Acórdão nº 2468/18.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | JOSÉ AMARAL |
Data da Resolução | 23 de Maio de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Na 2ª Conservatória do Registo Predial de (..) foi instaurado processo de rectificação de registo – artº 120º e sgs do respectivo Código – visando o cancelamento, efectuado mediante averbamento pelas AP´s (…) de 12-01-2018, do cancelamento das hipotecas que se encontravam registadas sobre os prédios (…) pelas AP´s(…) , ambas com averbamento de transmissão pela(…) , a favor da credora (…) Tal processo (de rectificação) foi promovido por iniciativa oficiosa do respectivo Conservador na sequência de auto de notícia e também de pedido por requerimento ali apresentado por aquela referida interessada. [1] Cumulados os dois procedimentos, ouvidos os interessados e instruídos os autos, aquele proferiu, em 15-03-2018, decisão de indeferimento da rectificação. [2] Pela aludida sociedade ...
foi deduzida impugnação judicial de tal decisão para o Tribunal de Braga, nos termos do artº 131º, do Código de Registo Predial (CRP). [3] Uma vez tramitada tal impugnação foram remetidos os autos a Juízo.
Tendo deles sido dada Vista ao Ministério Público, pronunciou-se este no sentido de que não assiste razão à impugnante e deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão de cancelamento das hipotecas e o indeferimento do pedido de rectificação.
Em 02-11-2018, pelo Mº Juiz respectivo, foi proferida sentença que julgou improcedente tal impugnação.
[4] Então, a interessada impugnante ...
, inconformada, interpôs recurso do assim decidido, para esta Relação, pedindo a revogação dessa sentença e sua substituição por outra que determine o cancelamento do registo de cancelamento das hipotecas, tendo alegado (fls. 500 a 515) e concluído nos seguintes termos: “1ª – A matéria de facto que foi relacionada sob os pontos de facto provados, designadamente em 4 e 5, encontra-se erradamente julgada, erro que se traduz erradamente apreciada a prova documental junta aos autos.
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– Assim, em face da prova documental produzida, impõe-se alterar a matéria dos FACTOS PROVADOS, designadamente o ponto 4, passando o mesmo a ter a seguinte redação: “4. À data da cessão de crédito da cedente – ...
– Sociedade Imobiliária, S.A.” - já se encontrava em liquidação. Por requerimento entregue junto ao processo de insolvência, pela requerente do pedido de retificação, a referida ...
– TOURIST APARTMENTS, LDA, veio esclarecer que o crédito cedido pela … à ora credora (...
TOURIST APARTMENTS, LDA) foi apenas e tão só o crédito no valor de 1.873.454,73, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos.
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- Também em face da prova documental produzida, impõe-se alterar a matéria dos FACTOS PROVADOS, designadamente o ponto 5, passando o mesmo a ter a seguinte redação: “5. A sociedade ...
– TOURIST APARTMENTS, LDA habilitou-se no processo de insolvência, no que foi aceite, por decisão de 30 de novembro de 2015, pelo valor de 1.873.454,73, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos”.
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- Sobre os prédios objeto do título dado a registo incidiam duas hipotecas, as quais se encontravam integralmente em vigor à data do pedido de registo do cancelamento das mesmas.
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– Do título dado a registo consta como vendedora a ...
, declarada insolvente por decisão transitada em julgado.
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– Do mesmo título não consta a intervenção da Massa Insolvente da ...
, designadamente do seu legal representante, o Administrador de Insolvência.
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– Não existe registo da apreensão dos prédios em causa à ordem da Massa Insolvente, nos termos do artigo 152º do CIRE.
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- Da realidade formal do título dado a registo constata-se que é o devedor ...
, declarado Insolvente, quem vende, ele próprio e não a Massa Insolvente, os prédios em causa.
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- Só os bens apreendidos num processo de insolvência é que são vendidos pela Massa Insolvente, livres de ónus e encargos, nos termos do artigo 824º n.º 2 do C.C.
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– O regime previsto nos artigos 101º n.º 5 do C.R.P. e 824º n.º 2 do C.C. estão pensados e definidos para as vendas coercivas, quer no processo executivo, quer no processo de insolvência.
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- Nos termos do artigo 36º al. g) do CIRE, a declaração de insolvência determina a apreensão dos bens do devedor à ordem de uma entidade jurídica distinta e autónoma dele: a Massa Insolvente.
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- O significado e objetivo da apreensão é precisamente o de prevenir a possibilidade de disposição de bens pelo devedor.
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- A venda efetuada pela Insolvente ...
não pode nunca seguir as regras dos artigos 101º n.º 5 do C.R.P. e artigo 824º n.º 2 do C.C.
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- Encontrando-se a sociedade vendedora insolvente, e tratando-se o negócio jurídico em causa de valor superior a € 10.000,00 (dez mil euros), a Conservatória não podia ignorar que seria obrigatória a intervenção ou autorização do administrador de insolvência, nos termos do artigo 161º n.º 3 al. g) do CIRE.
