Acórdão nº 1012/15.5T8VRL-AW.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ CRAVO
Data da Resolução16 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães *1 – RELATÓRIO Por apenso aos autos (1) em que foi declarada a insolvência de M. R., Ldª, foi apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência a relação de créditos a que se refere o artigo 129º do CIRE.

A relação de créditos foi impugnada pelo credor Banco ... – Banco ..., S.A., actualmente substituído processualmente por X, SA e Banco ..., SA, na parte em que é reconhecido o crédito no montante de € 50.000,00 garantido com direito de retenção reclamado por A. M., referente à fracção autónoma designada pela letra “N”, integrante do prédio urbano sito na freguesia e concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Civil sob o nº ....

  1. M. também apresentou impugnação à lista do art. 129º/1 do CIRE, defendendo que lhe deveria ter sido reconhecido o montante de € 100.000,00, por entender beneficiar de direito de retenção relativamente ao mesmo imóvel, tendo o Banco ... exercido a faculdade prevista no art. 131º/1 do CIRE, reafirmando a posição sustentada no articulado de oposição que oferecera.

    Dispensada a realização de audiência preliminar, em 19-10-2018, foi proferido despacho saneador, prosseguindo os autos para apreciação da impugnação do crédito reconhecido a A. M..

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do pertinente formalismo legal.

    No final, foi proferida decisão em 17-12-2018, nos seguintes termos: Em face de todo o exposto, decide-se: a) Julgar improcedente a impugnação suscitada pelo Banco ... – Banco ..., S.A. relativamente ao crédito reconhecido, sob o n.º 4, a A. M., na lista da ref. n.º 625549 (cfr. artigo 129.º, n.º 1, do C.I.R.E.); b) Julgar procedente a impugnação aduzida por A. M. quanto ao crédito por si reclamado e parcialmente reconhecido, sob o n.º 4, na lista da ref. n.º 625549 (cfr. artigo 129.º, n.º 1, do C.I.R.E.); e, consequentemente, c) Decide-se reconhecer o crédito reclamado por A. M., no montante de € 100.000,00 (cem mil euros), o qual beneficia de direito de retenção, relativamente à fracção autónoma designada pela letra “N”, integrante do prédio urbano sito na freguesia e concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….º; d) Condenar as credoras X, S.A. e Banco ..., S.A. nas custas do incidente de impugnação relativo ao crédito invocado por A. M., fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) U.C.

    – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. e 7.º, n.ºs 4 e 7, do R.C.P.

    *Registe e notifique.

    * Inconformada com essa sentença, apresentou a credora X, SA recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: A.

    Vem a aqui Recorrente interpor o presente recurso da sentença que reconhece o crédito reclamado pela credora A. M.

    , pelo valor de € 100.0000,00 (cem mil euros), garantido por direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pela letra “N”, por não se conformar com a mesma.

    B.

    A matéria de facto assente e dada como provada na douta sentença em apreço e relevante para a boa decisão da causa é a seguinte: 1. Por sentença de 10/07/2015, transitada em julgado, foi decretada a insolvência de “M. R., Lda.”.

    1. Consta dos autos um documento denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, na qual intervieram M. R. (na qualidade de gerente da insolvente) e A. M., datado de 04/09/2010, no qual foi declarado que a insolvente prometia vender, livre de quaisquer ónus e encargos, àquela, que por sua vez prometia comprar, «(…) a fracção autónoma tipo T3, no ..

      Andar … com 3 frentes, com 1 lugar de garagem na cave do edifício, situado no prédio urbano a construir em regime de propriedade horizontal, no lote n.º ..

      , inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ...

      sob o artigo ...

      e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º ...

      (…)” ajustando-se como preço o montante de € 145.000,00 (englobando € 50.000,00 “a título de sinal e princípio de pagamento (…) que pelo presente lhe dá quitação” e o montante de € 95.000,00, a pagar no acto da outorga do contrato prometido), estipulando se que a marcação do negócio definitivo caberia à insolvente e convencionando-se ainda que “(…) na data da conclusão da obra, poderá a primeira outorgante entregar à segunda outorgante a chave da fracção ora prometida vender, desde que, essa última, apresente àquela, uma garantia bancária do pontual e integral cumprimento do presente contrato promessa, no valor correspondente ao preço em dívida”, bem como que “(…) no caso de incumprimento do presente contrato, por parte da Primeira Outorgante, assistirá à Segunda Outorgante a faculdade de exigir àquele o dobro da quantia paga a título de sinal”, e nos demais termos apostos no documento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

    2. Em 14/10/2015 o Sr. Administrador da Insolvência outorgou título de constituição de propriedade horizontal na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro, relativamente ao prédio urbano sito na freguesia e concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...

      e inscrito na matriz predial sob o artigo ..

