Acórdão nº 370/16.9T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução19 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO MARIA instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, emergente de acidente de viação, contra a COMPANHIA DE SEGUROS X, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de €269.193,15, a titulo de indemnização pelos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, acrescida de juros legais de mora a partir da citação, bem como, o que se liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença.

Alegou, para tanto e em síntese, que no dia 30 de Agosto de 2010, pelas 16h47, ocorreu um acidente de viação na Estrada Nacional nº .., ao Km 234,9, na freguesia de ..., Bragança, em que intervieram os veículos automóveis ligeiros de passageiros, de matrículas CH, propriedade de H. F., e o CA, propriedade da autora. Imputa a ocorrência à actuação ilícita e culposa de O. C., que conduzia o veículo CH no exercício das funções de que o respectivo proprietário a incumbira e que invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o seu sentido de marcha, indo embater com a frente do lado esquerdo daquele veículo na frente do lado esquerdo do CA.

Em consequência do referido embate a autora sofreu lesões corporais, nomeadamente fractura exposta das diáfises da tíbia e perónio esquerdos, que determinaram o seu internamento hospitalar, intervenções cirúrgicas e diversos tratamentos, que se prolongaram no tempo. Encontra-se curada mas com sequelas que implicam uma IPG de 21 pontos.

*A ré apresentou contestação, aceitando genericamente a versão do acidente relatada pela autora. Impugnou parcialmente os danos e os valores reclamados.

*Realizou-se a audiência prévia, na qual foi apresentado articulado superveniente e que foi suspensa com vista a um provável entendimento entre as partes. Uma vez que não foi obtido o acordo, proferiu-se despacho saneador tabelar. Identificou-se o objectivo do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença em que se decidiu: – «Nesta conformidade e sem necessidade de mais considerandos julga-se a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência decide-se: Condenar a ré a pagar á autora a quantia de € 43.998,15, a qual compreende a indemnização calculada em € 40.000,00 mais €3.998,15 de despesas e lucros cessantes. A qual, acrescerá os juros legais desde a sentença até integral pagamento.

Custas por ambos de acordo com o decaimento.»*Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: « 1.ª – No artigo 9.º da sua douta contestação, a Ré alegou que “…as sequelas que a autora apresenta, em consequência do acidente dos autos – défice funcional do tornozelo esquerdo, talalgia e cicatriz dismórfica no 1/3 inferior da perna esquerda – determinam-lhe (…) uma incapacidade permanente geral fixada em 10 pontos (IPG).”.

  1. – A mesma Ré, juntou com o seu referido articulado, sob o documento n.º 1, o denominado boletim clínico, que foi elaborado pelos seus serviços clínicos, onde, na sua primeira página, expressamente consta que a incapacidade permanente geral que afeta a Autora é fixável em 10 pontos.

  2. – As sobreditas alegações subsumem-se à afirmação ou confissão expressa de factos feita pelo mandatário no articulado da contestação, pelo que, atento o disposto nos arts. 46.º e 465.º, n.º 2, ambos do C.P.C., somente poderiam ser retiradas enquanto a Autora, aqui recorrente, as não tivesse aceitado especificadamente.

  3. – Através do seu requerimento de fls.., apresentado em juízo em 11/12/2017 (com a referência citius 27599256) a ora recorrente declarou que “aceita, especificadamente e sem reservas, a mencionada afirmação/confissão plasmada pela Ré no referido artigo 9.º da douta contestação.”.

  4. – Até ao momento da apresentação nos autos do aludido requerimento de aceitação especificada, a recorrida não se tinha retratado, nem havia retirado as afirmações em apreço.

  5. – Portanto, não sofrerá dúvidas que as afirmações em causa se subsumem ao conceito legal de confissão, tal como o define o art. 352.º do Código Civil.

  6. – Tais afirmações valem, pois, como PROVA POR CONFISSÃO JUDICIAL, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 452.º e seguintes do C.P.C., sendo de relevar que têm FORÇA PROBATÓRIA PLENA contra a recorrida, enquanto confitente, atento o que se diz no art. 358.º, n.º 1 do Código Civil.

  7. – Sabendo-se que a prova por confissão judicial se sobrepõe hierarquicamente a todas as demais provas, nomeadamente à prova pericial, face à prevalência e eficácia absolutas da confissão, teria, forçosamente, de ser desconsiderado, no que à IPG respeita, o relatório da perícia médica efetuada.

  8. – O Mº Juiz a quo estava obrigado a levar em conta e vinculado a dar como provada a matéria factual alvo da mencionada confissão, produzida pela recorrida e aceite especificadamente pela recorrente.

