Acórdão nº 718/17.9T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Data da Resolução19 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório M. P.

, residente na Rua ..., em Covilhã, M. M.

, residente na Avenida …, em Bragança, e F. J.

, residente na Rua …, em Bragança, intentaram contra F. M.

e contra R. M.

, ambos residentes na Rua …, em Bragança, acção declarativa, sob a forma comum, pedindo que seja declarado inválido, por anulabilidade, com efeitos retroactivos à data em que foi celebrado, o casamento celebrado entre os RR no dia 4 de Maio de 2017, na conservatória do registo civil de ..., inscrito como assento de casamento n.º 16 do ano de 2017, ordenando-se o cancelamento do registo.

Para tanto, alegaram nos termos constantes de fls. 4-8v, que aqui se dão por reproduzidos e que, de forma sintética, se reconduzem a invocar estar-se perante uma situação de demência notória do Réu, por incapaz de entender o alcance do seu acto de realizar o casamento.

*Regularmente citada, a Ré apresentou-se a contestar, alegando, em síntese, que o casamento foi nada mais do que o corolário da vontade de ambos os R.R., do medo de ficarem um sem o outro em virtude das constantes ameaças proferidas pelos filhos, por se tratar de duas pessoas que há 25 anos partilharam muito mais do que “cama, comida e roupa lavada”, partilharam histórias, sentimentos, angústias, carinhos, amor, companheirismo, cuidados, respeito e alegrias em momentos que não voltam mais e que não terão mais oportunidade de compartilhar.

Concluiu pedindo que: a) pela factualidade ora vertida, fosse a acção declarada extinta, por se ter tornado inútil a continuação da lide, ou b) suspenda a instância nos termos do preceituado na a) do n.º1 do art. 269.º do C. P. Civil.; Sem prescindir, requereu que: a) a acção fosse declarada improcedente por falta de legitimidade das partes e, consequentemente, a R. absolvida da instância, ou b) a acção julgada improcedente por não provada e, em consequência, a Ré absolvida do pedido.

*Por falecimento do Réu F. M., suspendeu-se a instância e procedeu-se à habilitação de A. J.

para que, na qualidade de sucessor do falecido, a acção prosseguisse em representação daquele.

*Deduzido articulado superveniente por parte dos Autores, em que se invocou a declaração de interdição de F. M., por sentença de 17.11.2017, transitada em julgado, com fixação do começo da incapacidade no dia 29.10.2011, foi o mesmo admitido.

*Foi proferido despacho saneador onde se reconheceu a validade e a regularidade do processado, se conheceu das excepções invocadas, julgando-se as mesmas não verificadas, se identificou o objecto do litígio, se enunciaram os temas da prova, em moldes que não suscitaram reclamações das partes em litígio, bem como se admitiu a prova requerida pelas partes.

*Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou totalmente procedente, por provada, a acção e, em consequência:

  1. Declarou a invalidade, por anulabilidade, com efeitos retroactivos à data do mesmo, do casamento celebrado em 04.05.2017 entre F. M., já falecido, e R. M.

    , registado no assento de casamento n.º 16 do ano de 2017 da Conservatória do Registo Civil de ...; b) Ordenou o averbamento da anulação ao assento de casamento e ao assento de nascimento de F. M. e da Ré.

    1. Condenou a Ré, por litigância de má fé, numa multa de valor equivalente a 6 (seis) U.C.’s.

      *II. O Recurso 1-Não se conformando com a decisão proferida veio a Ré apresentar recurso, nele formulando as seguintes conclusões:

    2. Insurge-se a Recorrente da douta Sentença proferida nos presentes autos e por isso vem dele recorrer quer do direito quer ao nível dos factos, uma vez que, entre o mais, condenou-a o Tribunal a quo como litigante de má-fé, ora não podíamos estar mais e desacordo perante tal condenação visto que foi, em tempo, apresentada contestação, disponibilizando-se ao Tribunal todos os factos e meios de prova suficientes para a boa decisão da causa.

    3. Tal contestação não significa, nem pode significar, só por si, que a Recorrente tenha adoptado um comportamento de litigante de má-fé, pois para que tal se verifique, é necessário a existência de dolo ou negligência grave, o que, não se vislumbrou.

    4. A Recorrente em momento algum impediu a descoberta da verdade ou mesmo ocultou factos que tinha conhecimento para obstar o Tribunal de decidir, não impediu que fossem produzidos todos os meios de prova disponibilizados por ambas as partes, bem como, não produziu na sua Instância meios de prova falsos.

    5. A Recorrente apenas não compareceu à sessão de audiência de discussão e julgamento, tendo sido devidamente repreendida pelo Tribunal.

    6. O Tribunal a quo violou deveres constitucionais previstos na Constituição da República Portuguesa, particularmente o nº 1 do art. 13º.

    7. Condenar a Recorrente em litigante de má fé, extravasa grosseiramente o objecto de litígio e bem assim a postura de rectidão que se pretende do Tribunal, enquanto órgão de soberania de administração da justiça em nome do povo, violando uma vez mais um direito constitucionalmente, este previsto e consagrado no nº 1 do art. 202º da C.R.P.

