Acórdão nº 190/18.6YRGMR de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1. RELATÓRIO 1.1.

– Partes e objecto da causa (…), cidadão de nacionalidade portuguesa, residente em França, instaurou, em 19-10-2018, nesta Relação, contra (…), residente em Carrazeda de Ansiães, a presente Acção Especial, ao abrigo dos artºs 978º e sgs., do CPC.

Alegou, em síntese, que, “por decisão emitida em 2 de Julho de 2014 pela Conservatória do Registo Civil … de (…), órgão competente para o efeito, no âmbito do processo de Divórcio Consensual, foi decretado o divórcio e dissolvido o casamento entre o requerente e a requerida – conforme Decisão de Divórcio devidamente traduzida e certificada, que ora se junta”.

Mais alegou que “Tal decisão transitou em julgado na mesma data, tendo sido ordenado o respectivo averbamento ao registo civil” e, enfim, que, relativamente à mesma, estão verificados todos os demais requisitos previstos no artº 980º, CPC, como necessários para ela ser confirmada.

Consequentemente, pediu que “deve a final ser confirmada a Decisão em questão, para todos os devidos efeitos legais, designadamente, para que o divórcio produza todos os seus efeitos em Portugal”.

Juntou cópia do seu Cartão de Cidadão e de um documento alusivo ao divórcio provindo da Ucrânia.

Em 23-10-2018, pelo Relator foi proferido o seguinte despacho: “O regime legal invocado e este processo especial visam a revisão e confirmação de decisão (normalmente, sentença) proferida por tribunal estrangeiro, que, como é óbvio, deve ser junta para poder ser analisada – artº 978º, e sgs., CPC.

Além disso, destinando-se a produzir efeitos na ordem jurídica nacional (portuguesa), necessário é que com esta se demonstre ter aquela qualquer conexão justificativa do interesse em desencadear e obter a revisão.

Ora, no caso nenhuma sentença (ou decisão equiparada) que tivesse sido proferida por um tribunal ucraniano se invoca, nem junta.

A decisão parece ter sido meramente administrativa (do Conservador do Registo Civil). E o acto documentado a rever consubstancia-se, apenas, numa certidão do registo conservatorial do divórcio.

Nem sequer, portanto, se trata da decisão do Conservador mas do seu mero registo, sendo que o registo de um certo acto (ou do seu efeito) não se confunde com o próprio acto.

Não se pode, pois, falar de sentença, nem do seu trânsito em julgado. De resto, alude-se à entidade que emitiu a certidão e não à que, proferindo o divórcio, teria emitido a pressuposta decisão.

A não haver sentença, perspectiva-se falta de causa de pedir. Tanto mais que os meros actos de registo lavrados por autoridades estrangeiras e no estrangeiro têm um regime de ingressa no registo civil nacional previsto no artº 6º, do C. Registo Civil, que não é o de revisão de sentença estrangeira.

Do mesmo passo, provindo o acto da Ucrânia e respeitando a cidadãos ucranianos, nada se sabe sobre a razão ou interesse em revê-lo e confirmá-lo perante a ordem jurídica portuguesa. É que nem sequer o Assento de Casamento porventura cá realizado ou, pelo menos, cá transcrito, se invoca e junta.

Pelo exposto, convida-se o requerente a pronunciar-se sobre a referida falta de causa de pedir e falta de interesse em agir, no prazo de 10 dias, nos termos que entender convenientes e/ou juntar os documentos adequados, com a advertência de que, findo o mesmo, se tomará posição, na perspectiva da validade do processo e da regularidade da instância, quanto ao desfecho dos mesmos.” Após, o requerente esclareceu que o seu casamento, contraído na Ucrânia, está averbado ao seu Assento de Nascimento transcrito em Portugal e daí o seu interesse e requereu prazo para juntar a certidão da decisão de divórcio.

Os autos ficaram a aguardá-la.

Entretanto, em 15-02-2019, o demandante apresentou requerimento alegando que foi informado que o documento/certidão do registo é o único que existe e serve de prova do divórcio, pelo que entende que ele “é válido” para o fim aqui pretendido, “tem força de sentença judicial” e foi emitido “no âmbito de um processo de dissolução do casamento por mútuo consentimento, realizado em sede administrativa”.

Juntou cópia de emails sobre o assunto recebidos da Embaixada da Ucrânia em Lisboa.

Em 19-02-2019, pelo Relator, foi proferido o seguinte despacho: “Como resulta das informações juntas e agora o requerente reconhece e esclarece, o seu divórcio teria sido decidido por mútuo consentimento, no âmbito de mero procedimento administrativo e por entidade administrativa – não num processo judicial, por um tribunal e mediante sentença “transitada em julgado”.

Inexiste, pois, uma sentença que possa e deva ser objecto da pretendia revisão e confirmação.

