Acórdão nº 72/18.1T8CMN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O autor (…) com apoio judiciário, intentou, em 01-03-2018, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a ré (…). – Agência Geral Em Portugal.

Pediu que esta seja condenada a pagar-lhe indemnização, no valor global de 15.328,54€ (sendo 4.568.54€, relativos ao custo de reparação do veículo, 2.760,00€, como compensação pela privação do uso do mesmo e 8.000,00€ a título de danos não patrimoniais) e, ainda, o valor que se vier a liquidar em execução de sentença (pela dita privação, desde a instauração desta acção até efectiva entrega do veículo reparado) e juros de mora vincendos, à taxa legal, sobre as quantias peticionadas, desde a prolação da sentença em primeira instância, até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, resumindo a sua longa petição, que, em 2013, comprou, a crédito, um veículo automóvel. Após, contratou com a ré, para o mesmo e até que ele atingisse 200.000 km, um seguro "de motor" ("X Garantia Evolution/Evolution Cobertura Prime”).

Sucedeu que, “Em 19 de Outubro de 2017, a viatura começou a ter um comportamento anómalo (perdeu velocidade, fazia um ruído excessivo e anormal no motor, tremia, estava instável)”. Recorreu a uma oficina autorizada pela marca e nesta foi diagnosticado que “o motor/cambota «gripou», carecendo de ser reparado.” A ré, depois de interpelada e de ter mandado fazer uma perícia, recusou-se a pagar à oficina, ao contrário do que devia, a reparação por esta orçamentada em 4.568,54€, invocando estar excluída a sua responsabilidade, de acordo com o previsto na apólice, por a averiguada causa da avaria radicar em “deficiência de óleo no interior do cárter".

Porém, sempre o veículo fora regularmente assistido, mantido o nível e mudado o óleo e, embora o autor desconheça a causa da avaria, entende que ela não resulta daquela falta nem de qualquer outra acção ou omissão sua.

Desde então, apesar de ter pago os prémios de seguro e de estar a pagar as prestações da compra da viatura, esta encontra-se imobilizada e, assim, o autor impedido de lhe dar a utilização pretendida, situação que, aliada à recusa da ré, o prejudica na sua esfera patrimonial (privação do uso) e, designadamente com as contrariedades subsequentes derivadas da demora e da pendência da demanda em juízo, na não patrimonial (perturbações na sua vida, da sua família e no seu espírito), pelo que pretende ser indemnizado.

Juntou documentos.

Em contestação, a ré defendeu-se [1]:

  1. Quanto ao custo da reparação, por excepção peremptória impeditiva (total), uma vez que a causa da avaria remontou a falta de adequada lubrificação do motor, o que integra cláusula contratual específica excludente de responsabilidade; e b) Por excepção peremptória (parcial), uma vez que o valor económico a esse título clausulado tem o limite de 4.000,00€; c) Quanto ao dano consequente (privação de uso), por excepção impeditiva (total), dado estar prevista a sua exclusão no contrato; d) Por impugnação, de facto e de direito, designadamente por os danos não patrimoniais não serem indemnizáveis nos termos do artº 496º, CC.

    Juntou documentos.

    Em audiência prévia, foi fixado o valor da acção, proferido saneador tabelar, identificado o objecto do litígio [2], enunciados os temas da prova [3] e apreciados os requerimentos probatórios, ordenando-se a realização de perícia.

    Efectuada esta, designou-se e realizou-se a audiência de julgamento, nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas.

    Com data de 03-07-2019, foi proferida a sentença que, reconhecendo a obrigação de reparação do veículo e o direito a indemnização por danos não patrimoniais, culminou na seguinte decisão: “Dispositivo Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se: a)- julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada na mesma medida, e em consequência condenar a R. a pagar à A. a importância de € 6.500 (seis mil e quinhentos euros), acrescida dos juros, à taxa legal e anual de 4%, desde a data desta sentença até integral pagamento; b)- absolver a R. do demais peticionado.

    Custas pelo A. e pela R. na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC).

    Registe e notifique.” A ré não se conformou e apelou, em recurso, a que esta Relação revogue a sentença, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1. As partes na presente ação celebraram um contrato de seguro, na modalidade de “X Garantia Evolution”.

    1. É o Manual de Garantia, que o recorrido juntou como doc. 2, com a sua p.i. (e que a aqui recorrente também juntou em versão mais nítida com a sua contestação – cf. doc. 1), que contém o conjunto de cláusulas pelas quais se rege o referido seguro de garantia e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

    2. A aqui recorrente recebeu a participação do sinistro feita pelo A. e de imediato deu início aos procedimentos que se encontram previstos nas condições que se encontram no já referido Manual de Garantia.

    3. Um dos referidos procedimentos (talvez o mais relevante) é o de ordenar uma peritagem ao veículo do segurado, tendo sido isso o que foi de imediato feito.