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– A venda em causa violou o Plano de insolvência aprovado, uma vez que ficou expressamente estipulado que: “1. Pagamento pelo produto resultante da venda de cada uma das frações (leia-se, prédios) de acordo com o mapa de distrate/avaliação. 2.
Do crédito resultante de capital e juros vencidos e vincendos que se encontrem em dívida, será pago 100% no prazo de cinco anos após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano”. (o sublinhado e realce são nossos). 3.
Mantêm- se em vigor todas as garantias reais anteriormente constituídas”.
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– O cancelamento das hipotecas em causa viola o disposto dos artigos 101º n.º 5 do C.R.P., 824º n.º 2 e 692º ambos do C.C., 36º al. g), 152º, 161º n.º 3 al. g), todos do CIRE.
Termos em que se requer que o presente recurso seja declarado procedente, por provado e, em consequência, que seja proferido acórdão que revogue a sentença em crise, substituindo-a por outra que determine o cancelamento do registo de cancelamento das hipotecas dos prédios em causa nos autos.
” A recorrida ...
[5] e o Ministério Público contra-alegaram (fls. 517 a 527 e 552 a 558, respectivamente), sustentando ambas a improcedência do recurso e a manutenção da decisão judicial e, consequentemente, da de indeferimento do Sr. Conservador, corroborando os fundamentos daquela e desta e refutando os da recorrente.
Por seu turno, a ...
(fls. 549 vº) declarou prescindir do direito de contra-alegar.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos autos, com efeito suspensivo.
Cumpre decidir, uma vez que nada a tal parece obstar.
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QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pela recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.
Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
No caso, analisadas e interpretadas à luz das alegações, as aqui juntas, delas se extrai que importa apreciar e decidir se:
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Deve alterar-se a matéria de facto elencada na decisão recorrida.
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Se ocorre ilegalidade do averbamento do referido cancelamento das hipotecas, designadamente por: i) a este tipo de venda (efectuada pelo próprio devedor e não pelo Administrador Judicial, na sequência de Plano de Insolvência e não de Liquidação, de bens não apreendidos para a Massa) ser inaplicável o regime dos artºs 824º, nº 2, CC, e 101º, nº 5, do CRP; ii) por falta de título para cancelamento (documento de consentimento ou distrate), nos termos do artº 43º, CRP; iii) por falta de intervenção ou autorização do Administrador Judicial; iv) por não estar pago o crédito garantido.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Uma vez que a apelante sustenta que deve ser alterada a matéria de facto e esta, na verdade, pode sê-lo se para tal houver fundamentos, nos termos do artº 662º, nº 1º, CPC (aqui aplicável subsidiariamente), quer a pedido da recorrente quer mesmo ex officio, comecemos por essa questão.
Nos pontos de facto provados nºs 4 e 5, relativamente à cessão de crédito pela primitiva credora Caixa ... à ...
Tourist Apartments, Ldª, e ao valor por que esta se habilitou no processo de insolvência, foi dado como assente, por tal não ser controvertido, respectivamente, que aquele crédito cedido “… foi apenas e tão só o crédito no valor de 1.873.454,73€” e, ainda, que este (o da habilitação) foi “…pelo valor de 1.873.454,73€”.
A recorrente, sustenta que “em face da prova documental produzida” impõe-se acrescentar àqueles dois segmentos a expressão “acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos”, para o efeito remetendo: “vide sentença de habilitação do cessionário e escritura de cessão de créditos celebrados entre recorrente e Caixa ...”.
Ora, mal-grado se constate que, por um lado, a recorrente não cumpre o dever, emergente do artº 640º, de identificar e localizar, com precisão e eficácia, nos extensos autos (físicos ou digitais), os ditos documentos e, percorridos os mesmos, não os conseguirmos avistar, e, por outro, que tal matéria acabará por revelar-se irrelevante e, por isso, nem se justificaria até ser considerada, o certo é que ela, tal como referiu o tribunal recorrido quanto aos demais factos assentes, não só também não é controvertida (por isso não vindo questionada nas próprias contra-alegações a pretendida modificação), como é pressuposta nos autos (designadamente nas respostas e até no cálculo do valor pago pela ...
à ...
, como foi esta que, por iniciativa sua (cfr. documento de fls. 99 a 101) requereu na insolvência a correcção da sentença de habilitação fundada na cessão referida nos aludidos pontos 4 e 5 de modo a que, em vez de ali constar que, em vez da totalidade do crédito da cedente (que incluía juros vencidos e vincendos) objecto da reclamação e da Lista, apenas devia constar a quantia de 1.873.454,73€, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos.
Por tais razões, e à cautela, aditar-se-á o pretendido segmento fáctico àqueles dois pontos, assim, nesta parte, procedendo o recurso.
Além disso, com base nos documentos dos autos, não impugnados, aditar-se-ão outros...
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