  9. – Assim, por virtude da confissão havida, é meridianamente certo que deverá ser alterado o teor do ponto 66) dos factos provados, substituindo-se pelo seguinte texto: “As sequelas que afetam a A. implicam que ela, sob os pontos de vista ortopédico e psicológico, seja portadora de uma incapacidade permanente geral (IPG), que lhe diminui a capacidade física e de ganho, de 10 pontos e que obriga a esforços acrescidos, sendo de admitir a existência de dano futuro”.

  10. – O montante fixado na douta sentença (40.000,00 €) como indemnização global devida à recorrente, que inclui quer os danos de natureza patrimonial decorrentes da Incapacidade Permanente Geral de esta ficou a padecer (10 pontos), quer os de cariz não patrimonial, é muito baixo e não valoriza de forma minimamente razoável tais danos.

  11. – Os danos de caráter patrimonial e não patrimonial, atenta a sua diversidade e caraterísticas, não podem, como fez o Tribunal “a quo”, ser fixados em conjunto, “metendo tudo no mesmo saco”.

  12. – Ao invés, terão de ser apreciados e valorados isoladamente, conforme é, aliás, entendimento firmado e dominante na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.

  13. – A indemnização destinada a ressarcir o dano patrimonial resultante da IPG deve, tal como tem sido fartamente sufragado pela jurisprudência conhecida, representar um capital que reponha a perda de capacidade de trabalho e de ganho perdida e proporcione um rendimento compensatório que se extinga no fim do tempo provável de vida do lesado.

  14. – Ultimamente, tem-se entendido – e bem – que o lesado precisa de manter o nível de rendimento enquanto viver, mesmo para além da idade da reforma.

  15. – É, com efeito, depois do final da vida ativa que o lesado mais necessidades tem e mais precisa de manter um nível de rendimentos que lhe permita satisfazer essas suas necessidades suplementares.

  16. – Será adequado, na esteira do que tem sido decidido pelo nossos Tribunais Superiores, que, em casos como o presente, se recorra, como auxiliar de cálculo da indemnização pelo dano material inerente à IPG, à fórmula de cálculo utilizada no Ac.

    do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II.

  17. – Esta fórmula, na verdade, tem em conta vários fatores relevantes, tais como a progressão na carreira, a erosão monetária, e o crescimento dos rendimentos salariais.

  18. – Os valores assim encontrados deverão, depois, ser temperados à luz das circunstâncias concretas de cada caso e da equidade.

  19. – Através da mencionada fórmula, considerando o rendimento laboral mensal de 1.803,54 €, que a recorrente tinha 40 anos à data do acidente, a incapacidade permanente parcial de 10 pontos, o período de vida ativa até aos 70 anos e a progressiva baixa da taxa de juro (neste momento e face à realidade atual, inferior a 2%) encontramos um capital de cerca de 85.000,00 €.

  20. – Temperando este montante à luz das regras da equidade (considerando a previsibilidade de agravamento futuro e que, previsivelmente, a recorrente viverá, pelo menos, mais 10/15 anos para além do fim da vida ativa), afigura-se-nos que será justo e equilibrado arbitrar, como compensação pela IPG de 10 pontos e inerente dano patrimonial, a indemnização de 100.000,00 €.

  21. – Em relação ao valor fixado para ressarcimento dos danos não patrimoniais, a douta sentença recorrida, incluiu os mesmos numa verba única, que abarca também os danos patrimoniais, mas mal, como se demonstrou.

  22. – Deve, neste particular, atender-se às consequências físicas e morais que para a recorrente resultaram do acidente, sendo aqui manifestamente relevante que tinha apenas 40 anos à data do evento, que foi submetida a três intervenções cirúrgicas e toda a panóplia de tratamentos a que se sujeitou e de gravíssimas sequelas de que ficou a padecer.

    24.º – Importa, ainda, ter presente que, como se provou, existe a certeza de que ocorrerá dano futuro.

  23. – Recorrendo, pois e uma vez mais, à equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso em apreço, temos que a justa e equilibrada indemnização, adequada a compensar os danos não patrimoniais sofridos, deverá corresponder ao montante mínimo de 50.000,00 €.

  24. – A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artºs 352.º, 358.º, 483.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil e os arts. 46.º e 465.º, ambos do C.P.C..

    NESTES TERMOS, Concedendo provimento ao presente recurso, alterando a douta sentença recorrida em conformidade, ou seja, modificando, em virtude da confissão da recorrida, o ponto 66. dos factos provados nos termos propostos e atribuindo e fixando os montantes indemnizatórios destinados a ressarcir o dano patrimonial resultante da IPG e o dano não patrimonial nos valores preconizados,!.»*A apelada contra-alegou e requereu a ampliação do âmbito do recurso, apresentando, neste conspecto, as seguintes conclusões: «1. Caso o recurso da autora venha a merecer provimento – o que apenas se equaciona por mera cautela e para efeitos do presente raciocínio – a ora recorrida pretende sejam...

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