Acórdão nº 1012/15.5T8VRL-BD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório No apenso de reclamação de créditos, na sequência da declaração de insolvência de “M. R., Lda.”, a correr termos Juízo Local Cível de ... – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de ..., veio o credor “Banco ..., SA”, atualmente substituído processualmente por “X, SA” e “Banco ..., SA”, impugnar o crédito (no montante de € 161.124,87) reconhecido a Y - Montagens Eléctricas, Lda.

Impugna o aludido crédito, quer quanto à sua existência, quer quanto à natureza garantida do mesmo, por direito de retenção referente à fracção autónoma designada pela letra “I”, integrante do prédio urbano sito na freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....

*Exercendo a faculdade prevista no artigo 131º,1 C.I.R.E., a Y - Montagens Eléctricas, Lda reafirmou a posição sustentada no articulado de reclamação de créditos e pugnou pela improcedência da impugnação.

*Dispensada a realização de audiência preliminar, em 16/10/2018 foi proferido despacho saneador (ref.ª n.º 32644064), prosseguindo os autos para apreciação da impugnação do crédito reconhecido a Y - Montagens Eléctricas, Lda.

*Realizou-se audiência de julgamento.

*Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu decisão final, datada de 30/01/2019, nos termos da qual decidiu (na parte que ora releva): a) julgar parcialmente procedente a impugnação suscitada pelo Banco ... – , S.A. relativamente ao crédito reconhecido sob o n.º 22, a Y - Montagens Eléctricas, Lda., na lista da ref. n.º 625549 (cfr. artigo 129.º, n.º 1, do C.I.R.E.), e, consequentemente, b) reconhecer o crédito reclamado por Y - Montagens Eléctricas, Lda., no montante de € 161.124,87, que qualificou como comum;*Inconformada, a impugnante Y - Montagens Eléctricas, Lda interpôs recurso da sentença e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O presente recurso é interposto da sentença proferida nos autos, páginas 66 a 90, a qual, em suma, considerou como matéria de facto provada, os factos constantes na sentença de 1 a 24, e como matéria de facto não provada, um único facto, todos supra transcritos para o presente recurso.

2. Tendo proferido a seguinte decisão: (…) Ora, 3. A Recorrente não se conforma com a decisão supra proferida, porquanto a mesma fez incorrecta interpretação e aplicação do direito e da jurisprudência ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar, nos termos do artigo 639º do CPC.

Posto isto, sempre se dirá: 4. ln casu, o Sr. Administrador da Insolvência reconheceu à aqui Recorrente um crédito no montante de €161.124,87, e o concomitante direito de retenção que lhe foi reconhecido com fundamento no contrato promessa celebrado em 27.09.2012.

5. Na sentença da qual se recorre, provou-se a validade do contrato promessa de compra e venda celebrado em 27.09.2012, no qual foi convencionado que a Insolvente prometia vender, livre de quaisquer ónus e encargos, à Y, que por sua vez prometia comprar a fracção autónoma "I", habitação tipo T4, situada no 3.° andar esquerdo e andar recuado, com acesso pela entrada A, da qual fazem parte integrante dois lugares de garagem designados pelos números um e dois, situados na Cave, em regime de propriedade horizontal, do prédio urbano edificado no lote 18 do Loteamento do ..., da Freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../200901 e inscrito na matriz sob o artigo …; (ressalvando-se que por lapso constava a descrição ..., que entretanto foi explicado na sentença de que se trata de um lapso de escrita).

6. Ajustando-se como preço o montante de €235.000,00 (englobando €161.124,87 a título de sinal e princípio de pagamento, "correspondente ao saldo devedor da primeira outorgante, na conta corrente dos serviços prestados pela Segunda Outorgante" e o montante de €73.875,13 a pagar no acto da outorga do contrato prometido), estipulando-se que caberia à insolvente a marcação do negócio definitivo; 7. Convencionando-se ainda que "( ... ) a Segunda Outorgante entra de imediato no uso, gozo e fruição do imóvel, exercendo sobre a fracção e seus lugares de garagem todos os actos de domínio e posse, obrigando-se a promitente compradora a liquidar as despesas de condomínio, contribuição autárquica ou outros impostos, para o que ficam com as chaves do imóvel", bem como que H (. . .) no caso de incumprimento do presente contrato, por parte da Primeira Outorgante, designadamente na outorga do contrato prometido, tem a Segunda Outorgante a faculdade de exigir em dobro do que prestou a titulo de sinal", e nos demais termos apostos no documento (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); - Conforme decorre também dos factos dados como provados.

