Acórdão nº 6610/16.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelMARGARIDA FERNANDES
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório D. F.

e A. C.

, menores, representados por sua mãe, S. M., instauraram acção declarativa com processo comum contra X Seguros, S.A.

pedindo que a sua condenação no pagamento: a) a cada um, pelo dano da morte do falecido, € 35.000,00; b) a ambos, na medida da proporção que lhes cabe por herança, a quantia global de € 60.000,00, a título de compensação pelo sofrimentos (danos próprios da vítima) por que passou o falecido entre o embate e o momento da morte; c) à autora A. C. a quantia de € 50.000,00 como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela perda do pai; d) ao autor D. F. a quantia de € 50.000,00 como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela perda do pai; e) à autora A. C. a quantia de € 61.950,00 como compensação pela perda de alimentos; f) ao autor D. F. a quantia de € 46.950,00 como compensação pela perda de alimentos, tudo acrescido de juros legais a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.

Alegam, em síntese, que são filhos e únicos herdeiros de C. C., falecido a ../../2014, cerca das 19h30, o qual, nessa data, por instruções da sua entidade patronal, transportou no veículo de matrícula FT, que conduziu, uma carga de areia para a Rua …, Fafe, tendo em vista a construção de um muro. Aí chegado, travou o veículo, saiu da cabine, deixando-o a trabalhar e accionou o mecanismo que faz levantar a báscula para descarregar a areia; nesses instantes o veículo descaiu para a esquerda em sentido descendente, esmagando-o com o taipal lateral da caixa de carga contra um muro que se encontrava à esquerda.

Referem que o traçado da via é recto, com inclinação descendente de cerca de 9%, considerando a orientação da frente do veículo, não existem bermas, nem passeios, sendo ladeada de edificações e o muro em construção do lado direito, com largura aproximada de 4 metros. No momento chuviscava e o piso encontrava-se molhado.

Em consequência do acidente, o pai sofreu lesões que lhe determinaram a morte.

O pai proporcionava-lhes momentos de grande felicidade, companhia e orientação, era muito carinhoso, passava a maior parte do tempo livre com eles. O autor D. F. admirava muito o pai e acompanhava-o sempre que podia.

O pai tinha 30 anos, era robusto, saudável, dinâmico, empreendedor, com grande energia e gosto pela vida, dedicado à família e amigos, muito querido e socialmente considerado.

No interregno que mediou entre o embate e a morte, cerca de 30 minutos, o progenitor visualizou e apercebeu-se da iminência da morte, sentiu dores físicas decorrentes das lesões e o esmagamento que impediu a sua libertação e pedido de ajuda. No momento do acidente e após a sua ocorrência conservou a consciência e a lucidez e viveu o desespero de deixar os filhos.

Acrescentam que o progenitor exercia actividade profissional na sociedade Construções D. C. & M. C., Lda., como pré-oficial da indústria da construção civil, auferindo o salário mensal de € 505,00 acrescido de € 116,84 de subsídio de alimentação mensal, no valor anual de € 7.070,00. Entregava à ex-cônjuge aproximadamente € 300/mês. Tinha expectativa de vir a auferir, a breve trecho, salário superior, a integrar a gerência da empresa em 2024 e de ficar proprietário de 50% das quotas da sociedade, sendo expectável que os rendimentos duplicassem nessa ocasião e que, no intervalo, o salário aumentasse, no mínimo, € 30/mês. Assim, contribuiria com metade para a educação e alimentos dos filhos no valor global de € 22.950,00 para cada um entre 2014 e 2024, momento em que teriam 17 e 12 anos. Estes esperavam receber € 500,00 por mês até perfazerem 25 anos, o que corresponde a € 24.000,00 e € 39.000,00 respectivamente.

*A ré ofereceu contestação contrapondo que tomou conhecimento do sinistro no âmbito da apólice dos acidentes de trabalho e, do que foi possível apurar quanto às causas do sinistro, o malogrado pai dos autores conduzia o veículo, parou e saiu da respectiva cabine e, quando se encontrava a proceder a uma operação de descarga de areia, a viatura descaiu e esmagou-o com a parte lateral da caixa de carga, provocando de imediato o seu óbito. Entende que se trata de um acidente de trabalho e não de viação e que o mesmo não tem conexão com os riscos específicos do veículo. Acrescenta que, na hipótese de se tratar de um acidente de viação, não poderia ser responsabilizada, pois o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel exclui do mesmo a garantia pelos danos corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro responsável, assim como os danos decorrentes daqueles, bem como os danos materiais causados ao condutor, entre outros, aos seus descendentes e às pessoas identificadas nos artigos 495º, 496º e 499º do C.C. que beneficiem de pretensão indemnizatória decorrentes dos vínculos com aquele.

