Acórdão nº 3144/18.9T8VNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | MARIA AMÁLIA SANTOS |
Data da Resolução | 19 de Setembro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Por sentença proferida nos autos apensos, foi declarada a insolvência de J. V. e M. F.
, e em sede de assembleia de credores, de apreciação do relatório declarado aberto, o respetivo incidente de qualificação de insolvência, com caráter pleno.
O Sr. administrador de insolvência emitiu e juntou aos autos o seu parecer, em obediência ao disposto no artigo 188º nº 2 do CIRE, pronunciando-se pela qualificação da insolvência como culposa.
O Ministério Público, nos termos do artigo 188º nº 3 do CIRE pronunciou-se também no sentido da qualificação da insolvência como culposa, devendo ser afetados pela qualificação os próprios insolventes.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 188, nº 6 do CIRE, tendo os insolventes sido notificados para se oporem, querendo.
Os requeridos vieram então deduzir oposição a fls 28 e ss dos autos.
*Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido: a) Qualificar como fortuita a insolvência de J. V. e M. F.…”.
*Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o Mº Pº interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões: “1. O artº 186°, nº 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, legitima a aplicação às pessoas singulares do estatuído nos números 2 e 3 do mesmo normativo, desde que a isso não se oponha a diversidade das situações; 2. O facto de ter-se considerado (e bem) que M. L. não tinha relações especiais com os devedores, tal como exigido pelo art° 48°, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e, como tal, não ser possível considerar que o seu crédito era subordinado para efeitos de graduação, não obnubila o dever do Tribunal em dali inferir que ainda assim houve uma disposição de um bem em evidente seu favor; 3. A constituição de uma hipoteca sobre o imóvel dos devedores em favor daquela credora, que já foi casada com um irmão do insolvente marido, transformou um crédito comum (por se tratar de uma quantia atinente a mútuos) sobre terceiro (sociedade "X - Urbanizações e Obras Públicas, Lda.”) num crédito garantido sobre a insolvência, facto que legitimou a sua graduação em primeiro lugar e, como tal, irá ser satisfeito de acordo com o determinado no art° 174°, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, em evidente prejuízo dos demais credores; 4. Ademais, e porque a dívida subjacente à constituição da aludida hipoteca não era dos devedores mas sim da sociedade "X - Urbanizações e Obras Públicas, Lda", da qual foram sócios o insolvente marido e o seu irmão, casado que foi com a credora M. L., a identificada garantia serviu, também, para beneficiar injustificadamente tal pessoa colectiva; 5. Para chegar a este juízo é absolutamente irrelevante que inexistam relações consideradas especiais entre os devedores e a credora pois que em causa esteve, está e sempre estará o óbvio favorecimento de terceiros [uma credora (M. L.) e uma entidade devedora (sociedade "X - Urbanizações e Obras Públicas, Lda.”] em detrimento do património pessoal, que nunca seria responsável legal pelo pagamento daquela dívida; 6. É também impertinente colocar a tónica na não impugnação do crédito de M. L., pois não se questiona a sua veracidade, apenas a validade do meio utilizado para o garantir; 7. Porque tal factualidade se mostra perfectibilizada, a insolvência só poderia deixar de ser qualificada como culposa se os apelados demonstrassem (o que não fizeram) que não outorgaram qualquer escritura no âmbito da qual constituíram a favor de M. L. (até essa data credora de terceiro e não dos próprios) uma hipoteca unilateral sobre o referido imóvel para garantir a quantia de 310 372,47 €; 8. Não o tendo feito, a actuação do Tribunal a quo traduz uma inequívoca violação de lei substantiva, por erro de julgamento, porquanto acarinha uma interpretação incorrecta de uma norma jurídica [artº 186°, nº 2, als d) e f), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que assim foi violada] que acaba por afectar o respectivo conteúdo, modificando-o para o sentido precisamente oposto e motivando o denominado errar in judicando que se invoca para conhecimento pelo Tribunal ad quem.
Termos em que se conclui como supra, proferindo-se douto acórdão que revogue a sentença averiguada e: 1. Qualifique como culposa a insolvência de J. V. e M. F., nos termos do arf 186°, nº 1 e nº 2, als. d) e f), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; 2. Considere afectados pela qualificação J. V. e M. F. [arfo 189°, nº 2, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]; 3. Fixe em 06 (seis) anos o período em que aqueles ficarão inibidos para administrar patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa [artº 189°, nº 2, als. b) e c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]; 4. Determine a perda de quaisquer créditos que detenham sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente, a existirem, e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos [artº 189°, nº 2, al. d), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]; 5. Condene ambos a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património [artº 189°, nº 2, al. e), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]; 6. Ordene o registo da inibição para o exercício do comércio na Conservatória do Registo Civil [arfs. 189°, nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e 69°, nº 1, al. I), do Código de Registo Civil]…”*Os recorridos vieram apresentar Resposta ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
*Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir é apenas a de saber se a Insolvência dos devedores deverá ser qualificada como culposa (e dessa qualificação retirar as devidas consequências).
*Foram dados como provados na 1ª instância os seguintes factos: “1- Nos autos principais foi proferida douta sentença, datada de 10 de maio de 2018 e devidamente transitada em julgado, a declarar a insolvência de J. V. e M. F., casados entre si.
2- Os insolventes residem na Rua …, Braga.
3- Contra o insolvente marido (entre outros) correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Execução de Guimarães, Juiz 2, a Execução nº 4244/15.2 T8BRG, em que foi exequente o Banco ..., SA, no âmbito da qual foi penhorado o prédio urbano sito na Rua … Braga, inscrito na matriz predial rústica sob o artº … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº …/….
4- No dia 16-12-2015 os insolventes outorgaram uma escritura no âmbito da qual constituíram a favor de M. L. uma hipoteca unilateral sobre o referido imóvel para garantir a quantia de € 310.372,47 respeitante a alegados empréstimos por aquela efetuados à sociedade “X – Urbanizações e Obras Públicas, Ldª” e não aos próprios.
5- Esta hipoteca foi constituída cinco dias antes de os executados deduzirem oposição na execução referida no artigo 3º.
6- A sociedade “X – Urbanizações e Obras Públicas, Ldª”, que foi declarada insolvente no dia 03 de Agosto de 2017, tinha como sócios (entre outros) o insolvente e o seu irmão A. C., este também gerente.
7- A. C. foi casado com M. L. até...
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