    4. A peritagem é fundamental porque permite à seguradora (aqui recorrente) ficar a saber não só que tipo de avaria é que está em causa como as origens da mesma, ficando assim habilitada a concluir pela situação da avaria em relação ao seguro, ou seja, se está ou não coberta pelo mesmo.

    5. A peritagem foi efetuada por uma empresa conhecida no mercado e independente, denominada Y AUTOMOTIVE SOLUTIONS PORTUGAL, S.A., que é a filial portuguesa de uma multinacional alemã, que se dedica a este tipo de prestação de serviços.

    6. A aqui recorrente contratou a referida empresa para que efetuasse a peritagem ao motor do veículo do aqui recorrido, tendo sido produzido um Relatório pela Y que a aqui recorrente juntou aos autos com a sua contestação (cf. doc. 6).

    7. As conclusões que se podem ler no referido Relatório revelaram que as anomalias que se produziram no motor da viatura foram desenvolvidas em consequência do seu funcionamento em momento anterior com insuficiência de óleo no interior do seu cárter.

      Esta situação anómala motivou assim o início dos danos no motor, vindo estes a progredir com as horas de trabalho que o motor realizou, até ao momento atual. É nosso parecer que o desenvolvimento destas gripagens poderiam ter sido sempre evitado através de ação de supervisão ou controlo dos níveis dos fluidos, designadamente o nível de óleo do motor, que neste caso concreto foi responsável pela avaria em causa (cf. Relatório, p. 4, doc. 6 da contestação).

    8. Atento o conteúdo do Relatório e da conclusão acabada de transcrever, a aqui recorrente recusou assumir a responsabilidade pelo sinistro que lhe fora participado pelo aqui recorrido com base no disposto no n.º 10 do artigo 6.º (Exclusões Específicas) das Condições Gerais da Apólice (cf. pp. 3 e 4 do Manuel de Garantia, doc. 1, com a contestação).

    9. Ali se exclui da cobertura, efetivamente, qualquer avaria em que o dano de um componente coberto resultou de um componente não coberto.

    10. Ora, de acordo com as conclusões da peritagem, foi o óleo (mais precisamente a sua insuficiência/deficiência) que foi responsável pela avaria que afetou o motor do veículo do A., aqui recorrido.

    11. Sucede que o óleo é um lubrificante e, nessa medida, constitui um componente não coberto pelo contrato de seguro porque está expressamente excluído da cobertura do seguro pelo disposto no artigo 6.º, n.º 3, quando ali se refere “lubrificantes e os aditivos de lubrificantes” (cf. Manual de Garantia, doc. 1).

    12. Foi assim de acordo com o que se acaba de descrever, e que resultou provado em Tribunal, que a aqui recorrente decidiu recusar a cobertura do sinistro participado pelo recorrido.

    13. Atendendo a um requerimento nesse sentido feito pelo A., aqui recorrido, o Tribunal nomeou um perito para produzir um relatório sobre as causas da avaria do motor do veículo do recorrido.

    14. Cumprindo o pedido do Tribunal, veio o referido Sr. Perito a preparar um relatório com as conclusões a que chegou.

    15. Basicamente, o que consta do Relatório e esclarecimentos que o referido Sr. Perito escreveu é de que os danos que o motor do veículo do aqui recorrido apresenta não foram causados por falta ou insuficiência de óleo, mas sim por as peças avariadas terem sofrido desgaste de utilização ou “fretting” (cf. douta sentença recorrida, pp. 14 (in fine) e 15).

    16. Apesar disso, verificou-se que o Sr. Perito não tinha a certeza absoluta, limitando-se a dizer que a causa por ele apontada é a mais provável (cerca de 80%).

    17. Esta atitude choca frontalmente com o entendimento manifestado pelos técnicos da Y, que fizeram o Relatório, e que foram ouvidos em Tribunal como testemunhas, tendo sustentado que a mecânica é uma ciência exata.

    18. Mas a verdade é que o referido Sr. Perito nem sequer afastou por completo a possibilidade de ter ocorrido a situação que a Y aponta como causa das avarias registadas no motor, apenas entendendo que se trata de uma causa remota ou com poucas possibilidades de ter ocorrido.

    19. no relatório da Y não se titubeia, não se hesita, concluiu-se firmemente pela conclusão de que os danos que aparecem no motor do veículo, que apresenta diversas gripagens, foram produzidos pela falta de lubrificação e por mais nenhuma causa.

    20. No relatório do Sr. Perito e nos esclarecimentos que posteriormente prestou, não há certezas, mas apenas probabilidades, havendo até cálculo de percentagens, tipo 80%, como se na verdade a mecânica não fosse uma ciência exata.

    21. A análise e conclusões do Sr. Perito, nomeado pelo Tribunal, primaram pela pouca clareza e foram titubeantes no sentido de que deixou margem para dúvidas, parecendo mais preocupado em atacar as conclusões a que a Y tinha chegado do que defender ou sustentar ele próprio as suas convicções.

    22. A verdade é que, de acordo com o Relatório da Y, ilustradas pelas fotografias que do mesmo constam, mostra que existem gripagens em...

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