Acórdão nº 2115/15.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelHEITOR GONÇALVES
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães I.

(…) demandou nesta acção declarativa a ré “…” (actual “…”), pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 243.354,71, acrescida de juros legais contados da citação, para ressarcimento dos danos patrimoniais e danos não patrimoniais sofridos em consequência do atropelamento de que foi vítima em 21.06.2013, na EN … que liga …, imputando a culpa ao condutor do veículo de matrícula …, pois conduzia à velocidade de 90km/hora num local onde o limite assinalado é de 50km/hora.

Na contestação, a ré pugna pela improcedência da ação, alegando para o efeito que o atropelamento é exclusivamente da culpa da vítima por, ao caminhar na berma direita da estrada, subitamente atravessou a via quando o veículo estava a cerca de 15 metros de distância, circulando a uma velocidade não superior a 40 km/hora.

  1. No final dos articulados, foram enunciados os temas da prova, seguido de despacho de apreciação dos meios de prova requeridos pelas partes, entre os quais a realização de perícia para avaliação do dano corporal à pessoa do Autor, e no subsequente despacho de 26.04.2018 foi ordenada a apensação aos presentes autos do procº n.º … da Instância Local de Fafe, onde o o “Hospital(…) .” pediu a condenação da ré “…” no pagamento da quantia de €8.429,52, correspondente a custos de tratamento das lesões sofridas pelo autor em consequência do descrito acidente de viação.

    Em sede de audiência foi admitido o articulado superveniente de 29.06.2018, em que a ré pediu o abatimento à indemnização que eventualmente deva pagar das verbas que o A. recebeu do CNP de pensão de invalidez, bem como das que vier a receber futuramente, à indemnização que haja de pagar ao A. José.

  2. A sentença final julgo parcialmente procedente o pedido dos demandantes, tendo condenado a Ré seguradora: a) a pagar ao autor (..) a quantia de € 25.922,35 (vinte e cinco mil, novecentos e vinte e dois euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal, vencidos e vincendos sobre a quantia de € 15.922,35 desde a data da citação, e vincendos sobre a quantia de € 10.000,00, desde a data da decisão, em ambos os casos até efectivo e integral pagamento; e b) a pagar ao “Hospital (…) a quantia de € 3.993,07, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação da Ré até efectivo e integral pagamento.

  3. A ré seguradora recorre dessa sentença condenatória, tendo terminado com as seguintes conclusões: 1- Na douta sentença sob censura o julgador deu como provado que o A, depois de ter saído de sua casa, “circulou a pé pela berma direita da EN …, no sentido(…) ”, e que “ficou por momentos parado na berma” antes de iniciar o atravessamento da estrada; 2 - Esses factos não foram alegados pelas partes, as quais avançaram ambas com a versão de que o A, depois de sair de casa, iniciou o atravessamento da via; 3- No seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 25/05/2018, nas passagens dos minutos 16m07s a 17m44s, e 26m50s a 27m18s, acima transcritas, a testemunha (…) , declarou que, quando avistou o Autor a parar na berma e não obstante não tenha notado qualquer ato que permitisse antever que iria atravessar a estrada, retirou o pé do acelerador do veículo e colocou-o sobre o pedal do travão.

    4- Este facto é complementar em relação a outros alegados pelas partes nos seus articulados (cfr, nomeadamente, o alegado no artigo 9º da PI e 30º da contestação da Ré), é relevante para a boa decisão da causa e constitui um antecedente lógico relativamente à factualidade dos pontos 4 e 7 da matéria de facto dada como provada, sendo certo que sobre o mesmo foi exercido o devido contraditório pelos AA, nomeadamente no decurso da instância e contra-instância da aludida testemunha.

    5- Assim, nos termos do disposto no artigo 5º n.º 2 alínea b) do CPC, deveria ter sido dado como provado que “quando o condutor do IP avistou o Autor a parar na berma, retirou o pé do acelerador e colocou-o sobre o pedal do travão”, o que se requer; 6- Assim não se entendendo e face à previsão da norma do artigo 5º n.º 2 alínea b) do CPC, ao não dar como provado esse facto o jugador deixou de se pronunciar sobre questão que deveria conhecer, o que sempre acarretaria a nulidade da douta sentença (cf. artigo 615º n.º 1 alínea d) do CPC), nulidade que, expressamente e a título subsidiário, se invoca.

