Acórdão nº 2412/17.1T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO Recorrente: (…) Recorridos: (…) (..) residente na Rua (..), Vila do Conde, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra (..) e mulher, (…), residentes na Rua (…), (…) ..., pedindo que: 1- se declare que os Réus entraram em incumprimento e, como consequência, perderam a possibilidade definitiva de resolver a dação em pagamento (venda a retro), conforme o estipulado na escritura pública e no documento de confissão de dívida e acordo de pagamento datado de 10.08.2016; 2- se declare que os Réus perderam, de forma definitiva, a possibilidade de resolver a dação e de reaver o imóvel identificado como prédio urbano composto por casa de habitação de três pisos e logradouro, localizado na Rua da (…)da freguesia de (…) (…), concelho de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo …, com o VPT de cinquenta mil quinhentos e noventa euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º … (…), mediante a entrega do valor de € 190.000,00 (cento e noventa mil euros); 3- se declare a resolução do contrato de comodato celebrado entre as partes no dia 10.08.2016, através de escritura pública e, em consequência, sejam condenados à restituição do imóvel identificado em 2., livre de pessoas e bens; e 4- se ordene o cancelamento da AP. n.º (…) e convertida em definitivo pela AP. (…) de 2016/09/14, com a cláusula «Direito potestativo de resolver a dação que poderá exercer até ao dia 18/08/2021».

Para tanto alega, em síntese, que por força da venda de gado bovino aos Réus, estes deviam-lhe € 190.000,00, pelo que instaurou processos executivos contra os mesmos; Como o Réu não dispunha de meios suficientes para saldar a dívida, este acordou com o Autor dar em pagamento o prédio, a si pertencente, correspondente à sua habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, sito na freguesia de Rio … (…); Esse acordo foi formalizado através de escritura de confissão de dívida e de dação em pagamento celebrada a 10.08.2016, junta aos autos a fls.10 a 12; Nessa escritura, o Autor conferiu ao Réu o direito à resolução da dação de pagamento até 28.08.2023, sujeito às regras previstas nos artigos 927º e seguintes do Código Civil; Para além disso, nessa escritura, foi acordado que os Réus poderiam continuar a habitar o imóvel; Conforme ficou a constar na escritura, as condições da restituição foram objeto de documento particular, no qual foi estabelecido que o Réu, para reaver o prédio, teria de proceder ao pagamento da quantia em dívida em 14 (catorze) prestações semestrais e que, em caso de incumprimento de qualquer uma das prestações, perderia, de forma definitiva, o direito potestativo de resolver a dação em pagamento; No dia 28.02.2017, os Réus não procederam ao pagamento da primeira prestação e, em consequência, o Autor comunicou-lhes o incumprimento e reclamou a entrega do prédio; Acontece que até à data os Réus mantêm-se a habitar no imóvel, recusando-se a restituir-lho, apesar de se ter vencido outra prestação, que não foi paga.

Os Réus contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invocaram a exceção de não cumprimento do contrato, alegando ter sido condição essencial e imprescindível para a celebração da escritura de dação em pagamento que o Autor desistisse de todos os processos executivos pendentes contra o Réu marido e respetiva família e que o Autor lhe transmitisse, ou a sociedade por este indicada, mais 120 cabeças de gado; Acontece que o Autor incumpriu o compromisso de desistência dos processos executivos e, bem assim, a obrigação de transmitir as referidas cento e vinte cabeças de gado; Acresce que ainda que se considere ter havido incumprimento contratual da parte dos Réus, esse incumprimento não pode ter como efeito a resolução do contrato de comodato, pois que na escritura foi assegurado aos Réus o direito de habitar gratuitamente naquele prédio até ao dia 28.08.2023, não tendo a Ré mulher assinado ou aceite as condições vertidas no documento particular relativo ao modo de pagamento da dívida ao Autor, motivo pelo qual esta nunca se vinculou a proceder à entrega do imóvel antes daquela data de 28.08.2023; Concluíram pela improcedência da ação.

Notificou-se o Autor para, querendo, responder à matéria de exceção alegada pelos Réus na contestação.

O Autor acatou esse convite, impugnando a matéria de exceção invocada pelos Réus, sustentando ter comunicado aos processos executivos a liquidação das dívidas exequendas, processos esses que, inclusivamente, já se encontram findos; Mais alega que os Réus sempre podiam ter feito essa comunicação aos processos executivos por sua iniciativa; Acresce que os Ré nunca lhe transmitiram que consideravam que o Autor estivesse em incumprimento para consigo e que o cumprimento das obrigações contratuais que assumiram para com aquele estava dependente da invocada comunicação aos processos executivos.

