Acórdão nº 1066/19.5T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | PAULO REIS |
Data da Resolução | 19 de Setembro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório M. C. instaurou no Juízo de Família e Menores de Braga - Juiz 1- em 22-02-2019, processo judicial de adoção, ao abrigo do disposto no artigo 52.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 08 de setembro (doravante designado RJPA), visando a adoção plena pelo requerente do jovem E. T., nascido a ..-..-2002, estudante, consigo residente, filho de A. M., com quem o requerente é casado desde ..-..-2007, e de A. D., todos devidamente identificados no processo.
Alegou para o efeito, e em síntese, que o pai biológico do jovem E. T. nunca se interessou pelo filho, desde o nascimento deste, comportamento que já indiciava, pois, quando soube do estado de gravidez da mãe do jovem afastou-se em absoluto, não lhes dando qualquer apoio; o jovem E. T. tinha um ano de idade quando esteve com o seu pai biológico pela primeira e última vez; durante todos estes anos, o pai biológico nunca pagou sequer qualquer importância a título de pensão de alimentos, nem procurou o jovem, não existindo qualquer ligação ou convivência do jovem com qualquer familiar direto do lado paterno; o aqui requerente começou a namorar com a mãe do jovem E. T. em maio de 2004, tendo, de imediato, criado uma forte ligação com o filho da sua, então, namorada, com quem veio a casar em 14 de julho de 2007; o E. T. reside, desde 2005, então com 3 anos, com o requerente e a sua mãe, sentindo-se plenamente integrado numa verdadeira família, num lar harmonioso e feliz, e nela tem vindo a moldar as suas estruturas afetivas, sociais e psicológicas e apresenta excelente desenvolvimento; o requerente sempre tratou e cuidou do jovem E. T. com amor e carinho, educando-o, como seu filho, e este sempre viu no requerente a sua (única) referência paterna, tratando-o como o seu verdadeiro pai, com respeito e carinho.
Conclui que se mostram reunidos os pressupostos legais para ser decretada a adoção plena do jovem E. T., requerendo que este passe igualmente a assumir o apelido do requerente.
Juntou documentos - entre os quais certidões dos assentos de nascimento do adotando e do requerente, bem como do assento de casamento deste último -, e arrolou testemunhas.
Recebido o requerimento inicial foi entretanto realizado e junto o relatório previsto nos artigos 8.º, al. i), 34.º, n.º 1, al. c), 3, 50.º, n.º 4, e 53.º, n.º 3, do RJPA, elaborado pela Equipa de Adoção do Núcleo de Infância e Juventude - Unidade de Desenvolvimento Social -Centro Distrital de … Instituto da Segurança Social, I.P. do qual consta, além do mais, o seguinte Parecer/Conclusão: «De acordo com os dados recolhidos e face ao exposto, julga-se importante a constituição do vínculo de adoção, como forma de legitimar, através de ato judicial, uma relação afetiva e familiar que já existe de facto. Os laços afetivos existentes entre pai e filho foram construídos através de partilhas e vivências comuns. Entre E. T. e M. C. existem vínculos de pertença e afeto, que são reconhecidos pelos próprios, mas também por todos os que são próximos da família, como vínculos próprios da filiação.
Assim, somos de parecer favorável à constituição do vínculo de adoção».
No decurso do processo foi designada data para audição do adotante, da mãe do adotando, testemunhas, do adotando e do pai biológico deste, A. D., vindo apenas a concretizar-se a audição deste último, por duas vezes, perante a Mma. Juíza a quo. O pai do adotando foi, então, instado para esclarecer se prestava o seu consentimento para a adoção do filho, tendo declarado inicialmente que embora não tenha estado ou convivido com o filho nos últimos 15 anos, não dava autorização para que o mesmo possa vir a ser adotado pelo requerente, solicitando, contudo um prazo para se poder pronunciar sobre a questão, o que foi concedido. Foi designada nova data para declarações ao pai do adotando e eventual prestação de consentimento por este foi reafirmado não dar consentimento para a adoção do seu filho pelo requerente.