    8. Assim, outra decisão que não a de revogar a decisão do Tribunal a quo, no que a esta matéria respeita, não se aceita.

    9. Já quanto ao demais, insurge-se a Recorrente na medida em que não parece ter sido apenas com base no descrito na douta Sentença que o Tribunal a quo formulou a sua convicção, pois entendemos que ainda antes da audiência de julgamento começar havia já uma opinião formada no que respeita à questão de direito objecto de litígio nos presentes autos, como oportunamente se demonstrará.

    10. Deu Tribunal a quo como provado, entre o mais, no ponto 8 da douta Sentença que “(…) Por sempre ter vivido na casa dos pais dos Autores, e atentas as funções que sempre exerceu, a Ré foi ganhando paulatinamente a confiança de F. M., que se foi acentuando à medida que aumentava a idade deste e se debilitava a sua saúde.” J) O Tribunal a quo faz crer que a Recorrente foi ganhando a confiança do falecido F. M. à custa do estado de saúde deste e bem assim do avançar da idade, quando tal não é verdade.

    11. Não há dúvidas que o pai dos Recorridos depositava grande confiança na Recorrente, mas também os Recorridos a depositavam, conforme depoimento prestado pela Autora M. P. gravado em suporte digital: “(…) Autora M. P.: Ah, que eu a tratei como família, tratei. (…) Ela estava ali e nós não tínhamos coragem de a por à parte, era uma pessoa que eu e os meus irmãos tratamos com todo o respeito e carinho.” L) O Autor A. J., por sua vez, em depoimento gravado em suporte digital, acrescentou que “(…) Autor A. J.: A R. M. para ele era a meninas dos olhos. (…) Nunca me apercebi disso, agora que ele só fazia aquilo, com o consentimento dela, isso é um facto.” M) Certo é que a Recorrente viveu com o pai dos Recorridos por mais de trinta anos, sendo ainda uma “criança”, segundo as palavras do Autor M. M., quando foi trabalhar para casa dos pais deste, continuando lá a trabalhar depois da mãe falecer, acabando por viver sozinha com F. M., fazendo por isso uma vida em comum, como se de um casal se trata-se.

    12. A Recorrente foi a única companhia que o pai dos Recorridos teve, sendo por isso a única pessoa que lhe dava amor e carinho, pois os Recorridos poucas vezes estavam com o pai, segundo palavras da Autora M. P. “ A única pessoa que estava no Natal era eu, porque os meus irmãos têm as mulheres, têm as minhas cunhadas e passavam com a família.”, chegando mesmo a “abandonaram o pai”, segundo palavras do Autor A. J. que referiu ainda que a “R. M. era a menina dos olhos dele”, e ainda que “ele só fazia aquilo, com o consentimento dela”.

    13. Mal andou o Tribunal a quo na apreciação da matéria de facto, na medida em que descontextualiza e deturpa a prova produzida por forma a sustentar a sua convicção.

    14. Deu também como provado no ponto 10 da douta Sentença que “(…) a saúde física e mental de F. M. começar a dar sinais de grande debilidade no ano de 2011, tendo estado internado por duas vezes em estabelecimentos hospitalares com um estado de saúde bastante crítico.” Q) Quanto à primeira parte do facto dado como provado depreendemos que o Tribunal a quo, retirou tal conclusão do Relatório Médico pericial junto aos autos, mas já não alcançamos de onde retirou matéria suficiente para dar como provado que o pai dos Recorridos, esteve internado em estabelecimentos hospitalares “com um estado de saúde bastante crítico”, R) isto porque do Relatório Médico Pericial conclui-se, que os episódios de urgência/ internamento que o pai dos Recorridos teve não foram críticos como erradamente, qualifica o Tribunal a quo, pois o que consta, por exemplo, é que: “ (…) Das cópias de diversos documentos clínicos que tivemos acesso, consta que o examinado, em 5 de Janeiro de 2000, terá recorrido ao Serviço de Urgência (SU) da … – Unidade Hospitalar de … (…), por episódio de lepotimia e afasia e disartria (dificuldade em articular palavras, com incontinência de esfíncteres (são referidos dois episódios semelhantes no ano anterior). (…) Da Nota de Alta de internamento no Serviço de Bragança de Medicina Interna da ULSN, depreendemos que o examinado esteve internado, de 23 a27 de Fevereiro do corrente ano, por queixas de dificuldade respiratória/taquipneia com uma semana de evolução. É referido que é totalmente dependente e nos antecedentes pessoais está registada uma síndrome demencial. No EO é referido estar vígil, colaborante dentro das possibilidades, não comunicativo.” S) Depois de lermos com todo o cuidado que o documento requer, não concluímos do Relatório um estado de saúde bastante crítico, pelo que mal andou o Tribunal a quo a retirar ilações que extravasam em absoluto a prova documental carreada nos autos.

    15. Não podemos fechar os olhos a isto, pois fazê-lo é não pautar o nosso comportamento por aquilo a que honradamente nos comprometemos enquanto administradores da justiça.

    16. O Tribunal a quo incorre, num erro ostensivo na apreciação da prova, ignorando e afrontando...

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