Acórdão nº 3120/19.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA LUÍSA RAMOS
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães F. A. e mulher, J. G., intentaram a presente Acção Declarativa, com Processo Comum, contra J. P., pedindo se condene o Réu a: a)reconhecer que os Autores são donos e legítimos possuidores da fracção “AT”; b) que esta é composta por habitação no terceiro andar e ainda uma divisão na sobre cave, designada por garagem 37; c)a restituir aos AA. aquela garagem nº 37, com a área de 20 mts 2, situada na sobre cave, fila nascente segunda a contar do lado norte, livre de pessoas e bens pessoais; c) e que o R. seja condenado a pagar aos AA. a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização por danos morais.

Alegam os Autores que a garagem descrita faz parte da fracção “AT” de que são proprietários, em prédio constituído em propriedade horizontal, e mesma vem sendo ocupada pelo Réu, e notificado este para entregar a referida garagem aos Autores o Réu nada fez, continuando a ocupar a dita garagem.

Devidamente citado veio o Réu apresentar contestação, tendo alegado, em síntese, que o direito de propriedade relativo à dita garagem pertence, não aos Autores, mas ao próprio Réu, por ter sido adquirido por usucapião.

E, assim, conclui o Réu no sentido da improcedência da acção.

O Réu deduziu, ainda, pedido reconvencional contra os Autores, pedindo a condenação dos Autores/Reconvindos a: b)reconhecer que a referida garagem pertence ao Réu, podendo este retificar o título de propriedade horizontal em conformidade; c)a condenação dos Autores a absterem-se de praticar qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte do Réu daquela garagem.

Os Autores ofereceram Réplica.

Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, tendo sido verificada a regularidade e a validade da instância, identificado o objecto do litígio, e enunciados os temas da prova.

Realizado o julgamento foi proferida decisão a julgar a acção, nos seguintes termos: “ Pelo exposto, julgo a presente acção, intentada por F. A. e J. G. contra J. P., parcialmente procedente, por provada, e consequentemente: - declaro que a fracção autónoma designada pelas letras AT, descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º ..., composta por habitação no terceiro andar direito e garagem, sita na Rua da ..., Lugar de ..., freguesia de ..., em Guimarães, melhor identificada em 1., pertence aos AA.; - declaro que a divisão existente na sobre cave do aludido prédio, com área de vinte metros quadrados, destinada a garagem, localizada na fila nascente, sendo a segunda a contar do lado norte, que vem sendo ocupada pelo R., integra a fracção autónoma designada pelas letras AT, pertença dos AA.; - condeno o R. a entregar aos AA. a dita garagem, livre de pessoas e bens; - julgo improcedente o pedido indemnizatório deduzido pelos AA. contra o R., absolvendo o mesmo de tal pedido.

Julgo totalmente improcedente a reconvenção, deduzida por J. P. contra F. A. e J. G., e, em consequência, absolvo os AA. dos pedidos contra si deduzidos pelo R.” Inconformado veio o Réu recorrer interpondo recurso de apelação.

O recurso veio a ser admitido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta o apelante formula as seguintes Conclusões: 1. O Recorrente não concorda com a decisão proferida por entender que, partindo do princípio de é dono e legítimo possuidor da divisão existente na sobre cave do prédio em causa, com área de vinte metros quadrados, destinada a garagem, localizada na fila nascente, sendo a segunda a contar do lado norte em virtude de a ter adquirido por usucapião, sempre se impunha uma decisão diferente sobre a matéria de direito.

  1. O Recorrente entende que a decisão em apreço deve ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os pedidos deduzidos pelos Autores nas alíneas a) a c), e que, por via disso, julgue procedente a reconvenção deduzida pelo Recorrente e decida que se pode alterar o título constitutivo da propriedade horizontal, através da anexação à fracção autónoma aludida em 3. de parte física da fracção aludida em 1.

  2. Uma vez que Tribunal a quo entendeu que a posse do Recorrente relativamente à dita garagem preenche os requisitos da aquisição por usucapião, não podemos deixar de dizer que o que aqui sustentaremos é a interpretação de que é possível a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, através de decisão judicial, que se funde em aquisição por usucapião e que ela operará mesmo relativamente a uma parte de uma fracção autónoma.

  3. É, assim, posição do Recorrente que a decisão recorrida violou ou não fez a melhor interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2.º e 7.º do Código de Registo Predial, e dos artigos 1414.º, 1415.º, 1417.º, 1418.º, 1419.º, 1422.º-A, todos do Código Civil.

