Acórdão nº 2891/18.0T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. (…) (aqui Recorrido), residente provisoriamente na Rua(…) , propôs a presente providência cautelar de restituição provisória de posse, contra (…) e mulher, (…) residentes na Rua da (…), e contra (…) e mulher, (…) (aqui Recorrentes), residentes em (…) , na Alemanha, pedindo que · ele próprio (aqui Requerente) fosse restituído na posse de duas fracções autónomas, designadas pelas letras «…» e «…», respectivamente correspondentes a uma garagem na cave e a uma habitação T3, no 2.º andar direito, entrada C, do edifício sito na (…) (inscritas na matriz predial urbana sob os artigos … e …, e inscritas na Conservatória do Registo Predial sob o n.º…, com a licença de utilização n.º …, emitida em 26 de Janeiro de 2004, pela Câmara Municipal de …; · os Requeridos fossem intimados a absterem-se de realizar quaisquer actos que contendessem com a sua posse, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos principais.

Alegou para o efeito, em síntese, que, sendo os 1º e 2ª Requeridos (…) então proprietários das duas fracções autónomas referidas, prometeram vendê-las a ele próprio, por contrato escrito de 30 de Abril de 2015, pelo preço de € 140.000,00, a ser pago até à celebração do definitivo contrato de compra e venda, a ocorrer até 30 de Abril de 2023; e entregaram-lhe as referidas duas fracções nessa mesma data, passando desde então a usá-las como sua habitação permanente.

Mais alegou que, tendo já entregue aos 1º e 2ª Requeridos (…), por conta do preço acordado, a quantia global de € 41.250,00, veio a tomar conhecimento, em Abril de 2018, que as duas fracções foram vendidas, por escritura notarial de 27 de Novembro de 2017, aos 3º e 4ª Requeridos (…), desse modo inviabilizando definitivamente o cumprimento do contrato-promessa celebrado com ele; e, por isso, tendo intentado os autos principais, onde nomeadamente pediu o reconhecimento do seu direito de retenção, mercê da resolução do dito contrato-promessa, por incumprimento dos promitentes-vendedores.

Alegou ainda o Requerente (…) que, no dia 16 de Julho de 2018, o 1º Requerido (…) mudou a fechadura da sua habitação, o que porém não o impediu de se manter na posse dela; e que, no dia 21 de Setembro de 2018, os Requeridos (…), aproveitando a sua ausência no local, trocaram a fechadura de ambas as fracções, impedindo-o doravante de aceder às mesmas, e a tudo o que se encontrava no seu interior.

1.1.2.

Admitido liminarmente o presente procedimento cautelar especificado, foi designado dia para a realização de audiência de produção de prova 1.1.3.

Realizada a mesma, foi proferida sentença, decretando o procedimento cautelar impetrado, lendo-se nomeadamente nela: «(…) Pelo exposto, decreto o procedimento cautelar requerido e, em consequência, decido: a) ordenar a restituição a … da posse das fracções autónomas designadas pelas leras “…” e “…”, correspondentes à garagem e à habitação sitas no edifício da Rua (…) , inscritas na matriz predial urbana sob os artºs. …, e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …; b) ordeno que os requeridos se abstenham de realizar quaisquer actos que contendam com a posse do requerente, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos auto principais.

Para concretização da restituição provisória de posse ora ordenada nomeia-se o Agente de Execução que o Il. Mandatário do requerente indicará, via telefónica, à secção.

Oportunamente notifiquem-se os requeridos nos termos dos artºs. 366, º, n.º 6 e 372.º. ambos do C.P.Civ.

Custas pelo requerente, a atender na acção principal. - cf. art. 539.º, n.º 1 e 2 do C.P.Civ.

Registe e notifique.

(…)» 1.1.4.

Realizada a diligência de restituição provisória de posse, foram os Requeridos (…) notificados da decisão proferida nos autos, nos termos e para os efeitos previstos nos artºs. 366.º, n.º 6 e 372.º, ambos do C.P.C. (para recorrerem, ou deduzirem oposição).

