Acórdão nº 2170/18.2T8VCT-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ CRAVO
Data da Resolução16 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Relator: Des. José Cravo 1º Adjunto: Des. António Figueiredo de Almeida 2º Adjunto: Desª Raquel Baptista Tavares *Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães *1 – RELATÓRIO S. R.

, de nacionalidade portuguesa, residente em França, veio, por apenso ao divórcio sem consentimento do outro cônjuge que instaurou contra A. P.

, de nacionalidade portuguesa, também residente em França, intentar acção(1) de regulação das responsabilidades parentais em relação aos filhos menores J. D., I. D. e J. S..

Realizada a conferência de pais, foram ouvidos os menores J. D. e I. D., que declararam preferir ficar a residir com o pai, mantendo visitas da progenitora. As partes não chegaram a acordo pelo que foi fixado um regime provisório de visitas e uma quantia a título de alimentos para cada menor.

Os progenitores foram remetidos para audição técnica especializada.

Após junção do relatório da ATE (cfr. fls. 14 e ss.), o MP excepcionou a incompetência internacional deste Tribunal pelos argumentos doutamente expostos a fls. 18 e ss.

Notificados para se pronunciar, vieram os progenitores pugnar pela improcedência da invocada excepção.

Conhecendo da suscitada excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, pronunciou-se o Tribunal a quo nos seguintes termos: (…) Cumpre decidir.

Resulta dos autos que: - À data da instauração da presente acção, 23/10/18, a requerente, requerido e as crianças residiam em França, em …, como ainda residem actualmente (cfr. relatório da ATE); - Requerente e requerido são pais de J. D., I. D. e J. S. (certidões de fls. 6, 7 e 19); - Os menores J. D. e I. D. nasceram a ..

/..

/2005 em Ponte da Barca; - O menor João nasceu em ..

/../2010 em França; - Requerente e requerido têm nacionalidade portuguesa; - Requerente e requerido residem em França há tempo indeterminado, mas pelo menos desde os quatro anos dos filhos J. D. e I. D. (cfr. fls. 9).

Perante este quadro factual, é preciso observar o que o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, prescreve a respeito da competência em matéria de responsabilidade parental.

A expressão "responsabilidade parental" é definida em termos amplos e abrange todos os direitos e deveres do titular da responsabilidade parental em relação à pessoa ou aos bens da criança. Tal compreende não só o direito de guarda e o direito de visita, mas igualmente matérias como a tutela e a colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição.

No caso concreto há que observar o que o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, prescreve a respeito da competência em matéria de responsabilidade parental.

As normas em matéria de competência previstas nos artigos 8.° a 14.° do referido Regulamento estabelecem um sistema completo relativo aos fundamentos da competência para determinar o Estado-Membro cujos tribunais são competentes.

O princípio fundamental do Regulamento é que o foro mais apropriado em matéria de responsabilidade parental é o tribunal competente do Estado-Membro da residência habitual da criança. Todavia, tal regra pode ser afastada, preenchidas que sejam as circunstâncias dos arts. 9º a 12º do Regulamento.

Ora, nos termos do art. 12º, nº 1 do referido regulamento “os tribunais do Estado-Membro que, por força do art. 3º, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando: a) pelo menos um dos cônjuges exerça a responsabilidade parental em relação à criança; b) a competência desses tribunais tenha sido aceite expressamente ou de qualquer forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança”.

Como se disse, o critério preferencial é o da residência da criança, podendo ser tal regra afastada desde que ressalvado o superior interesse da criança.

O conceito de "residência habitual", não é definido pelo Regulamento, devendo antes ser determinado pelo juiz em cada caso com base nos elementos do processo. Não se trata de um conceito de residência habitual com base na legislação nacional, mas de uma noção "autónoma" da legislação comunitária. A determinação caso a caso pelo juiz implica que enquanto o adjectivo "habitual" tende a indicar uma certa duração, não se pode excluir que uma criança possa adquirir a residência habitual num Estado-Membro no próprio dia da sua chegada, dependendo de elementos de facto do caso concreto.

No caso dos autos, à data da instauração da presente acção e da acção de divórcio, as crianças viviam com o pai em França e é lá que têm há largos anos a sua vivência quotidiana: é lá que vão à escola e é lá que, certamente têm as suas amizades. É nesse país que têm o seu centro de vida, com carácter duradouro. Note-se que o filho mais novo nasceu em França em 2010.

Posto isto, importa saber se se verificam as circunstâncias previstas naquele nº 3 do art. 12º do Regulamento.

É certo que este tribunal é competente, ao abrigo do art. 3º para decidir da acção de divórcio. Também é certo que é um dos cônjuges que tem vindo a exercer a responsabilidade parental em relação aos filhos. No entanto, mesmo que a competência deste tribunal tivesse sido expressamente aceite ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges, o certo é que o superior interessa das crianças desaconselha fortemente que esta acção seja apreciada e decidida neste país.

Efectivamente, de acordo com o relatório de ATE junto aos autos “o requerido apresenta-se muito centrado no conflito que o opõe à mãe dos seus filhos desde a separação conjugal (em Março de 2018) em detrimento dos legítimos interesses dos filhos. Revela dificuldade em entender que os descendentes necessitam de vincular à mãe (da mesma forma que se devem ligar ao pai) escudando-se no pressuposto de os filhos não quererem conviver com a mãe (…) Tendo em atenção a intensidade dos conflitos que se desenvolvem entre as partes e as suas repercussões no equilíbrio emocional e psicológico dos menores, sinalizamos a situação junto da CPCJ de Ponte da Barca” – cfr. fls. 15 e 16. Ainda na sinalização que é efectuada à CPCJ, é referido que o processo deve “ser objecto de acompanhamento em França” – cfr. fls. 16 vº.

Perante este quadro factual e porque em sede de audição das crianças também verificámos que estas sentem neste momento uma forte oposição à presença da mãe, entendemos que o tribunal melhor colocado para decidir a causa é o tribunal francês. Na verdade, é lá que as crianças poderão ser ouvidas com a regularidade necessária por psicólogos ou técnicos especializados para o efeito, que permita a sua reaproximação à mãe. Também é lá que poderão ser aplicados os meios coercivos necessários para o caso de haver incumprimentos ao regime de visitas que vier a ser...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT