Acórdão nº 3021/18.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

Relatório A. F.

, solteiro, maior, residente na rua dos …, n.º …, União de freguesias de … (…) e …, devidamente identificado no processo, apresentou-se a Processo Especial para Acordo de Pagamento, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, n.º 3, e 222.º-A a 222.º-J do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), juntando declaração escrita de concordância do credor Caixa ..., CRL manifestando a vontade de encetarem negociações conducentes à elaboração de acordo de pagamento.

Admitido o requerimento inicial, apresentado em 13-09-2018, foi nomeado administrador judicial provisório e fixados os deveres e as competências deste último, encarregado de assistir o devedor na administração do seu património, o que foi devidamente publicitado.

O credor Caixa ..., CRL apresentou impugnação à lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial provisório, a qual foi entretanto julgada totalmente improcedente por despacho de 28-11-2018.

Também o credor M. V. deduziu impugnação à lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial provisório, a qual foi entretanto decidida por despacho de 28-11-2018, julgando parcialmente procedente a impugnação e reconhecendo ao impugnante um crédito de € 308.515,31 de natureza garantida.

Foi junto aos autos acordo de prorrogação de prazo de negociações, pelo prazo de um mês.

Concluídas as negociações, o requerente/devedor juntou aos autos o acordo de pagamento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 222.º-F, n.º 2, do CIRE.

Foi publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano para acordo de pagamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 222.º-F, n.º 2, do CIRE.

Os credores - C. B. e M. V. - requereram a não homologação do plano referente ao acordo de pagamento apresentado pelo devedor; a credora C. B. sustentou, em síntese, que a proposta de acordo de pagamento é nula por não contemplar qualquer menção ao crédito privilegiado da reclamante, sustentando ainda que o devedor é detentor de um elevado património, que integra um acervo suficiente para satisfazer de imediato o pagamento dos créditos reclamados, mormente dos privilegiados; o credor M. V. alegou a inexistência de negociações entre devedor e credores, sendo que a versão final do acordo de pagamento é praticamente idêntica à versão inicial, sobre a qual não foram ouvidos os credores; refere que o devedor não se encontra em situação de insolvência, possuindo um vasto e avultado património, composto por imoveis, móveis, participações sociais e outros bens com um valor que se estima em cerca de 100.000.000,00 (cem milhões de euros); sustenta ainda que o devedor acompanhado pelo seu maior credor - CAIXA ... - e também o mais garantido, pretende impor aos demais credores um pagamento prestacional dos seus créditos, sem risco de perda de património e retirando vantagens patrimoniais à custa dos credores; conclui que tal acordo implica sujeitar os demais credores - todos com dívidas vencidas - a uma situação desproporcional e altamente violadora do princípio da igualdade entre credores.

O administrador judicial provisório juntou aos autos o resultado da votação, nos termos previstos no artigo 222.º-F, n.º 4, do CIRE.

Em 14-02-2019 veio a ser proferida sentença, a qual, além do mais, decidiu não homologar o plano de acordo de pagamento do devedor A. F., por considerar que o mesmo «viola, de forma não negligenciável, o princípio da igualdade plasmado no artº. 194º, pois que, para além de tratar de forma diferenciada os credores (sem que tal se mostre justificado por sérias razões objetivas), e particularmente os credores garantido e privilegiado (que votaram contra o mesmo, não consentindo ab initio no mesmo), afeta de forma manifestamente excessiva, desproporcionada e desrazoável o direito de crédito dos referidos credores, e nessa medida não poderá ser homologado (artº. 222.º F)».

Inconformado, o devedor apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença e a sua substituição por outra que homologue o plano apresentado pelo devedor, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I – O recurso vem do douto despacho de 14.02.2019 que decidiu não homologar o plano de acordo de pagamento de fls.. dos autos.

II – O princípio da igualdade de credores, previsto no artigo 194º do CIRE, não é um direito absoluto para quem dele beneficia.

III – O plano tem de ter como propósito a tendencial igualdade de tratamento não de todos os credores, mas, apenas, daqueles que estejam em idênticas circunstâncias, considerando, designadamente, a natureza dos créditos de que são titulares.

IV – O plano junto aos autos, para além de ter sido aprovado por margem muito expressiva (91,54% a favor e 8,46% contra), colheu os votos favoráveis de quatro credores garantidos, relativamente aos quais foram propostos prazos e condições diferentes para o pagamento dos seus créditos.

