Acórdão nº 721/18.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DA CONCEI
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO Inconformado com a decisão que julgou a petição inicial inepta por existir contradição nos pedidos formulados pelo Autor, e que, mesmo que não se considerasse existir tal contradição verificava-se erro na forma do processo, assim absolvendo os Réus da instância, veio o Autor (…), interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões: 1. Por decisão proferida pelo Tribunal recorrido datada de 16.01.2019 indeferiu aquele Tribunal liminarmente o pedido deduzido pelos 2.º e 3.º réus contra o Autor e 1.ª Ré, quanto ao valor de 231.893,05 Eur. (duzentos e trinta e um mil, oitocentos e noventa e três euros e cinco cêntimos), acrescido do valor das obras em curso e declarar nulo todo o processo, nos termos dos artºs. 186.º, n.º 1 e n.º 2, al. c), e n.º 4, 196.º e 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º al. b) e 578.º, todos do C.P.Civ, por ineptidão da petição, e em consequência absolvem-se os réus da instância e “ainda que assim não se entenda, decide-se declarar nulo todo o processo, nos termos dos artºs. 193.º, 196.º e 278.º, n.º, al. b), 576.º, nºs 1 e 2, 577.º al. b) e 578.º, todos do C.P.Civil, por erro na forma de processo, não sendo nenhum acto aproveitável e, em consequência, absolvem-se os réus da instância”.

  1. O Tribunal recorrido sustenta na decisão ora em crise que a petição inicial é inepta por existir contradição nos pedidos formulados pelo Autor, e que, mesmo que não se considere existir tal contradição verifica-se in casu erro na forma do processo.

  2. No caso concreto não se verifica nem contradição entre os pedidos formulados pelo Autor que determine a ineptidão da petição inicial, nem erro na forma de processo.

  3. Da análise a petição inicial no seu todo, bem como os pedidos formulados pelo Autor, é, pois, possível destrinçar dois blocos de pedidos.

    1. Um primeiro bloco constituído pelos pedidos formulados pelo Autor nas alíneas a) e b) respeitante ao pedido de condenação da Ré no pagamento de indemnizações que são devidas ao Autor em virtude da dissolução do vínculo conjugal, relativos à benfeitoria erigida num prédio rústico que é propriedade da ora Ré, benfeitoria essa construída em parte com bens próprios do ora Autor e noutra parte com bens comuns do casal.

    2. Num segundo bloco, constituído pelas alíneas c) e d) do pedido formulado pelo Autor é peticionada a condenação do terceiro adquirente dos bens nos efeitos da impugnação pauliana do acto lesivo da garantia patrimonial do crédito do ora Autor.

  4. No caso sub judice os pedidos formulados pelo Autor estão interligados entre si, pois os dois últimos pedidos correspondentes às al.s c) e d) apenas podem proceder, se, pelo menos um dos primeiros (os constantes nas alíneas a) e b) for igualmente julgado procedente, porquanto o reconhecimento da existência de um crédito é pressuposto da procedência da impugnação pauliana.

  5. Analisando o trecho da sentença ora em crise onde o Tribunal recorrido aborda a questão da incompatibilidade dos pedidos, é notório que o Tribunal recorrido labora em erro porquanto parte do pressuposto de que o direito de crédito do Autor emerge contrato de compra e venda celebrado entre os Réus quando este, na realidade, decorre da dissolução do vínculo matrimonial que o ligava à 1º Ré, servindo o referido contrato apenas como bitola para o cálculo dos valores indemnizatórios devidos pela 1ª Ré ao Autor.

  6. Ao contrário do afirmado pelo Tribunal recorrido, ao formular os pedidos vertidos nas alíneas c) e d), mais concretamente ao peticionar a ineficácia do negócio ora em causa, o Recorrente não está a pugnar pela anulação do acto, pois nas acções de impugnação o acto é válido, está perfeito em todos os seus requisitos mas por razões exógenas (como a lei privilegiar o interesse do credor em relação ao terceiro adquirente torna-se ineficaz.

  7. O Tribunal Recorrido considerou ainda existir in casu erro na forma de processo, porquanto no entendimento do mesmo, o autor optou pelo processo comum, quando deveria ter intentado um processo especial de inventário.

  8. Acontece que, a definição de conflitos entre os cônjuges não pode estar condicionada pela instauração, pendência ou finalização de uma acção de divórcio nem tem que aguardar pela futura e eventual instauração de processo de inventário para efeitos de partilha dos bens comuns do casal, podendo verificar-se a necessidade de obter uma antecipada clarificação da situação, configurando entendimento contrário a negação ilegítima do direito de acção genérica e amplamente consagrado no art. 2º, nº 2, do CPC, nos termos do qual, detectado um direito material, o respectivo titular pode obter o seu reconhecimento judicial, não existindo apoio algum para se concluir que o direito fique a aguardar a ocorrência de um evento futuro e incerto.

