Acórdão nº 132/17.6T8CBT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO 1.1. M. C.

e marido, L. C.

intentou acção especial de prestação de contas contra M. F., pedindo que este preste contas de todos os actos que praticou ao abrigo da procuração que lhe foi outorgada, para apuramento e aprovação das receitas obtidas, e a sua condenação no pagamento do saldo que vier a apurar-se, acrescido de juros de mora calculados desde o dia 12.01.2017, até efectivo e integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, alegaram, em síntese, que em 06.10.2014 constituíram seu bastante procurador o Réu, a quem conferiram os mais amplos poderes para, entre outros, vender quaisquer bens que fazem parte da herança aberta por óbito de A. F. e mulher M. C., seus pais, pelos preços e demais condições que entender convenientes, recebendo os preços e deles dando quitação, outorgando, para o efeito, as necessárias escrituras de compra e venda.

Mais alegaram que, devido a uma notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira à Autora, tiveram conhecimento que o Réu vendera dois imóveis sem lhes dar conta destas vendas. Por isso, viram-se forçados a revogar, em 06.01.2017, aquela procuração e a interpelar, em 12.01.2017, o Réu para que prestasse contas, o que este nunca fez.

* O Réu contestou a obrigação de prestar contas e impugnou parte dos factos alegados pelos Autores, alegando que no ano de 2014, foi contratado por A. F., cabeça-de-casal da herança aberta por morte do pai daquele e da Autora – A. F. –, para, em seu nome, como cabeça-de-casal, e em nome da herança, proceder à venda dos dois imóveis que integravam o acervo hereditário, conferindo-lhe todos os poderes necessários para o efeito, incumbindo-se aquele de colher junto dos herdeiros legítimos as necessárias procurações a outorgar para o efeito. Tendo sido mandatado pelo cabeça-de-casal, este deu-lhe instruções para que as contas lhe fossem prestadas, o que fez, cabendo-lhe a ele posteriormente prestar contas aos irmãos e dividir o produto da venda dos bens da herança pelos demais herdeiros. O cabeça-de-casal informou o Réu de que já teriam sido prestadas as contas a todos os herdeiros, remetendo-lhe o respectivo suporte documental.

*Em 22.03.2018 a Mma. Juiz proferiu decisão a «julg[ar] a presente ação procedente, por provada, e nessa medida, conden[ar] o réu a prestar contas aos autores de todos os atos que praticou ao abrigo da procuração».

*1.2.

Por requerimento de 09.10.2018, junto a fls. 108 verso e seguintes, o Réu apresentou as contas em forma de conta-corrente, especificando um saldo a favor dos Autores no valor de € 19.867,55 (dezanove mil, oitocentos e sessenta e sete euros, e cinquenta e cinco cêntimos).

*Os Autores contestaram as contas apresentadas pelo Réu, impugnado a verba da receita aludida no artigo 8º b) do requerimento de apresentação de contas (alegando que o imóvel constante do segundo segmento das receitas não foi vendido por € 36.850,00, como indicou o Réu, mas por € 58.590,00) e bem assim verbas das despesas apresentadas.

Mais requereram que, não obstante considerarem que resultava da venda dos imóveis o saldo de € 29.647,50 a favor dos Autores, o Réu lhes entregasse o saldo que resultou da prestação de contas do Réu, no valor de € 19.867,31.

*O Réu procedeu posteriormente ao pagamento daquele saldo – cfr. fls. 148.

*1.3.

Realizada a audiência final, proferiu-se sentença a «julg[ar] a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, declar[ar] que as contas do mandato exercido pelo réu M. F. em nome da autora mulher M. C. ao abrigo da procuração aludida em 4 dos factos assentes apresentam um saldo, de que o réu é devedor aos autores, no valor de € 20.845,90 (vinte mil oitocentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos), o qual, condeno o réu a pagar àqueles».

*1.4.

Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação da sentença e formularam, a terminar as suas alegações, as seguintes conclusões: «1. Por estarem inconformados com a decisão que julgou “a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, declaro que as contas do mandato exercido pelo réu M. F. em nome da autora mulher M. C. ao abrigo da procuração aludida em 4 dos factos assentes apresentam um saldo, de que o réu é devedor aos autores, no valor de € 20.845,90 (vinte mil oitocentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos), o qual, condeno o réu a pagar àqueles”, dela vêm recorrer, pois é seu modesto entendimento que a prova produzida impunha uma decisão diversa da decisão recorrida.

