Acórdão nº 2677/10.0TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de ...

  1. Relatório Em 09.07.2010, a Caixa ..., S.A., instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de ..., acção executiva comum para pagamento de quantia certa contra P. J., A. L. e R. C., pretendendo obter o pagamento da quantia de € 76.389,52, correspondente à dívida de capital e juros de dois contratos de mútuo, um deles com hipoteca e outro com fiança, que celebrou com o 1º executado, sendo que os 2º e 3º executados se responsabilizaram solidariamente como fiadores e principais pagadores em consequência dos identificados contratos.

*No âmbito dos presentes autos foi penhorado ½ do imóvel onerado com hipoteca a favor da Caixa ... para garantia do financiamento dado à execução, identificado como: Fração autónoma designada pela letra “A” descrita na Primeira Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º .../... (...)-A.

*Sustada a execução pela Agente de Execução (AE) nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 794º, n.º 1, do CPC e notificado para proceder à indicação de bens penhoráveis nos termos do disposto no art. 750º do Código do Processo Civil, a exequente apresentou o requerimento datado de 29/10/18, solicitando o prosseguimento dos autos com a venda da metade do imóvel hipotecado e aqui penhorado, dado que no processo tributário a venda do bem tinha sido suspensa ao abrigo do Dec. Lei n.º 13/2016, de 23/05, por o imóvel a vender ser a casa de habitação do executado (cfr. ref.ª 30524215).

*Essa pretensão foi indeferida por despacho de 18-10-2018 (cfr. Ref.ª/Citius 161179335).

*Inconformada, a exequente interpôs recurso dessa decisão (cfr. Ref.ª/Citius 2159476) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. A 09 de julho de 2010, a Recorrente instaurou a presente ação executiva para cobrança coerciva da quantia total de € 76.389,52 (SETENTA E SEIS MIL TREZENTOS E OITENTA E NOVE EUROS E CINQUENTA E DOIS CÊNTIMOS) emergente de dois financiamentos celebrados com os aqui Executados.

  1. No âmbito dos presentes autos foi penhorada a metade indivisa do imóvel onerado com hipoteca a favor da CAIXA ...: fração autónoma designada pela letra “A” descrita na Primeira Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º .../... (...)- A.

  2. O imóvel em questão acha-se onerado com penhoras anteriores registadas a favor da Fazenda Nacional 4. Por decisão da Agente de Execução em funções foram os presentes autos sustados quanto ao imóvel onerado com hipoteca em benefício da CAIXA ....

  3. A CAIXA ... foi reclamar o seu crédito hipotecário ao processo da primeira penhora, o qual com o n.º ... e Apensos corre termos pelo Serviço de Finanças de ... 1.

  4. Ocorre que, a 24 de maio de 2016 entrou em vigor a Lei n.º 13/2016, de 23 de maio que veio proteger as casas de morada de família no âmbito dos processos de execução fiscal.

  5. Atenta a letra de tal lei, veio a CAIXA ... peticionar o prosseguimento dos presentes autos quanto a ½ onerada com penhora anterior a favor da Fazenda Nacional.

  6. Tal pedido foi, contudo, indeferido.

  7. O presente recurso vem interposto do despacho que indeferiu o pedido de prosseguimento dos presentes autos e o levantamento da sustação da execução, com vista à venda do imóvel penhorado, por existir penhora anterior registada da Fazenda Nacional, fazendo incorreta aplicação e interpretação do art. 794.º do CPC.

  8. Senão vejamos: em maio de 2016 entrou em vigor a Lei n.º 13/2016, de 23 de maio, que prevê que, sendo penhorada em execução fiscal bem imóvel que corresponda a habitação própria e permanente do executado, não há lugar à realização da venda na execução fiscal; ou seja, a nova lei vem estabelecer um impedimento legal à venda dos imóveis que se encontrem nessas circunstâncias.

  9. Face ao exposto, está a Recorrente numa situação de impasse, não podendo obter nem pela via dos presentes autos, nem pela via dos autos em que reclamou crédito, o pagamento da dívida hipotecária (de elevado montante).

  10. Tal situação é claramente lesiva dos interesses da Recorrente, bem como, dos interesses dos Executados que têm visto penhorados os seus bens, uma vez que a presente execução está sustada quanto ao imóvel e na execução fiscal há um impedimento legal à realização da venda, do bem hipotecado e penhorado, mantendo-se a penhora do Fisco apenas como mera garantia do crédito fiscal, sem quaisquer outras consequências processuais, pois a venda não se irá realizar.

  11. Requereu, deste modo, a Recorrente que o Tribunal reconhecendo o impedimento legal à realização da venda nas Finanças, levantasse a sustação e ordenasse o prosseguimento da execução, por não se verificar o circunstancialismo do art. 794.º, n.º1 do CPC (pendência de duas ou mais execuções dinâmicas sobre o mesmo bem).

  12. Argumentando ainda que, tendo em conta que a Autoridade Tributária será sempre citada para reclamar créditos, os direitos desta não são prejudicados pelo prosseguimento da execução.

