Acórdão nº 54/10.1TBBGC-R.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO DAMIÃO E CUNHA
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO Veio a Credora Reclamante, Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de (…) representada em juízo pelos respectivos únicos herdeiros, (…) deduzir reclamação de créditos nos presentes autos pelo valor de € 1.100.000,00 (o qual inclui o valor das moradias - € 970.000,00 – inscrito nos contratos promessa celebrados em 2008, bem como o valor das benfeitorias realizadas nas preditas habitações - € 100.000,00 – e ainda o valor do cheque entregue para assegurar a continuação da construção da quarta moradia - € 30.000,00), e que seja reconhecido que esse crédito está garantido por direito de retenção nos termos dos artigos 754, 755º nº1 alínea f), 442º nº 2 e 1273 do CC, o qual prevaleceria sobre a hipoteca constituída da Caixa ..., Crl. (CAIXA ...).

    *Foi apresentada a lista definitiva de créditos reconhecidos, lista essa nos termos da qual foi reconhecida à credora reclamante, Herança Ilíquida Indivisa por Óbito de M. F. um crédito comum no valor de € 1.100.000,00.

    *Inconformada, veio a referida credora reclamante, representada pelos respectivos únicos e exclusivos herdeiros, M. C., L. F. e M. R., deduzir impugnação de fls. 196 e ss., alegando, em síntese, que o crédito por si reclamado teria de ser reconhecido como garantido por direito de retenção nos termos por si já referidos na reclamação de créditos, prevalecendo tal garantia sobre o crédito hipotecário reconhecido à credora CAIXA ....

    *A fls. 281 e ss., veio a credora reclamante e hipotecária, Caixa ...

    , deduzir articulado de resposta, alegando, em primeiro lugar, por via de excepção dilatória, que a impugnação deduzida pela credora Herança seria intempestiva e, caso assim se não entendesse, que esta seria parte ilegítima, pois que os contratos-promessa celebrados em 2008 não teriam sido outorgados pela mesma, mas sim, pelos herdeiros em nome individual, pelo que qualquer crédito daí resultante teria de ser reclamado por estes e não por aquela.

    Referiu ainda, agora por via de excepção peremptória, que os referidos contratos-promessa celebrados em 2008 corresponderiam a negócios simulados, não tendo as assinaturas aí constantes sido reconhecidas notarialmente e não havendo, pois, razões para crer que tais acordos, só agora conhecidos, tivessem sido efectivamente celebrados naquela data, outrossim apenas sendo conhecido o contrato-promessa celebrado em 29/9/1999, mediante o qual o falecido M. F. e a sua esposa, M. C., acordaram permutar um terreno com a área de 32.767 m2 como contrapartida da cedência pela Insolvente de vários lotes e da construção por esta das referidas 4 moradias, Esclareceu ainda a CAIXA ...

    que, a entender-se ser devida qualquer indemnização pelo não cumprimento do aludido contrato-promessa de 1999 pela insolvente, o valor do crédito da Herança seria de apenas € 500.000,00, pois que, na sequência do cumprimento parcial do aludido negócio, teria sido este o valor fixado pelas partes, tendo em vista tal eventual compensação.

    Referiu ainda a CAIXA ...

    que tal crédito indemnizatório de € 500.000,00 não seria, no entanto, garantido por direito de retenção, desde logo, porque não havia sido fixado contratualmente qualquer destino para as moradias que à Insolvente caberia construir e porque os herdeiros não haviam feito prova da verificação da tradição da coisa (vale dizer, das aludidas moradias), não tendo, nomeadamente, comprovado que tivessem pago o IMI relativo a tais habitações desde a alegada data da tradição dos imóveis.

    Finalmente entende a CAIXA ...

    que só poderia haver direito de retenção no caso de a Herança demonstrar um incumprimento definitivo do aludido contrato-promessa de 1999 (ou, caso estes fossem considerados válidos, dos contratos-promessa subsequentes de 2008), sendo que a carta de resolução de tais negócios junta pela Herança não estaria datada, tampouco tendo sido recebida pela Insolvente.

    Por último, ainda que assim não fosse, não tendo havido lugar à entrega de qualquer sinal pela Herança, também não haveria lugar a direito de retenção, sendo certo que tal garantia também não teria sido consagrada no âmbito do CIRE, pois que tal diploma excluiria, nos respectivos artigos 102º a 106º, o regime previsto nos artigos 755º, nº 1, alínea f) e 442º do CC.

    Concluiu, requerendo que a impugnação deduzida pela Herança fosse considerada intempestiva ou, caso assim não se entendesse, improcedente em função da ilegitimidade activa daquela ou ainda improcedente em função de o crédito reclamado não dever ser reconhecido e, ainda menos, como estando garantido por direito de retenção.

    Requereu ainda a condenação da Herança como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor da CAIXA ...

    .

    *A fls. 606 e ss., foi proferido despacho, nos termos do qual se determinou a absolvição da instância da Reclamada, CAIXA ...

