-se na roda dianteira esquerda do LI, tendo o motociclo, de seguida, colidido com a porta lateral esquerda do veículo automóvel.

Mais alega que o acidente ficou a dever-se à conduta do condutor do HF, impugnando os factos alegados na petição inicial, nomeadamente, quanto à dinâmica do acidente, aos danos que a A. alega ter sofrido e aos montantes indemnizatórios por ela peticionados.

Conclui, pugnando pela procedência da excepção de falta de interesse em agir da A. ao demandar a Ré contestante e sua consequente absolvição da instância e da excepção de abuso de direito da A. ao reclamar da Ré o pagamento de indemnização decorrente do acidente em causa, com a sua absolvição do pedido, ou pela improcedência da acção, com as legais consequências.

A Ré Y Seguros, S.A.

, anteriormente denominada Companhia de Seguros Y, também apresentou contestação, alegando que assumiu a responsabilidade pelos danos resultantes do acidente, por entender que a produção do mesmo era imputável ao condutor do veículo nela seguro, tendo acompanhado clinicamente a Autora.

No entanto, argumenta que, à data do acidente, a A. e o condutor do motociclo eram namorados e momentos antes do sinistro tinham ambos estado num convívio, onde aquele ingeriu diversas bebidas alcoólicas na presença da sua namorada, pelo que esta sabia, ou pelo menos não podia ignorar, que o J. T. apresentava necessariamente perturbações nas suas faculdades físico-psíquicas e alterações na sua capacidade neuro-motora, traduzidas numa diminuição de reflexos, da atenção e da acuidade visual, detectáveis por qualquer pessoa e, em concreto, pela Autora devido ao conhecimento que dele tinha, tendo aquela aceitado colocar-se numa situação de perigo ao aceitar viajar num motociclo conduzido por ele.

Em face disso, entende que o montante indemnizatório a atribuir à A. terá de ser reduzido, considerando que o pedido formulado pela A. a título de dano futuro é prematuro uma vez que aquela não teve ainda alta clínica, para além de que não existe justificação clínica para a necessidade do auxílio de terceira pessoa. Impugna, também, os valores peticionados pela A. por os considerar exagerados.

Termina, pugnando pela improcedência da acção com a sua absolvição do pedido.

Por despacho de fls. 275 a 279, foi a A. convidada a apresentar novo articulado “que supra as ambiguidades e deficiências anteriormente apontadas” e a pronunciar-se sobre as excepções deduzidas pela Ré X.

A A. correspondeu ao convite, tendo apresentado a fls. 283 a 295 o articulado de aperfeiçoamento da petição inicial e a resposta às aludidas...

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