  4. Perante a convicção do Tribunal a quo de que a posse do Recorrente relativamente à garagem em questão cumpre os requisitos da aquisição por usucapião, sempre se dirá que este Tribunal deveria ter decidido como esta Relação decidiu no acórdão proferido em 30.05.2018, no processo n.º 8250/15.9T8VNF, in www.dgsi.pt, assim: “IV. Pode ser adquirido por usucapião um lugar de estacionamento. V. O título constitutivo poderá ser alterado nos termos do art.º 1422º-A, nº 1 e 2 e 4 do CC, por acto unilateral constante de escritura pública, não sendo necessária a intervenção de todos os condóminos.” 6. Atento tal posição, entendemos que o disposto no artigo 1419.º, n.º 1 do Código Civil não poderá obstar à modificação do título constitutivo da propriedade horizontal através de decisão judicial e com base na aquisição por usucapião, mormente, através da integração física da garagem, que pertence à fracção dos Autores, na fracção autónoma do Recorrente.

  5. Nessa medida, o título constitutivo da propriedade horizontal poderá ser alterado, nos termos do artigo 1419.º do Código Civil, por decisão judicial, não sendo necessária a intervenção de todos os condóminos. Se a propriedade horizontal pode ser constituída por usucapião (artº 1417º, nº 1 do Código Civil), também poderá ser alterada através da invocação da usucapião (defendendo esta possibilidade, vide DURVAL FERREIRA, em “Posse e usucapião”, pág. 446-447, da ed. de 2002, da Almedina).

  6. No sentido de que pode ser adquirido por usucapião um lugar de estacionamento que integrava no título constitutivo outra fracção, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9.5.2006, proferido no âmbito do processo 966/06, disponível em www.dgsi.pt.

  7. E no sentido de que se pode adquirir por usucapião um lugar de estacionamento diferente do que consta do título de propriedade horizontal, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 30.05.2016, processo nº 1817/11, in www.dgsi.pt, que julgou procedente o pedido reconvencional deduzido no sentido do reconhecimento pelos autores de que o seu lugar do estacionamento é o situado no lado nascente sul por ter sido o que estes quiseram comprar e sempre utilizaram há mais de 28 anos, embora não fosse o que constava no título constitutivo da propriedade horizontal como afecto à fracção habitacional por eles adquirida.

  8. Atento o exposto, impunha-se ao Tribunal de 1.ª instância reconhecer ser possível a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, pois que o disposto no artigo 1419.º, n.º 1 do Código Civil não pode impedir o funcionamento das normas legais atinentes à usucapião - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20.11.2007, processo n.º 5404/2007-7, in www.dgsi.pt -, 11.Devendo, assim, decidir-se pela integração física à fracção do Recorrente de uma parte da fracção dos Autores, com a inerente alteração do título constitutivo da propriedade horizontal - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09.05.2006, processo n.º 966/06, in www.dgsi.pt.

  9. Julgamos, pois, que o disposto no artigo 1419.º, n.º 1 do Código Civil não poderá obstar à modificação do título constitutivo da propriedade horizontal através de decisão judicial e com base na aquisição por usucapião - cfr. acórdãos do STJ de 4/2/2014, relator Conselheiro Fernandes do Vale e de 9/10/98, relator Santos Bernardino, in www.dgsi.pt e Ac. RC de 31/5/2005, Proc. 399704.dgsi.Net, relator Serra Baptista.

  10. Até porque, se assim não fosse, não fazia qualquer sentido provar-se a aquisição por usucapião, como resulta dos autos, com a forçosa alteração da própria propriedade horizontal que daí deriva e não permitir a consolidação jurídica dessa realidade.

  11. Em conclusão, e salvo o devido respeito por opinião diversa, a decisão em crise não se poderá manter, não podendo impedir o funcionamento das normas legais atinentes à usucapião, 15.Devendo o Tribunal recorrido substituir-se aos condóminos, modificando o título constitutivo da propriedade horizontal através de decisão judicial.

  12. Por todo o exposto, considerando-se que a aquisição por usucapião de parte de uma fracção é possível e integrando a dita garagem na fracção autónoma aludida em 3), deveria o Tribunal a quo ter decidido pela modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, sem observância do estipulado no artigo 1419.º do Código Civil, porquanto podendo a propriedade horizontal ser constituída por usucapião nada impede que seja modificada por usucapião, não sendo necessária a intervenção de todos os condóminos.

  13. Nessa medida, deverá a decisão em crise ser substituída por outra que declare que a divisão existente na sobre-cave do prédio em causa, com área de vinte metros quadrados, destinada a garagem, localizada na fila nascente, sendo a segunda a contar do lado norte pertence ao Recorrente, devendo ser integrada fisicamente na sua fracção autónoma identificada no ponto 3. da factualidade dada como provada.

    Não foram oferecidas contra-alegações O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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