Acórdão nº 1985/17.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Sumário: 1.

Para cumprir os seus deveres enquanto intermediário financeiro, nomeadamente os deveres de informação e de boa-fé, a instituição de crédito, por via do seu funcionário que contacta com os clientes e lhes apresenta os produtos financeiros, deve transmitir ao cliente qual a possibilidade de este vir a perder parte ou todo o capital que aplicou no produto.

  1. As características essenciais do produto devem ser transmitidas ao cliente, e o grau de detalhe deve variar na proporção inversa dos conhecimentos especializados deste sobre produtos financeiros.

  2. Mesmo que o risco de perda do capital fosse visto pela instituição de crédito como muito reduzido, ainda assim essa possibilidade deve ser sempre comunicada ao cliente.

    I- Relatório X – Comércio Serviços e Gestão, SA, pessoa colectiva nº …, com sede na rua …, freguesia de …, Guimarães, propôs acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra Banco ..., SA, pessoa colectiva …, com sucursal na Avenida … Braga, peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00, a título de reembolso do capital investido em obrigações “Y 2006” e competentes juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor até efectivo e integral pagamento ou, se assim não for entendido, seja declarado nulo qualquer contrato de adesão que traduza a aplicação pela autora da referida quantia, declarado ineficaz em relação à autora qualquer aplicação financeira relativa a tal quantia que a Ré tenha efectuado, condenando-se esta a restituir os € 100.000,00 e juros vencidos e não pagos, acrescido de juros vincendos, desde a data da citação e até integral pagamento.

    Alegou em síntese que no dia 12 de Dezembro de 2007, por sugestão da sua gestora de conta, subscreveu obrigações “Y 2006”, apresentadas como um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo, com melhores taxas de juro, investindo a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) na sequência da garantia dada pela gestora de que o retorno daquele valor era garantido, podendo proceder-se ao seu resgate a todo o tempo. Invocou, ainda, que só quando surgiram as notícias sobre a nacionalização do Banco... foi informada das reais características da aplicação financeira, sendo que a Ré jamais lhe entregou qualquer documento a titular a subscrição em causa, acrescentando que esta em tempo algum lhe leu, explicou ou entregou qualquer contrato relativo às obrigações “Y 2006”. Refere ter tentado resgatar o capital investido nas datas de vencimento destas obrigações, sem sucesso até à presente data. Por fim, alegou que se lhe tivesse sido explicada a natureza e o risco das obrigações em causa, nunca as teria subscrito.

    O Réu contestou, invocando as excepções da incompetência territorial e da prescrição do direito que a A. pretende fazer valer na presente acção. No mais, alegou, em síntese, a ausência de risco das obrigações subordinadas à data da sua subscrição, a inexistência de qualquer dever de advertência para com o investidor da possibilidade de insolvência da entidade emissora das obrigações, a imprevisibilidade da nacionalização parcelar do grupo a que pertencia o Banco ... e consequente alteração das circunstâncias que presidiram à prestação da informação à A. na data da subscrição. Por fim, invocou que o Banco ... nunca assumiu a obrigação da devolução do capital investido, tendo apresentado o produto financeiro como sido emitido pela Y SGPS, SA, a quem competia a entrega do capital e dos juros, não havendo a registar a violação de qualquer dever legal de informação relativamente à A. Concluiu pela procedência das excepções invocadas e, caso assim não se entendesse, pela improcedência da acção.

    Na audiência prévia, foi proferido despacho saneador, tendo-se relegado para decisão final o conhecimento da prescrição do direito que a A. pretende fazer valer na presente acção. Identificou-se, ainda, o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

    Teve ligar a audiência de julgamento, e a final foi proferida sentença que julgou a acção procedente e consequentemente condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de € 100.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data de 09 de Maio de 2016 e até efectivo e integral pagamento.

    Inconformado com esta decisão, o réu dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (arts. 627º,1, 629º,1, 631º,1, 638º,1,7, 644º,1,a, 645º,1,a e 647º,1, todos do CPC, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1.

    A decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C.

  3. O Recorrente entende que não poderiam ter sido dados como provados os factos constantes do ponto 4, na parte “em que o reembolso do capital investido poderia ocorrer em qualquer altura”; ponto 5; ponto 6, na parte “e da possibilidade de reembolso do capital investido a qualquer momento”; pontos 8; 9; 10; 11 e 13.

  4. Por outro lado, entende o Recorrente que os factos dados como não provados, nos pontos 18, 19, 20, 21, 22 e 23 foram perfeitamente demonstrados em sede de audiência de discussão e julgamento e deveriam ter sido dados como provados.

  5. Acresce ainda, no que diz respeito ao ponto 25 dos factos não provados, que tal facto deveria ser eliminado deste elenco de factos não provados.

  6. O Tribunal a quo condenou o Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter dito ao Autor que a aplicação financeira tinha “garantia de capital e juros” no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa.

  7. O uso dessa expressão apenas pode ser visto como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.

  8. É utópico pretender ver nessa singela referência qualquer espécie de garantia absoluta do investimento, até porque essa garantia não existe.

  9. Mesmo que se compare o investimento efectuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo – essa garantia não existe, sobretudo até considerando que uma hipótese de insolvência da instituição bancária sempre redundaria na cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos que, à data do investimento se cifrava em apenas 25.000,00 euros, o que seria fraco consolo para ressarcir uma perda de investimento de 100.000,00 euros.

  10. O Tribunal a quo parece considerar que a aplicação financeira era afinal um “produto de risco”, pelo facto do Autor não ter recebido o capital investido no final do prazo.

  11. Porém esse raciocínio é uma falácia, pois confunde a causa com a consequência. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco.

  12. Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.

  13. As obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu, detendo-o até a 100%.

  14. O investimento efectuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.

  15. Pelo que o investimento efectuado era então adequado a alguém como o Recorrente.

  16. A sentença recorrida merece censura por tratar indistintamente os deveres que incidem sobre o intermediário financeiro, sem cuidar de perceber o momento ou o negocio a que dizem respeito e em função do qual devem ser cumpridos.

  17. Os deveres de informação podem ser categorizados segundo o momento em que devem ser cumpridos (informação pré-contratual ou informação contratual) ou também segundo a estrutura própria dos negócios de intermediação financeira.

  18. Trata-se, em suma, de sistematizar os deveres de informação, consoante se referem: i) ao negócio de cobertura – a saber, o contrato de intermediação propriamente dito celebrado entre o intermediário financeiro e o cliente –; ii) ao negócio de execução – a saber, os contratos que o intermediário celebra com terceiros com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo negócio de cobertura, ou até mesmo os contratos celebrados entre o cliente e o terceiro, com intermediação do intermediário –; iii) ao instrumento financeiro propriamente dito.

  19. Esta segmentação do dever de informação pode ser claramente vista no corpo do nº 1 do art. 312º do CdVM, donde resulta que os deveres de informação aí previstos dizem respeito ao negócio de cobertura, com excepção da alínea d) do referido nº 1 que se refere aos instrumentos financeiros propriamente ditos.

  20. Os arts. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução.

  21. O art. 312º do CdVM serve como verdadeiro índice programático dos deveres de informação que são aí genericamente afirmados, para depois serem densificados nos preceitos seguintes. Por isso, não tem qualquer cabimento a alegação do Recorrente de que o Recorrido violou as disposições vertidas no art. 312º nº 1 alíneas d) e e). A afirmação desses deveres não assume qualquer autonomia, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.

  22. A menção do art. 312º nº 1 alínea e) quanto aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira, enquanto negócio de cobertura e não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si. Por isso o art. 312º nº 1 alínea e) em nada se relaciona com...

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