Acórdão nº 8250/15.9T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório (…) interpuseram a presente acção com processo comum contra (..) Alegaram, para o efeito, a aquisição, por contrato de compra e venda, pela primeira autora e por seu então marido, já falecido, (…) (de quem as AA. (..) são filhas), de duas fracções autónomas, destinadas uma a comércio e outra a garagem.

Os RR., por sua vez, são proprietários de outras duas fracções autónomas adjacentes àquelas e ocupam parte da fracção das AA. destinada a comércio e ainda a totalidade da fracção destinada a garagem.

Mais referem que tal ocupação ocorre através do prolongamento das paredes delimitativas das fracções dos RR..

Invocaram que são proprietários das referidas fracções, em toda a área das mesmas, por usucapião.

Pediram que os AA. que sejam declarados proprietários dessas fracções e a condenação dos RR. a reconhecê-lo e a absterem-se de aí praticarem qualquer acto perturbador desse direito, assim como a sua condenação numa indemnização a seu favor.

Mais pediram que os RR. sejam condenados a pagar-lhes a quantia necessária à demolição das paredes existentes e à reconstrução das mesmas em conformidade com as áreas constantes do título constitutivo da propriedade horizontal.

E por último, reclamaram a condenação dos RR. a pagar-lhes indemnização por força da privação do uso das aludidas fracções.

Contestaram os RR., alegando, a título de excepção, que são proprietários das áreas reivindicadas pelos AA., sendo que adquiriram as suas fracções no exacto estado em que as mesmas actualmente se encontram.

Mais referem que vêm praticando actos de posse sobre as referidas áreas, sendo delas proprietários, em toda a área delimitada pelas respectivas paredes, por via de usucapião.

Invocaram ainda a excepção de abuso de direito, dando conta que as paredes das aludidas fracções foram construídas no local onde se encontram a pedido dos AA..

Alegaram ainda a excepção de prescrição referente ao pedido indemnizatório formulado.

Pugnaram, assim, pela improcedência total da acção.

Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tendo sido indicado o objecto do processo e organizados os temas da prova.

Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor: Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: - declaro e condeno os RR. a reconhecer que os AA. são proprietários, em comum, das fracções “(…) , descritas na Conservatória de Registo Predial de ... sob os nºs(..) , com as áreas, respectivamente, de 138 m2 e 41 m2; - condeno os RR. a absterem-se da prática de qualquer acto perturbador do direito de propriedade dos AA. sobre as referidas fracções(…) ”, na totalidade das mencionadas áreas de 138 m2 e 41 m2, respectivamente; e - condeno os RR. a destruir e a reconstruir as paredes das fracções (…) descritas na Conservatória de Registo Predial de ... sob os nºs .../... – K e .../... – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fracção “Q” e dos 48 m2 da fracção “J”, sendo que tal reconstrução situar-se-á no local a apurar em sede de incidente ulterior de liquidação.

Mais absolvo os RR. do demais peticionado pelos AA..” Foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação que julgou procedente o recurso principal deduzido pelos RR. e revogou a decisão recorrida, absolvendo os RR. dos pedidos contra si formulados e julgou prejudicado o recurso subordinado interposto pelos AA..

Os AA. interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que proferiu acórdão, revogando o acórdão recorrido, com o seguinte dispositivo: Face ao exposto, acorda-se em revogar o acórdão recorrido e, em sua substituição, julga-se a ação parcialmente procedente, de modo que: a) Se reconhece aos AA. a qualidade de proprietários das frações “J” e “Q”, com os limites que resultam do título constitutivo da propriedade horizontal; b) Condenam-se os RR. a absterem-se de praticar qualquer ato perturbador desse direito de propriedade, na parte respeitante às áreas que integram as frações “J” e “Q” e a devolverem essas áreas aos AA.; c) Determina-se a remessa dos autos à Relação a fim de ser apreciada a apelação interposta pelos RR. na parte relativa ao pedido dos AA. de condenação dos RR. na demolição e reconstrução de paredes decretado pela 1ª instância; d) Será ainda apreciada pela Relação a questão que AA. suscitaram no recurso de apelação subordinado relacionada com o pedido de condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização pela privação do uso.

