Acórdão nº 8110/17.9T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução19 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Sumário: 1.

No âmbito de um seguro facultativo de cobertura de danos sofridos por veículo automóvel por colisão, em que se verifique a perda total do objecto seguro, a seguradora não pode invocar o princípio indemnizatório (art. 128º RJCS), defendendo que a prestação por si devida está limitada ao dano decorrente do sinistro”, sempre que o valor atribuído ao veículo no contrato tenha sido obtido por acordo das partes, pois a situação cai no âmbito das derrogações àquele princípio constantes do art. 131º,1,2 do mesmo diploma.

  1. Constando do contrato o valor do bem, como sendo o capital seguro, no âmbito da cobertura do risco de “choque, colisão e capotamento”, deve-se presumir que esse valor emerge do acordo das partes, até prova em contrário.

    I- Relatório F. J.

    interpôs a presente acção declarativa com processo comum contra “X, Seguros Gerais, SA”.

    Alegou o A., em síntese, que celebrou com a R. um contrato de seguro de danos próprios, incluindo os riscos de choque, capotamento e colisão, tendo como objecto uma viatura automóvel.

    Mais deu conta que tal viatura foi interveniente em acidente de viação cuja responsabilidade na eclosão lhe é imputável, encontrando-se o veículo em situação de “perda total” em virtude dos danos sofridos.

    Pede, assim, a condenação da R. a pagar-lhe indemnização referente ao valor seguro (deduzido o montante referente ao salvado e à franquia), bem como ao prejuízo decorrente da privação do uso da mesma.

    Contestou a R., admitindo a celebração do contrato de seguro em causa. Impugnou, no entanto, a dinâmica do acidente descrita na petição inicial (incluindo a sua ocorrência).

    Mais alegou que o valor venal do referido veículo à data da ocorrência do embate era inferior ao valor do capital seguro (tendo este último sido indicado unilateralmente pelo A. aquando da celebração do contrato); defende, assim, que, no caso de vir a ser condenada, nunca o valor a atribuir ao A. poderá ser superior àquele primeiro.

    Foi proferido despacho saneador, tendo sido indicado o objecto do litígio e seleccionados os temas de prova.

    Realizou a audiência de julgamento.

    A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 28.556,00 (vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e seis euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a citação até integral pagamento.

    Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 629º,1, 631º,1, 638º,1,7, 644º,1,a, 645º,1,a, e 647º,1 do CPC, na versão introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26/6).

    Terminou as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões: 1.

    Fundam-se os presentes autos na responsabilidade civil contratual emergente de acidente de viação.

  2. Alegando ter ocorrido um acidente de viação com o veículo seguro na ora Apelante, e do qual resultaram danos no mesmo, veio o A./Apelado, ao abrigo da cobertura facultativa contratada (choque, colisão e capotamento), peticionar a condenação da Seguradora R. no pagamento do valor da perda total e ao abrigo da cobertura de choque, colisão ou capotamento.

  3. Em face da matéria de facto considerada provada, o douto Tribunal “a quo” proferiu a douta decisão ora posta em crise, de acordo com a qual julgou a acção parcialmente procedente, considerando demonstrada a ocorrência do sinistro participado e, bem assim, o nexo de causalidade entre o mesmo e os danos que o veículo propriedade do A./recorrido apresentava (e demandaram a sua consideração como perda total).

  4. Ora, salvo o devido respeito por diversa opinião, não pode a Seguradora Apelante concordar com a apreciação da prova levada a cabo, discordando, consequentemente, dos fundamentos que suportam a douta decisão prolatada, quanto à matéria de facto e quanto à solução de direito.

    DO ERRO DE JULGAMENTO - REAPRECIAÇÃO DA PROVA: 5.

    O presente recurso sobre a douta decisão proferida quanto à matéria de facto funda-se na convicção da Apelante de que o Douto Tribunal “a quo” terá efectuado uma incorrecta apreciação e valoração da prova, e concretamente na instrução da matéria factual plasmada nos artigos 7º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º e 31º do elenco da factualidade considerada provada os quais, pelos motivos que se infra se demonstrará, deveriam ter sido considerados não provados.

  5. Com efeito, o Meritíssimo Tribunal “a quo” considerou provados os factos constantes dos artigos supra descritos, e que haviam sido alegados na douta petição inicial.

  6. Porém, está a Seguradora Apelante em crer que o Meritíssimo Tribunal “a quo” não ajuizou bem a prova produzida, pois a mesma não se mostrou minimamente suficiente para alicerçar a convicção aduzida na douta sentença proferida.

  7. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, jamais poderia o Meritíssimo Tribunal “a quo” considerar suficientemente demonstrada a ocorrência e a dinâmica do alegado acidente, quando, de forma clara ficou devidamente evidenciada a existência de variadas contradições que, segundo as regras da experiência, levam a Seguradora Apelante forçosamente a crer que as circunstâncias em que terá ocorrido o sinistro participado jamais poderiam ser aquelas invocadas pelo A./Apelado.