*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformados com a decisão proferida, os 3.º e 4.ª Requeridos (…) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a providência cautelar de restituição provisória de posse decretada.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões): I –1) resolução licita do negócio simulado, ferido de nulidade (..

formalmente outorgado entre o casal 1º co-RR e o A. “testa de ferro” do Chamado) por incumprimento do “promitente comprador” no pagamento pontual das prestações ali acordadas.

o 2) Entendimento peregrino, do testa de ferro/Autor, alegando que não existia fundamento para a operada resolução do contrato, porquanto, dispondo até ao termo dos 96 meses, para fazer pagamentos parcelares, não estava contratualizado, nenhum pagamento mensal de sinal!! tese do ali “Autor”, de resto, bem sintetizada pelo casal 1ºs Co-RR, na sua douta Contestação, e à qual não resistimos transcrever, pela pertinácia: Acrescente-se que a posição que parece ser defendida pelo autor – de que apenas teria de pagar o preço até ao nonagésimo sexto (96) mês sem obrigação de entregas mensais (o que por si só demonstra o total desconhecimento dos termos acordados entre as partes por... não ser parte!) -, além de contrariar frontalmente a posição que o próprio veio tentar provar, invocando o pagamento mensal do sinal que, afinal, defende não ser devido, num quantitativo que só o próprio compreenderá, criaria o absurdo do autor poder permanecer gratuitamente no imóvel dos réus, pagando apenas o condomínio e o IMI durante 95 meses e nessa altura desisitir do negócio sem qualquer contrapartida (ou, nossa lavra) outra consequência para si! (nosso sublinhado).

Ora, tendo a resolução sido licita, por fundada, não é o autor titular de qualquer crédito compreendido na al. f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil e, por isso, não beneficia do direito de retenção ali previsto.

acresce 3) ainda o negócio dissimulado (válido) celebrado entre o casal 1º co-RR e o Chamado … /Intervenção Principal provocada, pessoa de resto, único detentor, de todos os fundos entregues e pagos ao casal 1ºs Co-RR e promitentes Vendedores, na vigência do contrato promessa de compra e venda simulado, com o aqui Requerente, este sempre nas vestes e consciente de ser um mero testa de ferro! Resulta do art.755.º n.º 1 al. f) a atribuição de um direito de retenção “(…) ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a traditio da coisa a que se refere o contrato prometido, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art.442.º do CC”.

Note-se que, para que surja este direito de retenção torna-se necessário preencher certos pressupostos, tais como: (i) traditio da coisa objeto do contrato prometido; (ii) não cumprimento imputável ao promitente-alienante; e (iii) nascimento do crédito do promitente-adquirente, em virtude do incumprimento da promessa.

Como os Recorrentes vêm defendendo nos autos principais, o aqui recorrido: É um testa de ferro; O incumprimento é imputável ao promitente comprador; Não é titular de qualquer direito de crédito; Como tal, sm.o. não estando verificado todos os apontados pressupostos do direito de retenção, não deveria ter sido decretada a restituição provisória da posse, Não tendo qualquer direito de crédito, nem estando perante um incumprimento imputável aos promitentes vendedores, O Recorrente não beneficia da protecção/garantia do direito de retenção previsto na alínea f) nº1 do art 755 CC, de resto não representa um legitimo retentor, pelo que não deveria ter sido decretada a providência, a qual deverá ser revogada por douto Acórdão a proferir por esta Relação.

*1.2.2. Contra-alegações O Requerente (…) contra-alegou, pedindo que fosse negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

*II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do C.P.C.).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

*2.2. Âmbito do recurso - EM PROVIDÊNCIA CAUTELAR DECRETADA SEM CONTRADITÓRIO PRÉVIO Lê-se no art. 366.º, n.º 6 do C.P.C. que, quando «o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação».

Mais se lê, no art. 372.º, n.º 1 do C.P.C., que «quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º:

  1. Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 367.º e 368.º».

    Logo, e face à clara letra da lei, é indiscutível que (e ao contrário do que sucedia no regime processual anterior à reforma operada pelo Dec-Lei nº 329º-A/95, de 12 de Dezembro, no C.P.C. anterior, de 1961), o requerido terá de optar entre um, ou outro, dos meios de reacção à sua disposição, isto é: ou recorre da decisão de decretamento da providência cautelar...

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