  9. Destinando-se o processo de inventário a partilhar bens comuns do casal, a resolução antecipada de questões prejudiciais a) permite simplificar e abreviar a tramitação do processo de inventário; b) evita ainda que, mais tarde, os interessados sejam remetidos para os meios comuns, c) permite ganhos de celeridade quando a delimitação entre os bens comuns e os bens próprios seja antecipadamente feita em acção declarativa com processo comum.

    1. proporciona ganhos ao nível da justiça material, pois a imediata discussão da questão, sem aguardar pela finalização da acção de divórcio e pela eventual instauração do processo de inventário permite atenuar os efeitos erosivos que o decurso do tempo provoca ao nível de determinados meios probatórios, como ocorre com os depoimentos testemunhais que porventura intervenham para dilucidar a questão.

  10. No caso em apreço não se verifica in casu erro na forma do processo, dada a natureza dos pedidos cumulados e a complexidade das questões suscitadas nos presentes autos, e a mais que provável remessa dos interessados para os meios comuns para resolver as questões suscitadas nos presentes autos.

    Pugna o Recorrente pela procedência do recurso e, em consequência, pela revogação da douta decisão recorrida, substituindo-se por outra que ordene o prosseguimento dos autos e conheça dos pedidos formulados pelo Autor.

    *Foram apresentadas contra-alegações concluindo os Recorridos pela manutenção do decidido.

    *Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre apreciar e decidir.

    *II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se se verifica: - contradição entre os pedidos formulados pelo Autor que determine a ineptidão da petição inicial; - erro na forma de processo.

    *III – FUNDAMENTAÇÃO Para a apreciação das questões decidendas, os elementos a considerar são os seguintes: 1. O Autor na sua petição inicial formula os seguintes pedidos: a) Seja a 1.ª ré condenada a pagar-lhe o valor de 63.631,88 Eur., correspondente ao valor atualizado e então usado para suportar os custos iniciais da moradia que foi construída no prédio doado pelos pais daquela à mesma, e enquanto eram casados; b) Seja a 1.ª ré condenada a pagar-lhe o valor de 39.862,20 Eur., correspondente à meação do autor na indemnização devida pela 1.ª ré ao património comum do ex-casal pela construção da aludida benfeitoria (prédio edificado); c) Ser decretada a ineficácia em relação ao autor do ato de compra e venda do prédio edificado/benfeitoria, por escritura outorgada entre a 1.ª ré e o 3.º réu, agindo este em representação do 2.º réu; d) Ser ordenado ao 2.º réu – procurador do 3.º réu, a restituição do prédio, de modo a que o autor se possa pagar à custa dele.

  11. Para sustentar estes pedidos, o Autor alega, sumariamente o seguinte: - O autor foi casado com a 1.ª ré e que tal casamento foi dissolvido por divórcio decretado a 20.02.2014, mas que só a partir de Agosto de 2016 cessaram em definitivo a comunhão de cama, mesa e habitação; - Em 5 de Abril de 1994, os pais da 1.ª ré procederam à doação à mesma, por conta da sua quota disponível, de um prédio rústico, prédio onde o autor e a 1.ª ré vieram a construir a sua casa de morada de família, tendo ali edificado uma casa de habitação de rés-do-chão com cinco divisões e a área de 199 m2, com um logradouro e terreno de lavradio; - O custo inicial dessa construção foi suportado com o dinheiro proveniente de uma indemnização recebida pelo autor em 1997, no valor de 8.500.000$00 (oito milhões e quinhentos mil escudos), além disso, o autor e a 1.ª ré socorreram-se de crédito bancário obtido junto da Caixa ..., para o que celebraram os mútuos que identifica no art. 18.º da petição, para garantia dos quais foram constituídas as hipotecas referidas no art. 19.º da petição; - Este prédio foi penhorado a 1.3.2017 no âmbito do processo executivo n.º (…) do 2.º Juízo de execução de Vila Nova de Famalicão, em que é exequente o (…) e credor reclamante a (…); - Como na data da penhora o autor e a 1.ª ré ainda não haviam procedido à partilha do património comum, acordaram vender o prédio para proceder ao pagamento dos créditos reclamados, celebrando um contrato de mediação imobiliária; - Porém, a 2.11.2017 soube o autor que a 1.ª ré, e por escritura pública lavrada a 31.10.2017, vendeu o prédio ao ora 2.º réu, naquele ato representado pelo 3.º réu, sem que lhe tenha dado conhecimento disso.

    - Não obstante reconheça que o imóvel é um bem próprio da 1.ª ré, porquanto a casa foi edificada sobre um bem próprio dela (prédio rústico doado), mostra-se inviabilizada a partilha dos bens do casal, em sede de inventário, porque já não pode ali ser...

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