Acórdão nº 702/18.5 T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução05 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1) RELATÓRIO Apelantes (co-réus): (..) e (…) Apelado (autor): (…) *(..) intentou a presente contra Maria (..) E OUTROS, , seus filhos, pedindo a condenação destes a pagar-lhe uma prestação de alimentos de 600,00€ mensais, na medida das possibilidades de cada um e das necessidades que se apurem ser as suas (autor).

Alega ter nascido em 09/05/1931, ser divorciado e não ter condições de auferir meios de subsistência, não sendo o valor da reforma que aufere suficiente para dar satisfação ao seu sustento (despesas com habitação, água, gás e energia eléctrica, vestuário e alimentação, bem como, medicação), recorrendo à caridade de amigos e de vizinhos, necessitando que os demandados, seus filhos, lhe prestem pensão no montante de 600,00€, na medida das possibilidades de cada um, estando eles em condições de lhe prestar alimentos.

Contestaram os réus (..) e (..) – a primeira alegando a desnecessidade de alimentos do autor, mais alegando não ter possibilidades (face aos seus rendimentos e despesas) de lhos prestar; os demais, alegando a desnecessidade (passada e actual) de alimentos por parte do autor, a impossibilidade do réu A. F. lhos prestar por não ter condições financeiras que lho permitam e bem assim o facto de entre o autor e os réus não existir há 40/45 anos qualquer relacionamento ou afecto, pois que por ele expulsos de casa quando jovens, nunca mais ele lhes manifestando qualquer carinho ou apoio, hostilizando-os ou, na melhor das hipóteses, tratando-os como desconhecidos (nunca tendo sequer procurado conhecer os netos, filhos dos contestantes).

Seguidos os legais termos processuais, saneado o processo e realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença que absolveu do pedido o réu A. J. e condenou os réus Maria, C. Q. e A. F. a pagar ao autor, a título de alimentos, a quantia de 600,00€ (seiscentos euros), cada um deles responsável pelo pagamento da quantia de 200,00€ (duzentos euros) mensais, a entregar à instituição onde o autor se encontrar, em cada mês, a residir.

Inconformados, apelam os réus C. Q. e A. F., pretendendo a revogação da sentença e sua substituição por outra decisão que julgue extinta a instância por inutilidade superveniente da lide ou, se assim se não entender, que os absolva do pedido, terminando as alegações formulando as seguintes conclusões: I. Entendem os Recorrentes que foram incorrectamente julgados o item 27. dos Factos provados e os itens 1., 2., 3., 4. e 9. dos Factos não provados; II. Com efeito, da [prova] produzida nos presentes altos resulta manifesto o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo, sendo os seguintes meios de prova em que se baseia o inconformismo dos Recorrentes: a) Depoimento do Autor prestado na sessão de julgamento de 15.03.2019, gravado digitalmente na aplicação informática em uso no Tribunal, com início às 10:31:11 e termo às 10:52:01; b) Depoimento da Ré Maria, prestado na sessão de julgamento do dia 15.03.2019, gravado digitalmente na aplicação informática em uso, com início às 10:56:24 e termo pelas 11:26:41; c) Declarações da testemunha R. M., prestadas na sessão de julgamento do dia 15.03.2019, gravado digitalmente na aplicação informática em uso, com início às 12.17:21 horas e termo às 12:44:47 horas; d) Declarações da testemunha M. J., prestadas na sessão de julgamento do dia 15.03.2019, gravado digitalmente na aplicação informática em uso, com início às 12.45:24 horas e termo às 13:08:51 horas; e) Relatório de avaliação psicológica junto como doc. n.º 5 da contestação, o qual merece ser devidamente valorizado; III. Considerando os referidos meios de prova, que nas alegações estão devidamente identificados, têm os Recorrentes como certo que a resposta dada aos itens acima identificados deve ser corrigida para: PROVADO QUE: 27. É professora, licenciou-se enquanto viveu com os pais, mas foi ela que pagou a sua licenciatura a fazer bordados, dar explicações e fazer babysitting em Inglaterra, e recebe a quantia de € 2.084,59 como remuneração por doença.

PROVADO QUE: 1. O A esbanjou as quantias amealhadas e o património adquirido que também não soube administrar.

  1. É o único responsável pela situação financeira em que se encontra.