8. Assim, decorre da sentença da qual se recorre, de que não existem dúvidas de que estamos perante um contrato promessa, nos termos do preceituado no artigo 410.° do Código Civil.

9. Tendo-se também apurado que a Recorrente prestou serviços de electricidade à Insolvente, no montante de €161.124,87, tendo as partes convencionado que o valor de tais trabalhos corresponderia à prestação de sinal a cargo da Recorrente.

10. Operando por via disso a compensação, que se deve entender pela entrega do promitente comprador ao promitente vendedor.

11. Provando-se ainda que em 27.09.2012 o gerente da insolvente entregou aos representantes da Recorrente as chaves de acesso ao edifício e ao apartamento correspondente à fracção autónoma designada pela letra "I".

12. E que a partir do ano 2013 o Sr. N. S., gerente da Recorrente, passou a residir com a sua família no apartamento.

13. Assim, a partir do ano 2013 a Recorrente, passou a ter o controlo de facto da coisa, apesar de não ter sido celebrado negócio definitivo, que deveria ter sido marcado pela Insolvente.

14. Logo, a entrega das chaves visou uma efectiva "traditio rei", sendo a Recorrente desde essa data a detentora do imóvel; 15. Com efeito, em 2013 a Recorrente entrou na posse do imóvel e o seu gerente habita-o desde essa data, até aos dias que correm.

Isto Posto, 16. Se é certo e assente o reconhecimento do crédito no montante de €161.124,87, também deveria o Tribunal a quo ter fixado o direito de retenção da Recorrente sobre o imóvel, 17. Porquanto o promitente comprador que não obteve o cumprimento do negócio, goza de direito de retenção nos termos do estatuído nos artigos 754º e 755º, nº 1 al. f) do Código Civil.

18. O artigo 754.° do código civil estabelece que: "o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados." 19. Consagrando o artigo 755º nº 1 al f) que gozam ainda do direito de retenção: "O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442º ".

20. Até a este ponto, é do entendimento do Tribunal a quo que existe um crédito, existe a tradição da coisa, assim como existe o incumprimento definitivo culposo por parte da Insolvente, logo, deveria ter sido considerado o supra referido direito de retenção.

21. No entanto, a sentença da qual se recorre plasma ainda o seguinte: "Ainda de acordo com o AUJ N° 4/2014 o reconhecimento do direito de retenção pressupõe que o promitente comprador possua a qualidade de consumidor: "O AUJ nº 04/2014 não define na sua fundamentação o que se deve entender por consumidor, pelo que tem sido debatida na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores a significância de tal exigência, vindo a prevalecer o entendimento segundo o qual se deve atender ao "(, . .) conceito restrito, funcional, segundo o qual consumidor é a pessoa singular, destinatário final do bem transaccionado, ou do serviço adquirido, sendo-lhe alheio qualquer propósito de revenda lucrativa ", ou, noutra formulação, a "(. . .) pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, não abrangendo quem obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa", independentemente de se destinar a habitação permanente do promitente-comprador, tomando como referencial a noção de consumidor do artigo 2º nº 1 da Lei nº 24/96 de 31 de Julho ("considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios")." Entendendo o Tribunal que: "encontram-se assim excluídas quer as pessoas colectivas, uma vez que estas só existem "( ... ) em função da prossecução de um determinado objectivo, seja ele económico, político, social, filantrópico ou recreativo, que é a sua "profissão ", não tendo outra vida para além da prossecução da finalidade que é a razão da sua existencial . . .), quer as pessoas singulares, quando actuem para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa, ainda que não tenham pretendido a revenda do imóvel, sem que tal exclusão revele um desrespeito pelo princípio da igualdade, pois os consumidores na acepção restrita não se encontram numa situação materialmente idêntica à daqueles que intervêm no exercício da sua actividade profissional, para além de que o direito de retenção tem natureza excepcional".

22. Considerando o Tribunal que no caso em apreço "a reclamante constitui uma sociedade comercial que por conseguinte actuou por inerência na prossecução do seu objecto social (cfr. artigo 6º, nº 1 do C.S.C) e, nessa medida, não se lhe deve reconhecer a qualidade de consumidora, por não agir no âmbito do quadro finalístico expectável num promitente comprador consumidor, e isto apesar do apartamento ter...

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