Custas da revista a cargo dos RR., na proporção de 50%, tendo em conta o decidido nas als. a) e b). No mais, as custas ficarão a cargo da parte vencida a final.” Considerando que parte das questões suscitadas pelos RR. no recurso de apelação que interpuseram já se mostra apreciada pelo acórdão do STJ que revogou o acórdão deste Tribunal da Relação, apenas se procederá à transcrição das conclusões das alegações que tenham interesse para as questões que cumpre ainda conhecer e que ficaram prejudicadas na decisão do Tribunal da Relação pela decisão dada a outras. Assim, no que releva para o conhecimentos das questões que importa ainda decidir, os RR. concluíram as suas alegações do seguinte modo: QUANTO À OBRIGAÇÃO REAL 11.ª Caso se entenda que as paredes que dividem as fracções contíguas “J” e “K”, bem como a parede que deve dividir toda a área que está integrando a fracção “R” por forma a fazer a fracção “S” (1), devem ser erguidas em conformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal, e que isso constitui obrigação real, a impender sobre o proprietário ao tempo da realização da obra, então e por se tratar, no que respeita a erguer as paredes novas, de fazer paredes divisórias, deve essa obra ser feita “a meias” entre autores e réus, porque a parede deve ficar, em metade, em cima da fracção dos autores e, noutra metade, em cima da fracção dos réus.

12.ª Pelos mesmos motivos e no que respeita à demolição da parede que hoje divide as fracções “J” e “K”, por ela estar, de acordo com a sentença recorrida, dentro da área da fracção “J”, dos autores, devem ser estes a fazer esse trabalho, se se considerar que essa é uma obrigação real.

POR FIM, 13.ª A decisão recorrida violou ou não fez a melhor interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2.º e 7.º, do Código do Registo Predial, artigo 1422.º-A, n.º 1, do artigo 1259.º, artigo 1264.º e n.º 1 do artigo 1268.º, alínea a), do artigo 1294.º, artigo 1251.º, n.º 1, do artigo 1259.º, n.os 1 e 2, do artigo 1260.º, n.º 1, do artigo 1261.º e artigo 1262.º, todos do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve ser revogada a decisão recorrida, que deve ser substituída por deliberação que: .

  1. Julgue improcedente a ação; e, subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, o que não se concebe nem concede; .

  2. Julgue procedente a exceção invocada pelos recorrentes, reconhecendo e declarando que a mesma impede o direito dos autores: 2.1.no que respeita à área da fracção autónoma “Q” por usucapião ou destinação objectiva ab initio à fracção autónoma “R”; .2.2. no que respeita à área de 48 m2 que possa, em face do título constitutivo da propriedade horizontal integrar a fracção autónoma “J” por usucapião ou destinação objectiva ab initio à fracção autónoma “K”.

subsidiariamente, para o caso de assim se não entender, o que não se concebe nem concede, se 3. Condene autores e réus a erguer a divisão das fracções autónomas “J” e “K”, por um lado, e “Q” e “R”, por outro lado, em partes iguais.

Os AA. contra-alegaram, tendo apresentado as seguintes conclusões (a propósito da demolição e construção das paredes): 36) Esteve também muito bem o Tribunal de 1ª Instância, em condenar os RR. a desocupar e a restituir-lhes a totalidade da fracção “Q” e os mencionados 48m2 da fracção “J”.

37) Esteve também muito bem o Tribunal de 1ª Instância, em condenar os RR. A pagar aos AA. as despesas necessárias à demolição das paredes divisórias actualmente existentes e à reconstrução das mesmas em observância das áreas constantes do registo e do título constitutivo da propriedade horizontal, a liquidar em incidente ulterior.

38) Resultou provado que as paredes da fracção “K” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontram incluídos 48 m2 da área atribuída à fracção “J”. Assim, a área ocupada pela fracção “J” é de 97 m2 e a ocupada pela fracção “K” é de 192 m2.

39) Resultou provado que as paredes da fracção “R” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontra abrangida a totalidade dos 41 m2 atribuídos à fracção “Q”.

40) A área ocupada pela fracção “R” é de 82 m2 e a ocupada pela fracção “Q” é de 0 m2.

41) Impõe-se fazer coincidir a situação material das fracções em causa com o estatuto real que lhes molda o objecto.

42) Cumpre colocar as paredes das fracções nos locais devidos, de forma a que as áreas das fracções respeitantes às lojas e às garagens, pertencentes a AA. e RR., coincidam com as aludidas no título constitutivo da propriedade horizontal.

43) Tal operação emerge, tão-somente, da obrigação de fazer coincidir a situação material da coisa com o estatuto do direito real que lhe molda o objecto.

44) Esta obrigação consubstancia uma obrigação real (também denominada “ab rem” ou “propter rem”).

45) O direito real de propriedade não é apenas fonte de direitos ou poderes, como se diz no art. 1305º do CC, mas também de deveres.

46) Por força de lei, em especial do direito público, o proprietário está obrigado a actuar, a agir, a um “facere”.

47) Em caso de transmissão do direito real de cujo estatuto a obrigação emerge, esta passa a vincular o sub-adquirente, o que significa que, juntamente com o “jus in re”, se operou igualmente a transmissão da dívida.

48) Recai sobre os RR., enquanto titulares actuais do direito real de propriedade das fracções “K”...

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