O requerente foi notificado do teor das declarações do pai do adotando, vindo sustentar dever ser dispensado o consentimento do progenitor para a adoção, apelando ao superior interesse da criança e ao primado da continuidade das relações psicológicas profundas, e sustentando que os princípios orientadores da intervenção em matéria de adoção não contemplam a menção aos progenitores da criança, sublinhando a vinculação afetiva estabelecida e consolidada do jovem junto do requerente e defendendo não ser suficiente para obstar à adoção pretendida vir tardiamente o pai biológico recusar o consentimento, em qualquer motivo, quando durante mais de 15 anos não se preocupou sequer em saber onde e com quem estava a criança. Defende que no caso tem aplicação o disposto no artigo 1981.º, n.º 2, do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 143/2015, de 08.09.
O Ministério Público teve “vista” dos autos, promovendo então o indeferimento da requerida adoção, por inadmissibilidade legal, considerando não estarem reunidos os requisitos legalmente exigidos para a adoção pelo facto de faltar o consentimento para a adoção por parte do progenitor do adotando e não se verificar qualquer das circunstâncias legais em face das quais se pode dispensar esse consentimento.
Em 9-07-2019, foi proferida decisão, julgando a ação improcedente face à procedência da questão prévia suscitada a propósito de saber se devia a ação prosseguir para audição do jovem E. T. e de sua mãe, bem como das testemunhas arroladas, quando é certo que o pai biológico do E. T. não presta o seu consentimento para a adoção do mesmo pelo requerente. Para o efeito, foi tal consentimento considerado como requisito necessário à procedência da ação e julgado não verificado qualquer dos casos previstos no artigo 1981.º, n.º3, do Código Civil para a dispensa do consentimento dos pais do adotando.
Inconformado com a decisão proferida veio o requerente interpor recurso da mesma, pugnando no sentido de ser revogada a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir a fim de ser ouvido o menor e produzidas as diligências probatórias requeridas para esclarecimento dos pontos que se mostrem controvertidos e perante a factualidade apurada, devendo, a final, ser dispensado o consentimento do progenitor para a adoção, por se considerar que os princípios orientadores contidos no artigo 3.º do RJPA devem prevalecer sobre o requisito formal do consentimento prévio do pai biológico, exigido pelo artigo 1981.º, n.º1, al. c), do Código Civil e que estes se mostram preenchidos.
Terminou as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I. A douta sentença de que ora se recorre privilegiou claramente a decisão de forma sobre a decisão de mérito, afastando-se totalmente da defesa do primacial interesse superior da criança, ao abster-se de ordenar o prosseguimento dos autos, com vista a apurar factualidade que, necessariamente, conduziria a decisão diversa, de acordo com o regime legal aplicável.
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A factualidade alegada no requerimento inicial revela o desinteresse reiterado do pai biológico pelo filho durante cerca de 16 anos, sem que procurasse estabelecer qualquer contacto, apesar de até residirem na mesma cidade, nunca se preocupando sequer com a sua existência, alimentação, saúde e vigilância, preenche o conceito de abandono, nos termos do disposto na alínea c) do n.° 1 do art.° 1978° do CC.
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O tribunal “a quo” não observou os princípios contidos no art.° 3° do Regime Jurídico do Processo de Adopção (RJPA), aprovado pela Lei n.° 143/2015, de 8 de Setembro que, por imposição legal, hão-de nortear todo o acto e intervenção levados a cabo no âmbito da adopção, designadamente, aqueles que sejam desenvolvidos no processo judicial de adopção.
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Embora o art.° 54°, n.° 1, al. b) do RJPA estabeleça que as pessoas cujo consentimento a lei exija e não haja sido previamente prestado ou dispensado sejam ouvidas pelo juiz, com a presença do Ministério Público, o certo é que aqueles princípios...
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