      .º, daí resultando a constituição das fracções autónomas A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P, nos termos apostos nesse acto (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

    3. Em 15/09/2014 o prédio descrito sob o n.º ...

      foi penhorado no processo executivo n.º 414/14.9TBVRL, que correu termos no Juízo de Execução de Chaves.

    4. As fracções autónomas integrantes do prédio descrito sob o n.º ...

      foram apreendidas para a massa insolvente sob as verbas n.ºs 36 a 51.

    5. Foram inscritos no registo relativo às fracções autónomas integrantes do prédio descrito sob o n.º ...

      os seguintes factos, com relevo para a boa decisão da causa: # aquisição do direito de propriedade a favor da insolvente - cfr. ap. n.º 1, de 09/12/1991.

    6. Em 08/09/2010 foi pago um cheque no montante de € 25.000,00, emitido a favor da insolvente, sacado por L. M., sobre a conta n.º ...

      , do Banco ...

      , S.A., datado de 07/09/2010, de que aquela é co-titular.

    7. Em 08/09/2010 foi pago um cheque no montante de € 25.000,00, emitido a favor da insolvente, sacado por M. P., sobre a conta n.º 7412200, da Caixa ...

      , S.A., datado de 07/09/2010, de que aquela é co-titular.

    8. L. M. e M. P. pagaram à insolvente os montantes apostos nos cheques indicados em 10 e 11 a pedido de A. M., tendo adiantado os quantitativos que esta esperava receber com a venda de um outro imóvel e que ulteriormente lhes entregou.

    9. Em 06/10/2014 o Sr. Agente de Execução nomeado no processo n.º 414/14.9TBVRL procedeu ao arrombamento e mudança de fechaduras das portas de acesso aos edifícios implantados no prédio descrito sob o n.º ....

      C.

      Não existe matéria de facto dada como não provada.

      D.

      Ao contrário do entendimento do douto Tribunal a quo, não ficou provado o seguinte facto: 1. A fração destinava-se à sua habitação.

      E.

      Em sede de audiência e discussão de julgamento e com o depoimento das várias testemunhas arroladas pela credora, ficou claro e tal como consta da douta sentença ora recorrida, que a mesma residia alegadamente na fração apenas aos fins-de-semana, não sendo esta a sua residência habitual e permanente.

      F.

      Ou seja, a Credora apenas foi ocupar o dito imóvel, anos depois da celebração do contrato-promessa e mesmo depois de entregue as chaves do mesmo, que ocorreu em 7 de Abril de 2014 (4 anos depois da celebração do contrato-promessa).

      G.

      Dir-se-á que andou mal o douto Tribunal ao considerar que a Credora habita o dito apartamento desde a entrega das chaves, ao mesmo tempo que afirma que a mesma apenas o utilizava aos fins-de-semana, não sendo esta a sua residência habitual e permanente.

      H.

      Assim, padece o direito de retenção de três pressupostos, que são os seguintes: 1. A existência de um crédito emergente de promessa de transmissão ou constituição de um direito real, que pode não coincidir com o direito de propriedade; 2. A entrega ou tradição da coisa abrangida ou objecto da promessa; 3. O incumprimento definitivo da promessa imputável ao promitente, como fonte do crédito do retentor.

      I.

      Por conseguinte, para existir traditio da coisa, tem que se confirmar a posse do bem a que respeita e, consequentemente, a coisa objeto do contrato-promessa tem que se encontrar apta a desempenhar a função a que se destina, no caso sub judice, à habitação (vide neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-12-2013, consultável em http://www.dgsi.pt).

      J.

      No caso em apreço, ficou provado que a fração objeto do contrato-promessa, não foi logo habitada pela Credora que a utilizou alegadamente, apenas aos fins-de-semana e que esta não constituía, àquela data, a sua residência habitual, própria e permanente.

      K.

      Desta feita, conclui-se muito resumidamente de tudo o supra explanado que não estão preenchidos os pressupostos do direito de retenção, nos termos dos artigos 754.º e ss do CC, porquanto nunca houve traditio da coisa, nem posse do bem imóvel sub judice.

      L.

      Chegados a esta parte não pode a aqui Recorrente concordar com o reconhecimento do sinal em dobro à Credora, porquanto decorre da Jurisprudência que é pressuposto para a restituição do sinal em dobro que o contrato-promessa seja resolvido...

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