    7- Tal como se entendeu na fundamentação da douta sentença, é indiscutível que o A, ao atravessar uma estrada em local onde esta desenhava uma reta, com visibilidade de cerca de 100 metros para a sua esquerda, sem tomar qualquer cuidado ou se inteirar do transito que aí se processava, a 50 m de uma passadeira e num momento em que um veículo se aproximava de si e se encontrava a uma distância de cerca de 15 metros, violou a Lei e as mais elementares regras de prudência; 8. - Estas contravenções foram praticadas pelo A por ter agido com notória negligência e imprudência, já que é de censurar a atuação de alguém que, pretendendo atravessar a estrada, em local onde esta desenha uma reta e propicia perfeitas condições de visibilidade, o faz no momento em que um automóvel se encontra a uma distancia de poucos metros de si, sem tentar sequer aperceber-se do trânsito que se processa na via e fora da passadeira.

    9- Julgamos que esse juízo de censura que é dirigido ao A deve conduzir à conclusão de que só este contribuiu para a eclosão do sinistro.

    10- A conduta do automobilista não contribui para a ocorrência do acidente, nem para ao agravamento dos danos.

    11- Não obstante se tenha provado que o automóvel circulava a uma velocidade de 57 km/h em local onde a velocidade máxima permitida era de 50 km/h, essa eventual infração não deu causa ao acidente, na medida em que mesmo que o carro circulasse a velocidade inferior o acidente ter-se-ia, igualmente, dado.

    12- Os estudos de distâncias médias de travagem e paragem, elaborados por especialistas e disponíveis para consulta em vários sites – nomeadamente o da Prevenção Rodoviária Portuguesa, in www.prp.pt, onde é possível fazer uma simulação – indicam-nos que, em condições normais, um veículo que circula a 50 km/h necessita de cerca de 29 metros para se imobilizar e um veículo que circule a 40 km/h necessita de 21 metros para parar por completo.

    13- Assim, mesmo a uma velocidade de 50 km/h, ou à de 40 km/h, o automóvel teria sempre colhido o autor a atravessar a estrada, em face da curta distância de não mais de 15 metros a que estavam um do outro quando o A iniciou essa travessia.

    14- Daí decorre a total irrelevância da concreta velocidade de que ia animado o carro para a eclosão do acidente em apreço.

    15- Tão pouco se pode dizer – e, aliás, o julgador apenas o refere como mera hipótese – que a circulação a velocidade inferior à que seguia o automóvel, associada o desvio, teria permitido evitar a colisão, já que, na verdade, esse desvio foi feito e, ainda assim não preveniu a colisão, sendo ainda certo que, fosse a uma velocidade de 50 km/h, fosse à de 40 km/h, aquele desvio à esquerda nunca alteraria a distância de paragem necessária, a qual se estenderia sempre por distância superior àquela a que o carro se encontrava do demandante quando este invadiu a estrada 16- Também não se provou que a ultrapassagem em 7km/h do limite estabelecido para o tenha contribuído para o agravamento dos seus danos.

    17- A existência de efetiva relação entre a circulação a uma velocidade superior em 7 km/h à do limite para o local e o agravamento dos danos não surge como algo intuitivo, antes sendo natural admitir o inverso.

    18- O A, fruto do embate, foi projetado a uma distância de 6,8 metros do local da colisão, o que não evidencia um impacto especialmente violento e seria igualmente de esperar que se verificasse, face à evidente diferença entre a massa do autor e do veículo, mesmo que o carro progredisse a velocidade inferior.

    19- E, lendo-se a descrição dos danos sofridos, não se consegue detetar qualquer particularidade que surja associada àquele excesso de velocidade, na certeza de que, mesmo que o carro progredisse a velocidade inferior, o mero impacto no peão seria sempre suscetível de causar a projeção deste, a fratura de arcos costais e, não dispondo o A – como não tinha de dispor – de capacete, o traumatismo crânio encefálico que sofreu.

    20- Cabia ao A provar que foi o excesso de velocidade (em 7km/h) que agravou os seus danos, ónus que não logrou satisfazer, não se podendo, também, presumir que tal tenha sucedido; 21- Logo, a velocidade a que seguia o veículo, atendendo às circunstâncias do acidente, não integra o seu processo causal, o qual nasce e se desenvolve apenas ao redor de um ato perfeitamente temerário do próprio A, que consistiu no atravessamento de uma estrada quando um carro se encontrava a 15 metros de si.

    22- Tão pouco se pode concluir que, em face dos factos dados como provados, se impusesse ao condutor do automóvel uma atuação diversa; 23- Caminhando o A na berma e o automóvel na via, só se pode admitir que as trajectórias de ambos confluíssem se o veículo invadisse a berma, ou o peão a estrada.

    24- A menos que se tivesse provado que alguma circunstância, associada à forma como o peão caminhava ou se posicionava na...

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