Acrescenta que o acidente ficou a dever-se ao facto do pai dos autores não ter accionado correctamente os meios de retenção do veículo, nem ter tomado as medidas necessárias para que não se deslocasse enquanto estava parado, já que os calços dos travões tinham sido mudados, o sistema de travagem estava a funcionar em perfeitas condições. Acrescenta que o falecido não tinha experiência na condução da viatura, estava com excesso de peso, colocou-se numa posição com pouco espaço, ficando entre a viatura e o muro, denotando falta de cuidado nas medidas de segurança para precaver qualquer imprevisto.

Refere ainda que o valor da pensão mensal que liquidava para as despesas dos filhos era de € 150,00 e que não podem peticionar um valor já atribuído em sede de acidente de trabalho.

*No exercício do contraditório quanto às excepções os autores argumentaram que o acidente se deveu ao risco inerente à circulação do veículo, designadamente por destravamento, não podendo o seu pai considerar-se condutor, pois não se encontrava ao volante do veículo no momento do acidente. Entendem ainda que o motorista de um veículo aproveita, como terceiro, da responsabilidade objectiva estabelecida na lei desde que sofra acidente relacionado com os perigos próprios do mesmo.

*Foi dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto da causa e foram enunciados os temas da prova.

*Após realização de julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra: “Em face do exposto, o Tribunal, julgando a ação não provada e improcedente, absolve a Ré X Seguros, S.A. dos pedidos formulados pelos Autores D. F. e A. C., representados por sua mãe S. M..

Custas da ação a cargo dos Autores.

Registe e notifique.”*Não se conformando com esta sentença vieram os autores dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “i. Devem ser alteradas as respostas dadas à matéria de facto no sentido da impugnação feita em A. supra, quanto aos pontos 10, 11, 13, 14, 15 e 16 dos factos provados, cujas provas concretas que o impõem vêm indicadas na análise impugnatória das respostas dadas pelo Tribunal a cada um desses facto, concretamente, análise dos depoimentos e documentos lá identificados (de pag. 7 a 12 desta motivação).

ii. Devem também ser alteradas as respostas dadas à matéria de facto no sentido da impugnação feita em A. supra, quanto aos pontos 31, 32 e 80 a 82 dos factos não provados por referência aos artigos da p.i., cujas provas concretas que o impõem vêm indicadas na análise impugnatória das respostas dadas pelo Tribunal a cada um desses facto, concretamente, análise dos depoimentos e documentos lá identificados (de pag. 12 a 14 desta motivação).

iii. O Tribunal errou ao concluir que o acidente de viação em causa nos autos é imputável ao lesado, como se evidenciou supra em B., concretamente a partir de pag. 15 desta motivação.

iv. E fê-lo também porque decidiu erradamente da matéria de facto como exposto, sendo certo que, no modesto entender dos recorrentes, mesmo que não se alterasse as respostas à matéria de facto, sempre se teria de entender que a morte do falecido pai dos AA. ocorreu em virtude apenas dos riscos específicos da viatura.

v. Todos os argumentos que o Tribunal tirou no sentido da imputação do acidente ao lesado não têm solidez, nem sequer ocorrem, como também se julga ter demonstrado, concretamente de fls. 24 a 27 da presente motivação, sempre conjugada e por referência à impugnação dos referidos pontos da matéria de facto.

vi. Não restam dúvidas que o acidente é apenas atribuível aos riscos próprios da viatura, porque não se conseguiu apurar uma sua efectiva e verdadeira causa, sendo certo que se encontram preenchidos todos os requisitos de que dependia a sua subsunção ao instituto da responsabilidade pelo risco.

vii. O Tribunal errou, assim, na interpretação que fez do art. 503º a 505º do C.C.

viii. Por fim e por cautela, como se evidenciou a fls. 30 e 31 supra, a propósito do Ac. do TJUE, de 14/09/2017, disponível no sítio da internet deste Tribunal, e atendendo ao primado do direito comunitário, a decisão recorrida violou a 1ª e 3ª directiva lá melhor identificadas, que se opõem a uma regulamentação nacional que exclua o condutor enquanto beneficiário da responsabilidade pelo risco.” Pugnam pela revogação da sentença condenando a ré X no peticionado.

*A ré apresentou contra-alegações.

*O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

*Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

*Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do/a recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são: A) Apurar se houve erro na apreciação da matéria de facto; B) E apurar se houve erro na subsunção jurídica.

*II – Fundamentação Foram considerados provados os seguintes factos: 1. O autor D. F. é filho...

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