V – Quanto a esses credores, se tratamento desfavorável houvesse, o mesmo tem-se como inoperante, porque tacitamente consentido com a emissão de voto favorável – cfr. artigo 194º, nº 2, do CIRE.

VI – Não foi proposto perdão ou redução do capital em dívida para qualquer um dos créditos reclamados, sendo que, a esse nível, todos os credores foram tratados por igual, independentemente da natureza do seu crédito.

VII – Não se verifica qualquer diferenciação no tratamento dos créditos que, embora integrados na mesma classe (garantidos), são de natureza ou proveniência distinta (créditos das instituições bancárias vs. créditos de particulares).

VIII – A diferenciação existe apenas no perdão dos juros (vencidos e vincendos) quanto aos créditos dos particulares, o que não foi proposto para os créditos das instituições bancárias, não se verificando qualquer diferenciação quanto ao prazo de pagamento ou reembolso desses créditos.

IX – De qualquer modo, estamos perante credores que, em razão da proveniência dos seus créditos, não estão em idêntica situação e que, por isso, não têm que beneficiar do mesmo (ou idêntico) tratamento.

X – Um tratamento mais favorável das instituições bancárias em relação aos credores particulares sempre estaria justificado pelo interesse legítimo do devedor em não comprometer os financiamentos bancários que lhe foram concedidos, com a inerente garantia de fluxos económico-financeiros propiciadores do reembolso daqueles financiamentos e do ulterior pagamento dos demais créditos.

XI – No tocante ao crédito privilegiado, também não foi proposto qualquer perdão ou redução no pagamento desse crédito e foi mantida a proposta de perdão de juros, tal como sucedeu com os créditos garantidos dos particulares, pelo que a única diferenciação resulta apenas no prazo de reembolso desse crédito (15 anos).

XII – Essa diferenciação resulta do facto de estarmos perante um crédito que beneficia de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial e que, por si só, já confere ao seu titular o direito (ou a garantia) de, em caso de incumprimento, ser pago com preferência sobre os demais credores, inclusive garantidos, por um lado.

XIII – Por outro, esse crédito, como resulta da reclamação de créditos apresentada, corresponde a uma pensão anual e vitalícia judicialmente arbitrada, contemplando o plano apenas a dívida vencida até à data da reclamação de créditos, sendo que a dívida vencida após essa data será reembolsada conforme definido na sentença judicial que titula esse crédito (ou seja, com a periodicidade anual e vitaliciamente).

XIV – O princípio da igualdade dos credores consente a previsão de diferenciação no tratamento de credores ou que se encontrem em diferente situação ou, não se encontrando, a distinção esteja suportada ou justificada por razões objetivas.

XV – Esse princípio tem de ser conjugado com os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, constitucionalmente consagrados, devendo, ainda, ser ponderadas as finalidades e o interesse do procedimento especial aqui em causa – a recuperação do devedor que se encontra em situação económica difícil.

XVI – No caso dos autos, o plano apresentado pelo devedor trata de forma privilegiada os credores com garantia real e a credora com privilégios creditórios (credora C. B.), colocando-os numa situação paritária entre si, colocando, num segundo patamar, também em posição de igualdade entre si, os créditos comuns.

XVII – O prejuízo para os credores decorrente da homologação do plano resulta, apenas, da dilação no pagamento dos seus créditos, o que, na ponderação da finalidade do presente procedimento e dos interesses (contrapostos) de devedor e credores nele presentes, se nos afigura uma limitação ou condicionamento proporcional e razoável aos direitos dos credores.

XVIII – Nenhum dos credores reclamantes invocou a violação dos artigos 215º e 216º do CIRE, alegando ou demonstrando que a sua situação ao abrigo do plano era previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer plano, ou que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, não podendo o Tribunal, por via disso, apreciar tais pressupostos.

XIX – De todo o modo, os credores, num cenário de não homologação do plano e de insolvência do devedor, ficam colocados numa situação muito mais desfavorável em relação àquela que resulta do acordo de pagamento firmado nos autos, em que se prevê o pagamento da totalidade dos créditos reconhecidos.

XX – Pelo exposto, considerando que o plano estabelece uma tendencial igualdade de tratamento dos credores que se encontram em idênticas circunstâncias e que o tratamento diferenciado nele contemplado está suportado na distinta natureza dos créditos e em razões objetivas que o justificam, não ocorre violação do princípio da igualdade dos credores previsto no artigo 194º do CIRE.

XXI – O douto despacho recorrido, ao...

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