  8. A saber: há danos que o veículo apresenta que não são coincidentes com a dinâmica do sinistro vertida nos autos pelo A., nem se coadunam com os danos existentes no veículo terceiro e no local indicado como sendo o do sinistro.

  9. Face ao acervo probatório carreado aos presentes autos, jamais poderia ser considerada demonstrada a ocorrência do sinistro participado e, bem assim, a existência de um nexo de causalidade adequada entre o evento descrito na petição inicial e os danos que o veículo apresentava.

  10. Acresce que, jamais se pode conceder que o Mmo. Tribunal “a quo” confira pouco valor probatório à testemunha indicada pela R/Apelante, nomeadamente a testemunha B. A., fundando a prova da dinâmica e ocorrência do evento essencialmente nas declarações de parte do próprio A. e da testemunha A. C. que são naturalmente interessados no desfecho da presente demanda (o primeiro por ser o A. e o segundo por, enquanto condutor do outro veículo, ter pendente uma acção contra a ora R. igualmente por virtude do presente acidente).

  11. Não podia, pois, e no entendimento da Seguradora Apelante, o Mmo. Tribunal “a quo” desvalorizar todo o juízo técnico emitido pela testemunha B. A. só pelo facto da mesma ser funcionário da R.

  12. Da conjugação dos meios probatórios produzidos, nomeadamente testemunhais e documentais, impunha-se decisão diversa daquela que veio a ser proferida e que, presentemente, se impugna.

  13. Os elementos probatórios aduzidos ao processo, quando apreciados de forma conjugada, não permitem, pois, concluir pela demonstração dos factos considerados provados e ora impugnados.

  14. Concretamente, não permitem que se considere que ocorreu o evento relatado pelo Autor e, bem assim, que os danos que o veículo propriedade do A./Apelado apresenta tenham advindo, única e exclusivamente, do evento por este retratado na douta petição inicial.

  15. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, da prova produzida nos presentes autos, não resulta que tenha, de facto, ocorrido o evento participado, nem um qualquer nexo de causalidade adequada entre tal evento e os danos que o veículo em apreço apresentava.

  16. Os concretos meios probatórios cujo reexame se solicita a este Venerando Tribunal da Relação, e que impunham decisão diversa da proferida são os que se passam a elencar: • Relatório de reconstituição de acidente e fotografias do mesmo, junto aos autos com a contestação como documento n.º 1 , reproduzidos a cores em requerimento de 30/11/2018 • Depoimento testemunhal de B. A., prestado em audiência de julgamento de 29/10/2018, e gravado no ficheiro… 18.

    Salvo o devido respeito por diverso entendimento, entende a Seguradora Apelante que o Mmo. Tribunal “a quo” desvalorizou indevidamente as várias incongruências relativamente aos danos dos veículos, que foram apontadas e escalpelizadas pela testemunha B. A. e evidenciadas nos documentos supra indicados.

  17. Atendendo ao teor do depoimento testemunhal cujo reexame se solicitou, cotejado com a reconstituição do acidente e fotografias dos danos dos veículos (doc. n.º 1 da contestação), e bem assim quanto à demais prova carreada aos autos, os artigos 7º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º e 31º dos factos provados deveriam ter sido julgados não provados.

  18. Ao contemplar diverso entendimento, o Mmo. Tribunal “a quo” incorreu em flagrante erro de julgamento.

  19. Por outro lado, considera a Apelante Seguradora que não podia o artigo 4º dos factos provados merecer a concreta redacção que lhe foi conferida.

  20. Com efeito, quanto a esta matéria, e se bem se adquiriu o teor da fundamentação da decisão de facto, o facto provado no 4º foi julgado assente por acordo das partes.

  21. Porém, analisada a contestação, verifica-se que assim não sucedeu.

  22. Em lado algum naquele articulado se refere que “Acordaram A. e R. que o capital seguro no âmbito da cobertura do risco de choque, colisão e capotamento, ascendia a Euro 32.200,00” 25.

    E de facto, a concreta menção a esse “acordo” colide frontalmente com o que a Seguradora Apelante alegou nos artigos 16º a 20º da contestação, com especial enfoque no artigo 19º onde se refere expressamente (ainda que não tenha sido julgado provado) que o valor do veículo foi indicado pelo A.

  23. Nessa medida, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, não poderia o artigo 4º dos factos provados merecer a redacção que lhe foi dada.

  24. Assim, deveria o referido artigo 4º dos factos provados ter sido julgado provado, mas com teor que se passa a sugerir: ”O capital seguro no âmbito da cobertura de risco de “choque, colisão e capotamento” ascendia a 32 200€, tendo sido estabelecida uma franquia...

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