Acórdão nº 1423/18.4T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelRAQUEL BATISTA TAVARES
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório I. V.

, divorciada, residente na Rua …, Vila Real, intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Ministério Público, em representação do Estado Português, o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P.

, com sede na Rua …, Lisboa, o Gabinete de Recuperação de Créditos, com sede na Rua …, Porto e J. M.

, divorciado, residente na …, Vila Real, pedindo que os Réus sejam condenados reconhecer que:

  1. A dívida que dá origem ao arresto melhor identificado nos artigos 14º a 16º da Petição Inicial é da única e exclusiva responsabilidade do 4º Réu; b) Os bens e créditos melhor discriminados nos artigos 3º e 17º da Petição Inicial integravam, à data do arresto, o património comum do casal; Que, em consequência disso: c) Foram arrestados bens que, pela sua natureza, não são bens próprios do 4º Réu e, como tal, não respondem pela dívida que aquele pretende assegurar; d) É o arresto decretado ilegal, devendo ser ordenado o seu cancelamento e levantamento.

    Alega, para tanto e em síntese: Que foi casada com o 4º Réu até 8 de julho de 2016, data em que transitou em julgado a sentença de divórcio, sendo que entre o casal vigorava o regime de bens de comunhão de adquiridos.

    Que na constância do matrimónio adquiriram vários bens, nomeadamente uma mota e dois prédios urbanos, pelo que tais bens integram o património comum do casal.

    Mais alega que correu termos um processo comum coletivo, contra o 4º Réu, onde este está acusado da pratica de vários crimes, no âmbito do qual foi ordenado o arresto preventivo de todos os bens que fossem encontrados em poder dos aí arguidos, incluindo o 4º Réu, tendo sido arrestados os bens e as contas bancárias que identifica, não sendo a Autora responsável pelo pagamento que o arresto pretende assegurar, pelo que os bens comuns não respondem pela dívida do 4º Réu.

    Alega ainda que os Réus não requereram a citação da Autora para obter a separação de bens, pelo que, não podendo ser objeto de arresto bens comuns do casal, deve o arresto decretado ser levantado.

    Regularmente citados, vieram contestar o Ministério Público e o Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P.

    O Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P. excecionou o erro na forma de processo, por a Autora não ter usado dos embargos de terceiro, para além de impugnar os factos articulados pela Autora, alegando, por sua vez, que o arresto preventivo pode incidir sobre bens da ex-mulher do arguido, sob pena de os bens que também são do arguido, jamais poderem ser objeto de arresto, porque faziam parte do património comum.

    Conclui pela procedência da exceção e pela sua consequente absolvição da instância ou pela improcedência da ação.

    O Ministério Público contestou arguindo a ilegitimidade passiva do Ministério Público e do Gabinete de Recuperação de Créditos, que não existe sequer, existindo o Gabinete de Recuperação de Ativos, mas que não tem personalidade jurídica; arguiu também a incompetência territorial e alegou que a presente ação não é o meio processualmente adequado.

    Impugnou, ainda, a matéria factual, tal como foi alegada pela Autora, dizendo que a Autora teve conhecimento do arresto há muito tempo, tendo-se conformado com o mesmo, para além de que labora em erro de raciocínio, uma vez que não está a ser responsabilizada por dívidas contraídas pelo 4º Réu, já que o arresto preventivo não tem esse escopo.

    Conclui pela procedência das exceções invocadas ou pela improcedência da ação.

    Foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, no qual se decidiu julgar improcedentes as exceções de incompetência territorial e de erro na forma de processo, e absolver o Gabinete de Recuperação de Ativos da instância, por falta de personalidade judiciária; foi fixado o objeto do litígio e os temas de prova, tendo o processo prosseguido para julgamento.

    Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Por tudo quanto exposto ficou, julgo a presente ação apenas parcialmente procedente e, consequentemente:

  2. Condeno os réus a reconhecerem que a dívida que deu origem ao arresto melhor identificado nos artigos 14º a 16º da Petição Inicial é da única e exclusiva responsabilidade do 4º Réu.

  3. Condeno os réus a reconhecerem que os bens e créditos melhor discriminados nos artigos 3º e 17º da Petição Inicial, integravam, à data do arresto, o património comum do casal.

  4. Julgo improcedente o demais peticionado, absolvendo os réus desses pedidos.

  5. Custas a cargo da autora e dos réus, na proporção de 2/3 para a autora e 1/3 para os réus.

  6. Registe e notifique.” Inconformada, apelou a Autora, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “C) CONCLUSÕES: 1.º Sem prejuízo do regime jurídico instituído pela Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, o titular de direito afectado por arresto, ordenado ao abrigo daquele diploma, pode ilidir a presunção do art.º 7.º, provando que os bens não são do visado por aquela providência cautelar, mas que pertencem a acervo composto pela comunhão conjugal e adquiridos com proventos de actividade lícita; 2.º Provado que se mostra que os bens e créditos melhor discriminados nos art.ºs 3.º e 17.º da P.I. integravam, à data do arresto, o património comum do casal e que a sua aquisição foi feita com recurso a proventos de actividade lícita, não preenchem os mesmos os requisitos previstos no art.º 7.º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, pelo que são insusceptíveis de arresto, nos termos daquele diploma; 3.º Em resumo, julgados procedentes os pedidos pelo quais a Recorrente pretendia ver reconhecido que: A dívida que dá origem ao arresto melhor identificado nos art.ºs 14.º a 16.º da P.I. é da única e exclusiva responsabilidade do 4.º R.; Os bens e créditos melhor discriminados nos art.ºs 3.º e 17.º da P.I. integravam, à data do arresto, o património comum do casal; 4.º E estando assente na doutrina e jurisprudência que não podem ser arrestados bens comuns do casal para pagamento de dívida da responsabilidade de apenas um dos cônjuges; 5.º Afastada que se mostra a presunção do art.º 7.º da Lei 5/2002, terá o tribunal de concluir que: a) Foram arrestados bens que, pela sua natureza, não são bens próprios do 4.º R. e, como tal, não respondem pela dívida que aquele pretende assegurar; 6.º Forçosamente se concluindo que o arresto decretado é ilegal, por violar direitos da Recorrente e incidir sobre direitos indisponíveis do 4.º Recorrido; 7.º À recorrente assiste o direito de, conforme o fez na presente acção, recorrendo aos meios comuns, ver reconhecidos os direitos aqui reclamados; 8.º O que deverá determinar, como corolário de tudo o que foi escrito, o cancelamento e levantamento do arresto nos moldes em que este se mostra efectuado; 9.º Ao assim não decidir violou o Tribunal “a quo” o preceituado nos art.ºs 7.º e 10.º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, art.ºs 74.º, n.º 1 e 228.º, n.º 1 do CPP, bem como os art.s 1692.º, al. d) e 1724.º, al. a) ambos do Cód. Civil e o art.º 736.º, al. a) do CPC; 10.º Se Vossas Excelências, em face das conclusões atrás enunciadas revogarem a sentença da primeira instância e em sua substituição, proferirem acórdão que julgue a acção totalmente procedente; Farão uma vez mais serena, sã e objectiva JUSTIÇA.” Os Réus Ministério Público e o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso confirmação da sentença recorrida.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    ***II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

    A questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, é a de saber se o arresto decretado ao abrigo do artigo 10º da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro deve ser levantado.

    ***III. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância: 1º A Autora foi casada com o 4º Réu, de 26 de setembro de 1998 até ao dia 8 de julho de 2016, data...

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