  13. Como já se viu, o douto Tribunal ad quo indeferiu a pretensão da Recorrente, ordenando que esta fosse diligenciar pela venda n o processo da primeira penhora, com o que não se concorda.

  14. A disposição normativa constante do art. 794.º do CPC visa impedir a sobreposição de direitos sobre os mesmos bens, criando assim uma regra de prioridade temporal cujo objetivo é o de ordenar em um só processo (o da primeira penhora) a tramitação dos atos tendentes à venda executiva e subsequente distribuição do produto dessa venda.

  15. Pretende o legislador, assim, impedir que o mesmo bem possa ser alienado duas ou mais vezes em dois ou mais processos distintos, ou que o direito de um primeiro exequente (o que mais cedo logrou obter penhora) possa ser postergado apenas porque outro credor posterior viu o seu processo correr em tribunal ou juízo de tramitação mais célere (ou por menor pendência ou por maior eficácia dos seus serviços) ou adstrito a solicitador de execução mais diligente.

  16. Tem o normativo em apreço igualmente a função de garantir ao primeiro credor penhorante a manutenção da garantia proveniente da penhora e a respetiva execução no seu processo, uma vez que essa qualidade de credor com penhora efetuada não lhe atribui qualquer especial proteção em sede de citação de credores, designadamente para os efeitos previstos no art. 786.º do CPC.

  17. No entanto, a proteção conferida ao credor com primeira penhora é, nos termos da lei processual civil, controlável pelos credores com penhora subsequente e que ao processo primeiro tenham vindo reclamar créditos por força do disposto no aludido art. 794.º do CPC.

  18. Com efeito, estando a instância suspensa por inércia do exequente em promover os seus termos, pode o credor reclamante requerer o prosseguimento da execução para satisfação do seu crédito.

  19. Existe, assim, uma tutela do credor reclamante por força do preceituado no art. 794.º do CPC que lhe garante a execução do seu crédito em tempo útil, não ficando, por isso, totalmente refém da promoção do processo por parte do exequente.

  20. Aliás, jurisprudência há no sentido de que a sustação da execução nos termos do art. 794.º do CPC só deverá ocorrer se a execução da primeira penhora estiver em movimento, não fazendo sentido que se admita a reclamação de um crédito numa execução parada por inércia do exequente (neste sentido, Ac RP, de 30.05.89, BMJ 398º-581; Ac RP, de 21.07.83, BMJ 329º-620; Ac STJ, de 12.12.72, BMJ 222º-360).

  21. A razão de ser deste entendimento jurisprudencial prende-se com a circunstância de a proteção do credor reclamante no domínio da legislação processual civil não ocorrer na execução fiscal.

  22. Resulta daqui que encontrando-se o credor reclamante na absoluta dependência da iniciativa do Serviço de Finanças territorialmente competente, nenhum ato processual poderá praticar que lhe permita tomar a direção do processo, impulsionando-o.

  23. Por este motivo, não podendo promover o serviço de finanças local o andamento dos autos de execução fiscal, o credor reclamante com execução própria instaurada e penhora registada posteriormente poderá ficar indefinidamente à espera de uma iniciativa processual que não consegue controlar e que poderá nunca vir a ocorrer.

  24. Tal situação é particularmente danosa para o credor reclamante que, tal como sucede no caso dos autos, goza de hipoteca sobre o bem penhorado, tendo por isso a legítima expectativa de vir a ser graduado em primeiro lugar pelo produto da venda do bem onerado.

  25. Não foi com certeza esta situação de impasse processual que o legislador visou alcançar.

  26. Se o legislador, na ânsia de dotar a administração fiscal de mecanismos legais céleres e eficazes expressamente previu a não sustação do processo de execução fiscal em caso de penhora de bem já apreendido (por penhora anterior) por qualquer outro tribunal (art. 218.º, n.º 3 CPPT).

  27. Se esse mesmo legislador faz depender as diligências tendentes à venda dos bens penhorados em processo civil executivo da citação prévia da Fazenda Nacional para reclamar créditos (art.786.º, n.º2 do CPC), 30. Então nada obstará ao prosseguimento do processo executivo sustado por penhora anterior da Fazenda Nacional, como é comprovadamente o caso dos autos.

  28. Como atrás referido, o prosseguimento dos presentes autos nenhum prejuízo comportará para a administração fiscal, dado que o passo processual imediatamente seguinte será o da citação da Fazenda para reclamar os seus créditos.

  29. Assim, temos que, mantendo-se a sustação da penhora registada à ordem destes autos, não logrará a CAIXA ... ver satisfeito o seu crédito exequendo e hipotecário, 33. Dado não lhe ser possível promover os autos de execução fiscal, que a Fazenda mantém em estado de absoluta suspensão (até por estar ciente de que o crédito do Estado será graduado abaixo do crédito hipotecário, não tendo, por isso, qualquer interesse em promover a venda do imóvel).

  30. Levantando-se a sustação e prosseguindo os autos, será a Fazenda citada para reclamar os seus créditos, os quais serão então...

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