Conclui pela improcedência da exceção invocada pelos Réus e como na petição inicial.

Por despacho de fls. 50 e 51 fixou-se o valor da ação em 190.000,00 euros e declarou-se a Instância Local Cível de ... incompetente para apreciar a presente ação e competente para o efeito a Instância Central Cível de Braga, para onde foram remetidos os autos.

Realizou-se audiência prévia, onde após suspensão da instância a requerimento das partes, com vista à resolução amigável do presente litígio, que se frustrou, convidou-se os Réus a esclareceram a data em que o Autor procedeu à transmissão da titularidade das 120 cabeças de gado.

Os Réus acataram esse convite, sustentando que essa transmissão ocorreu a 20.09.2016, o que foi impugnado pelo Autor.

Convidou-se o Autor a indicar a data em que procedeu à comunicação aos processos executivos da liquidação da dívida pelo Réu marido, que também acatou esse convite, alegando que essa comunicação teve lugar a 08.02.2018, o que foi aceite pelo Autor.

Proferiu-se despacho saneador, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram objeto de reclamação.

Apreciou-se os requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final.

Realizada audiência final, reabriu-se a mesma com vista a notificar as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual nulidade, por vício de forma, do escrito particular junto aos autos como documento n.º 3, respeitante ao modo de exercício do direito à resolução da dação em pagamento corporizada na escritura de 10.08.2016.

Nessa sequência, o Autor respondeu sustentando que o documento junto aos autos como documento n.º 3 não tem de obedecer aos requisitos legais da escritura pública, porque diz respeito ao modo e aos termos de pagamento do valor em dívida, ou seja, refere-se ao valor da dívida do contrato de compra e venda de gado bovino que foi celebrado entre Autor e Réu e que deu origem às ações executivas e à dação em pagamento e foi celebrado na qualidade de comerciantes; Ora, tratando-se de um acordo e confissão de dívida comercial, que incide sobre negócios do Réu-marido, não sendo a Ré-mulher comerciante, na sua perspetiva, esta não tinha que assinar os termos daquele documento, sequer considerar-se devedora dessa dívida, até porque, quanto ao modo de exercício do direito de resolução da dação, o mesmo consta da escritura pública, na qual a Ré-mulher assinou e de cujo teor tomou conhecimento.

Conclui pela não verificação do vício de forma em relação ao referido documento particular de fls. 12 verso a 13 verso.

Por sua vez, os Réus responderam sustentando que as cláusulas atinentes ao efetivo exercício do direito à resolução da dação em pagamento não seguem a forma prescrita na lei, uma vez que deveriam constar de escritura pública ou de documento particular autenticado, sendo o escrito particular junto como documento n.º 3 nulo por vício de forma.

Proferiu-se sentença, julgando nula, por vício de forma, a confissão de dívida e acordo de pagamento de fls. 12 verso a 13 verso, na parte em que prevê a perda definitiva do direito a resolver a dação em pagamento a que se reporta a alínea 7 dos factos provados e improcedente a ação, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Em face do exposto: 1- Julgo nula, por vício de forma, a Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento, 12/verso a 13/verso, na parte em que prevê a perda definitiva do direito de resolver a dação em pagamento a que se reporta a al. 7., dos factos provados; e, em consequência, 2- Julgo improcedente a presente ação, absolvendo os Réus dos pedidos contra eles formulados.

As custas são da responsabilidade do Autor, por força do seu decaimento (cfr. artigo 527º/1/2, do CPCiv)”.

Inconformado com o assim decidido, veio o Autor interpor o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões: 1. O Autor e o Réu celebraram em 02.08.2016, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de ...

, Dr. (…), uma confissão de dívida com dação em pagamento e comodato de prédio urbano - Doc. n.º 1 que será reproduzido para os efeitos.

  1. Tal escritura versou sobre um imóvel identificado como um prédio urbano composto por casa de habitação de três pisos e logradouro, localizado na Rua da (..) da freguesia de (…) (…), concelho de …, inscrito na matriz urbana sob o artigo … com o VPT de cinquenta mil quinhentos e noventa euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de ...

    , sob o número (…) - mil e setenta e cinco/… (…), mediante a entrega do valor de cento e noventa mil euros.

  2. Foi estipulado na dita escritura o seguinte: a) “Que é devedor (os réus) ao segundo outorgante da quantia de cento e noventa mil euros) relativo ao preço que não foi pago pela aquisição de gado bovino”; b) E mais disse o segundo outorgante (aqui os réus) que não tendo outra possibilidade de pagar o referido valor, pela presente escritura e como forma de pagamento integral dessa dívida, dá, livre de ónus e encargos, ao segundo outorgante (o autor), o imóvel supra...

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