    , em função da falta de personalidade judiciária da Reclamante, Herança, decisão essa revogada por acórdão do Tribunal da Relação proferido no Apenso P), a qual, no entendimento de que a reclamação de créditos apresentada devia ser entendida e interpretada como deduzida pelos herdeiros da herança do falecido, M. F., o que conduziria à não ocorrência da excepção dilatória aludida no despacho saneador, determinou o prosseguimento dos autos com a prolação de despacho saneador e de julgamento quanto à referida impugnação.

    *Foi a fls. 781 e ss. proferido despacho saneador, com indicação do objecto do litígio e selecção dos temas de prova.

    *Foi, nessa sequência, realizado julgamento, conforme resulta das respectivas actas.

    *Na sequência foi proferida a seguinte sentença: “Decisão: Pelo exposto, decide o Tribunal: I. Reconhecer que a herança ilíquida e indivisa do falecido, M. F., é titular de um crédito de € 1.000.000,00 (1 milhão de euros), crédito esse garantido por direito de retenção incidente (apenas) sobre os prédios apreendidos na massa insolvente correspondentes aos Lotes A1, A2 e A3 sitos no Loteamento ... (zona das ...), respectivamente, descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob os nºs .../20040920, .../20040920 e .../20040920.

  2. Não reconhecer que o crédito aludido em I) se encontra garantido por direito de retenção incidente sobre o prédio apreendido na massa insolvente correspondente ao Lote A4 sito no Loteamento ... (zona das ...) e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº .../2004092019.

  3. Absolver as herdeiras, M. C., L. F. e M. R. Padrão do pedido de condenação como litigantes de má-fé contra si deduzido pela Caixa ... da Região de ... e Alto Douro, CRL.

  4. Condenar as Herdeiras aludidas em III) e a Caixa ... em custas processuais, a atender a final, na proporção de ¼, para as primeiras, e ¾, para as segundas (cfr. artigo 527º nº1 do CPC).

  5. Relegar, para depois do trânsito da presente sentença, a graduação final dos créditos da insolvência, atenta a probabilidade de interposição de recurso da presente decisão (artigo 136º nº7 do CIRE).

    Notifique (incluindo, para além dos credores, a Massa Insolvente e a Administradora de Insolvência).

    Registe”.

    *É justamente desta decisão que a CAIXA ...

    /Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “C O N C L U S Õ E S: 1. O presente recurso foi interposto da sentença proferida pelo Mº. Juiz a quo (Refª 21345533) de 18/09/2018, a fls. do processo, que reconheceu que a herança ilíquida e indivisa do falecido, M. F., é titular de um crédito de € 1.000.000,00 (1 milhão de euros), crédito esse garantido por direito de retenção incidente (apenas) sobre os prédios apreendidos na massa insolvente correspondentes aos Lotes A1, A2 e A3 sitos no Loteamento ... (zona das ...), respectivamente, descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob os nº .../20040920, .../20040920 e .../20040920.

    2. Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, a Mª. Juiz a quo não fez correcta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito.

    3. A Credora Reclamante Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de M. F., alegou que, o Autor da Herança, M. F., e a esposa deste, sua herdeira, M. C., celebrado em 29/9/1999 com a Insolvente, Construtora ..., Lda. um contrato-promessa de compra e venda e de permuta, mediante o qual os primeiros se comprometeram a ceder à segunda um terreno com a área ajustada de 32.767 m2 sito em Vale de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../180399, comprometendo-se a Construtora ..., Lda., como contrapartida de tal cedência, a entregar àqueles um lote de terreno com a área de 5270 m2, situado em frente ao restaurante ..., bem como a construir 4 moradias individuais a implantar em outros tantos lotes, cada qual com a área aproximada de 500 m2, situados junto à EN ... – Izeda e imediatamente a seguir ao restaurante ....

    4. Mais alegou a credora reclamante ter sido, em cumprimento do aludido contrato- promessa, celebrada escritura pública datada de 5/3/2004, mediante a qual a Insolvente se tornou proprietária do referido terreno com a área de 32.767 m2, tendo-se feito constar na referida escritura o preço de € 374.562,00, correspondente ao valor matricial do aludido imóvel, valor esse que, no entanto, não correspondia ao preço real do negócio, uma vez que, no mesmo dia da outorga do contrato, o representante legal da Construtora ..., Lda. entregou ao autor da herança, M. F., cheque de € 1.000.000,00 para garantia da celebração futura das escrituras de compra e venda dos lotes prometidos ceder àquele e identificados como lotes A1, A2, A3, A4 e C1 (sublinhado e negrito nosso).

    5. Referiu ainda a credora reclamante que, no mesmo dia da escritura pública de 5/3/2004, a Insolvente constituiu uma hipoteca sobre o terreno adquirido para garantia do pagamento de um financiamento de € 815.000,00 contraído junto da Caixa ....

    6. Nessa sequência, esclareceu ainda a credora reclamante que, em 3/2/2006 e em cumprimento do aludido...

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