Por outro lado, parece nem sequer estarmos perante o acto ou decisão material proferido pela autoridade administrativa estrangeira, mas apenas em face do seu alegado resultado (o divórcio e seu registo na conservatória respectiva) comprovado pela certidão emitida.

Permanece, pois, a questão de saber a que acto ou decisão de carácter material (ainda que administrativo) hão-de referir-se os requisitos e condições que é suposto deverem ser apreciados no processo de revisão e que constituem o objecto deste.

Se, com efeito, na base e origem da certidão de divórcio e seu registo apenas esteve o “mútuo consentimento” declarado pelos ex-cônjuges e se tais declarações de vontade, face à lei ucraniana, bastam para extinguir o vínculo conjugal, é questionável se, afinal, esse “negócio” cabe no processo de “revisão de sentença estrangeira” em Portugal, o que é que nele há-de, de juridicamente constitutivo, para ser “revisto” e “confirmado” em face da ordem jurídica nacional e, portanto, constituir o seu objecto, e se há qualquer necessidade e interesse numa tal demanda, como ocorreu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 17-01-2013, processo nº 623/12.5YRLSB-6.

O problema, como se vê, não é, apenas, de prova. Se o fosse, deveria ter-se em conta o disposto no artº 365º, do C. Civil.

Acresce que, para efeitos de ingresso, mediante averbamento – artºs 69º, nº 1, a), e 70º, nº 1, b), do CRC – do facto extintivo no registo civil português (onde consta registado o casamento), não está em causa uma situação do tipo previsto no artº 7º, do Código de Registo Civil, carente efectivamente de revisão e confirmação como nessa norma se estatui, mas outra de cariz meramente administrativo do tipo previsto no artº 6º (actos lavrados pelas autoridades estrangeiras), segundo o qual: “1 - Os actos de registo lavrados no estrangeiro pelas entidades estrangeiras competentes podem ingressar no registo civil nacional, em face dos documentos que os comprovem, de acordo com a respectiva lei e mediante a prova de que não contrariam os princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português.

2 - Os actos relativos ao estado civil lavrados no estrangeiro perante as autoridades locais que devam ser averbados aos assentos das conservatórias são previamente registados, por meio de assento, nas conservatórias do registo civil ou na Conservatória dos Registos Centrais, de acordo com as regras de competência previstas nos artigos 10.º e 11.º.” Além disso, nos termos do artº 49º, do mesmo Código: “1 - Os documentos passados em país estrangeiro, em conformidade com a lei local, podem servir de base a actos de registo ou instruir processos independentemente de prévia legalização, desde que não haja dúvidas fundadas acerca da sua autenticidade.

2 - Em caso de dúvida sobre a autenticidade do conteúdo de documentos emitidos no estrangeiro, pode ser solicitada às autoridades emitentes a confirmação da sua autenticidade, sendo os encargos suportados pelos interessados.” Posto isto:

  1. Notifique o requerente para informar se solicitou o averbamento do divórcio, em Portugal, na Conservatória do Registo Civil; no caso negativo, por que razão o não fez; no caso afirmativo, qual o resultado.

  2. Notifique-o também para diligenciar pela obtenção (porventura junto da Embaixada consultada) de cópia da parte do Código de Família da Ucrânia, traduzida para português, que trata dos diferentes tipos de processo de divórcio e do respectivo registo na Conservatória.

  3. Entretanto, para obviar a maiores delongas, cite a requerida, incluindo a cópia dos despachos proferidos e requerimentos apresentados após a petição inicial.

  4. Notifique este despacho.” A requerida foi devidamente citada. Porém, não interveio nos autos.

    O requerente, entretanto, informou que se dirigiu à Conservatória de Registo Civil Portuguesa mas aí foi informado que não é possível averbar o seu divórcio sem o mesmo ser revisto e confirmado por tribunal português.

    Em alegações, o Ministério Público sustentou não haver obstáculo à requerida revisão e confirmação “da decisão que decretou o divórcio”.

    Por sua vez, o requerente, reiterando o que já alegara ao longo dos autos, defendeu que deve a acção ser julgada procedente e confirmar-se “a decisão que decretou o divórcio”.

    1.2.

    Saneamento Tendo em conta que o requerente tem nacionalidade portuguesa, nesta ordem jurídica está averbado o seu casamento contraído na Ucrânia e que pediu a revisão e confirmação de alegada decisão que o dissolveu, proferida naquele País, o Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.

    O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem totalmente.

    As partes, dotadas de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas.

    Não há outras nulidades, excepções ou questões prévias, alegadas ou de que cumpra oficiosamente conhecer, susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito.

    Cumpre, pois, apreciar e decidir.

    1. FACTOS PROVADOS Com base nos documentos juntos, não impugnados, consideram-se relevantes e provados os seguintes factos: a) O requerente (..) nasceu em ..-..-1972 em …, Ucrânia – Assento nº (..) do ano de 2012, junto a fls. 20 dos autos, lavrado na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, lavrado com base em pública-forma de certidão de registo b) O requerente adquiriu...

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