  2. Contribuiu para a situação financeira em que se encontra.

  3. A R C. Q. sofre de depressão devido ao desinteresse e hostilidade do A para consigo.

  4. O facto provado 42º decorre apenas do comportamento do A.

    IV. Como decorre de tudo quanto acaba de ficar dito, mercê da correcção que se impõe quanto à matéria de facto, a solução jurídica dada à questão sub judice fica naturalmente comprometida, por ser evidente o seu desacerto; V. Desde logo, tendo sido o Autor o único responsável para a situação financeira em que se encontra ou, pelo menos, para ela contribuiu significativamente, haverá que se aplicar o princípio ínsito no art. 570º do Código Civil e ser eliminada qualquer comparticipação a pagar pelos Recorrentes; VI. Por outro lado, sempre o comportamento do Autor, ao emprestar dinheiro sem sequer o tentar cobrar, contribuindo assim decisivamente para a situação financeira em que se encontra, e ao vir agora tentar obter dos filhos – que sempre hostilizou e desprezou – uma pensão de alimentos, consubstancia um manifesto abuso de direito, que pode – e deve – ser conhecido pelo Tribunal; VII. Ainda que o enquadramento legal assim o permita, a verdade é que condenar os aqui Recorrentes a pagar o quer que seja ao seu progenitor, que os expulsou de casa ainda novos e sempre os desprezou, consubstancia uma verdadeira imoralidade, contrária ao fim último dos Tribunais que é fazer justiça; VIII. Assim, em face da alteração da matéria de facto, deve revogar-se a decisão proferida e substituir-se por outra que julgue a acção totalmente improcedente, por não provada, e em consequência absolva os ora Recorrentes do pedido contra eles formulado; IX. Ainda que se entenda que improcede a acima invocada impugnação da matéria de facto, o que não se concebe e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, sempre deverá considerar-se que mesmo com a factualidade dada como assente na sentença recorrida, o Tribunal a quo errou na solução jurídica dada ao caso em análise; X. Conforme decorre dos autos, realidade actual do Autor é radicalmente diferente da existente aquando da apresentação da petição inicial, estando agora o Autor a ocupar uma vaga social no Centro Social de ..., onde lhe é fornecido alojamento, alimentação, higiene e cuidados médicos; XI. Ou seja, neste momento o Autor não carece de alimentos por parte dos filhos porquanto o Estado assegurou, como lhe compete na sua vertente de solidariedade social, o alojamento, a alimentação, a higiene e os cuidados médicos do ora Autor; XII. A Mm.ª Juíza a quo, sem tampouco assegurar que a Instituição em causa tem vagas que não as sociais para o alojamento do Autor, quer anular a ajuda que o Estado voluntariamente assegurou ao Autor e quer que os aqui Recorrentes, enquanto filhos, se substituam ao Estado nessa mesma ajuda; XIII. Ao conceder, sem qualquer reserva ou entrave, ao Autor uma vaga social, o Estado, em cumprimento da sua função social, conseguiu assegurar ao Autor uma prestação que permita que este tenha assegurada uma vida digna sendo que, como bem refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, “a solidariedade familiar torna-se indispensável enquanto função de complementação da solidariedade social” [Acórdão proferido em 10.01.2019 no âmbito do Proc. n.º 129/19.3T8VNC.G1, em que foi relatora a Exm.ª Senhora Juíza Desembargadora Conceição Sampaio]; XIV. Não pode ser o Tribunal, no âmbito de uma acção de alimentos cuja causa de pedir e cujo pedido nada têm a ver com a condenação que aqui se sindica, a colocar em causa e, no fundo, a revogar uma decisão da Segurança Social; XV. É que na realidade a sentença recorrida “revoga” a decisão da Segurança Social de atribuir ao Autor uma vaga social num Lar de Idosos, pagando o complemento da respectiva prestação, mas tal revogação não foi pedida, nem podia ser nesta sede.

    XVI. Atendendo ao acabado de expor, mal andou o Tribunal a quo ao condenar os Réus/recorrentes, no pagamento da quantia mensal de 200,00€ cada um à Instituição onde está o Autor, tendo violado, entre outros, o disposto nos arts. 1.º e 63.º da CRP, 1874.º e 2004.º do CCiv.; XVII. Pelo que se requer se dignem revogar aquela decisão e substituí-la por outra que julgue a instância extinta por inutilidade superveniente da lide, ou, se assim não se entender, que absolva os Réus do pedido contra eles formulado.

    Contra-alegou o apelado, concluindo pela improcedência do recurso e consequente manutenção do decidido.

    *Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    *Do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 608º, nº 2, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, podem enunciar-se as questões decidendas como segue: - a inutilidade superveniente da lide, - a impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto, - a existência da obrigação alimentar – que inclui apreciar da relevância da conduta do autor para o seu actual estado económico/financeiro e do abuso do direito.

    *FUNDAMENTAÇÃO*Fundamentação de facto Na sentença recorrida consideraram-se: Factos provados 1. F. P. nasceu no dia -/05/1931 e casou catolicamente com M. F. em 22/12/1950, casamento dissolvido por divórcio no dia 07/05/1993.

  5. Foi construtor civil e agente comercial, actividades que lhe permitiram manter uma boa situação financeira e permitir aos réus, enquanto viveram consigo, todos eles até à maioridade, o prosseguimento dos estudos e a manutenção de um nível de vida acima da média, o que passou por lhes proporcionar, anualmente, dois meses de férias na Póvoa de Varzim e uma semana em viagem de automóvel por território nacional, pernoitando em hotéis e fazendo refeições em restaurantes de grande qualidade.

  6. Aufere...

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