  1. Os concretos pontos de facto que os recorrentes consideram incorrectamente julgados são os pontos 8-b), 9 e 10 i a vi dos factos provados e os concretos meios probatórios que impunham diversa decisão são a Procuração Pública de fls. 6 e 6 verso, o Título de compra e venda, junta a fls. 10 verso a 12, a Declaração de rendimentos do ano de 2015 junto pelo recorrido, aos autos, no dia 29.04.2019, o Comprovativo da transferência bancária junto pelo recorrido, aos autos, no dia 29.11.2018, o Documento 6 da prestação de contas apresentada pelo recorrido em 09.10.2018, a Escritura de compra e venda de 26.11.2014 que o recorrido juntou com a prestação de contas apresentada em 09.10.2018, Requerimento do recorrido de 29 de Abril de 2019, a Petição inicial de 04.05.2017, o Aviso de recepção junto aos autos no dia 09.05.2017, o depoimento de José (depoimento gravado digitalmente, no sistema H@bilus Media Studio, com início em 10.04.2019 09:54:47 e fim em 10.04.2019 10:55:36) e de Dr. J. T. (depoimento gravado digitalmente, no sistema H@bilus Media Studio, com início em 10.04.2019 11:46:47 e fim em 10.04.2019 12:09:16).

  2. No que aos pontos 8-b e 9 dos Factos Provados, o Tribunal a quo teria de forçosamente dar como provado que o preço real e efectivo da venda do prédio correspondente ao apartamento do artigo matricial ...

    foi de € 58.590,00.

  3. Tal resulta de forma inequívoca da prova testemunhal e principalmente da prova documental carreada para os autos.

  4. Para além da forma com que foi prestado, retira-se do depoimento de José que esta testemunha é uma pessoa experiente no mundo nos negócios, sendo que aquela compra não foi a primeira em que teve intervenção, pelo que não é crível que, aquando da leitura da escritura de compra e venda, o comprador não se tivesse apercebido da discrepância entre o valor de € 36.850,00 e o valor de € 58.590,00.

  5. Mais, resulta da escritura de compra e venda, junta a fls. 10 verso a 12, que o recorrido, enquanto procurador dos herdeiros, declarou vender a José pelo preço de € 58.590,00 e ter recebido deste último o preço de € 58.590,00.

  6. Não podem os recorrentes deixar de salientar o final do depoimento da testemunha José que evidencia de forma clara a falsidade de todo o seu depoimento. Este refere que comprou pelo mesmíssimo preço pelo qual o irmão, ora recorrido, estava a vender a referida fração há pelo menos um ano.

  7. Sucede que a testemunha meteu literalmente os pés pelas mãos, estando preocupado apenas e só a repetir insistentemente que adquirira o apartamento por € 40.000,00, repetindo dez vezes esse valor num espaço de tempo de cerca de um minuto.

  8. Retira-se deste depoimento que o procedimento tendente à compra e venda passou por diversas fases onde se declarou o preço pelo qual o imóvel foi vendido/comprado, mais precisamente aquando da marcação da escritura, da liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, da liquidação do Imposto do Selo e aquando da leitura/assinatura/explicitação do título de compra e venda.

  9. Não é de todo crível que em nenhum desses momentos nenhum dos intervenientes se tenha apercebido de qualquer discrepância de valores caso esta efectivamente existisse.

  10. Não é também crível que o comprador José, homem de negócios, e o recorrido, que deverá ter agido de forma zelosa e diligente já que estava a tratar de negócio de outrem, não se tenham apercebido da alegada divergência de valores. Em momento algum as partes ouviram da pessoa que procedeu à leitura do acto o valor de € 36.850,00. Ouviram sim (e por diversas ocasiões) o valor de € 58.590,00, tanto na leitura do acto, como na explicação do seu conteúdo.

  11. O documento de fls. 10 verso a 12 é um documento autêntico e faz prova plena dos factos referidos como praticados pelo documentador. Nos termos do disposto na 1.ª parte do n.º 1, do Art. 371.º, do Código Civil, tudo o que o documento referir como tendo sido praticado pela entidade documentadora, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, tem de ser aceite como exacto.

  12. Para efeito do disposto nos n.ºs 1 e 2, do Art. 369.º, do Código Civil, uma escritura pública de compra e venda pertence indiscutivelmente à categoria dos documentos autênticos e faz, por isso, prova plena dos factos que sejam atestados pela entidade documentadora, in casu, pelo Senhor Conservador do Registo Predial.

  13. Nos termos da 2.ª parte, do n.º 1, do Art. 371.º, do Código Civil, um documento autêntico prova a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções.

  14. Isto é, o Senhor Conservador garantiu, pela fé pública de que estava revestido, que os factos que documentou se passaram, garantindo que as declarações foram efectivamente proferidas pelos outorgantes.

  15. A estes factos, acresce que o recorrido declarou (sem poderes para tal) junto da Autoridade Tributária que aquele negócio foi realizado por € 58.590,00 e nunca por € 36.850,00 – Cfr. Anexo G da declaração de rendimentos do ano de 2015 junto pelo recorrido aos autos no dia 29.04.2019.

  16. Os documentos juntos pelo recorrido, naquela data, vêm dar razão aos recorrentes, ou seja, o apartamento foi efectivamente vendido por € 58.590,00 (5.492,81€ + 9.154,69€ = 14.647,50 x 4 = 58.590,00€).

  17. Acresce que o Tribunal a quo olvidou a confissão expressa do recorrido constante do seu requerimento de 29 de Abril de 2019, onde este...

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