Acórdão nº 1213/18.4T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA LUÍSA RAMOS
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães M. O. e mulher, D. V., instauram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. P. e mulher, L. P., pedindo a condenação dos réus a:

  1. Reconhecerem que sobre o seu prédio denominado Campo da ..., identificado no artigo 8.º da petição inicial, existe uma servidão de passagem a favor do prédio dos autores, descrito no artº 1º, ponto II, materializado no caminho carral referido nos artº 11º a 13º da p.i., para trânsito de pessoas a pé ou com carros de duas mãos durante todo o ano, e com carros de lavoura, tractores agrícolas e animais, a exercer desde 30 de Setembro a 28 de Maio; B) A reconhecerem aos autores o direito de alargarem o período da exercício da servidão acima referida, por forma a conseguir-se uma passagem permanente diária, de várias vezes ao dia, comprometendo-se os autores a oferecerem passagem permanente sobre o seu prédio designado por campo da ... identificado no artº 1º ponto I para o prédio dos Réus designado por campo da ... e melhor identificado no artº 8º da p.i.

    Alegam, em síntese, que o prédio, denominado Campo do ..., que adquiriram, por compra e venda e, ademais, por usucapião, é, e sempre foi, totalmente encravado. Por isso, há mais de 20, 30 e 50 anos que, para lhe acederem, por si ou por terceiros, a pé ou de carro, atravessam o Campo da ... dos réus, usando um caminho trilhado em terra batida, implantado a Sul e no sentido Nascente-Poente, com cerca de 2,5 metros de largura e 32 metros de comprimento no prédio atravessado, o que fazem pública, pacificamente e de boa fé, porque na convicção do exercício de um direito próprio e sem lesar interesses de terceiros, acrescentando que a passagem de carro cessa no período compreendido entre 29 e Maio e 29 de Setembro.

    Têm absoluta necessidade de uma passagem carral durante todo o ano para o Campo do ..., porque as culturas hortícolas a que querem destinar os seus prédios não se compadecem com uma passagem carral restrita ao período de 30 de Setembro a 28 de Maio, exigindo antes uma passagem permanente e quase diária, e, ademais, porque já não têm os autores a mesma destreza e capacidade física para efectuar percursos com pesos, necessitando do auxílio de máquinas, sendo que a privação da passagem nos moldes actuais lhes causa graves prejuízos decorrentes das limitações impostas ao cultivo e à apanha dos produtos, pelo que, pretendem, como peticionado, o alargamento do período de passagem carral, disponibilizando-se para estender o mesmo alargamento aos réus que beneficiam de idêntica passagem sobre prédio deles, autores, se os Réus assim o pretenderem, requerendo os autores arbitramento se necessário.

    Devidamente citados vieram os Réus contestar, em síntese, declarando não aceitar a alteração da dita servidão de passagem que sustentam ter sido constituída por contrato, escritura pública, de 12 de Julho de 1984.

    Foi proferido despacho saneador e fixado o “Objecto do litígio” e os “Temas de prova”.

    Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos: “ Nestes termos, julga-se a presente acção procedente, por provada, em consequência do que se: 1. declara que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado “Campo do ...”, com a área de 3.670 m2, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Verde, inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..; 2. declara que os réus são donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado “Campo da ...”, composto de terreno de cultura, com a área de 1.200 m2, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Verde, inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo ... (antigo artigo ...); 3. declara que, por usucapião, se constituiu uma servidão de passagem, de carro, tractor e a pé, com ou sem animais, sobre o “Campo da ...” (prédio serviente), descrito supra em 2., a favor do “Campo do ...” (prédio dominante), descrito supra em 1., por um caminho trilhado, com piso em terra batida, que atravessa o prédio serviente, pela estrema Sul, e no sentido Nascente/Poente, por cerca de 32 metros, com uma largura carral de 2,5 metros; direito que cessa, no que no que à passagem de carro respeita, no período compreendido entre 29 de Maio a 29 de Setembro; 4.reconhece aos autores, porque para estes vantajoso, o direito à mudança do tempo do exercício do sobredito direito de servidão de passagem, de carro e tractor, sobre o “Campo da ...”, o qual se exercerá sem a limitação temporal referida em 3. “ Inconformados vieram os Réus recorrer, interpondo recurso de apelação.

    O recurso foi recebido como recurso de Apelação, com subida nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.

    Nas alegações de recurso que apresentam, os recorrentes formulam as seguintes Conclusões: ( consigna-se que o texto das conclusões contém lapso material de numeração após Cls. XXI ) I. O tribunal a quo fixou como tema a decidir na presente demanda, passa-se a citar “Está em causa, nestes autos, essencialmente, a questão de saber se pode ser alterado o modo de exercício do direito de passagem sobre o prédio dos réus, alargando-se o período de passagem carral ao ano inteiro, por tal ser necessário ao cultivo do prédio dominante, sob pena de causar prejuízos aos titulares do direito (de servidão).

    1. À final, o tribunal a quo julgou a ação procedente e condenou os RR aqui recorridos, - ponto 4 da sentença - a saber: “ Reconheço aos autores, porque para estes vantajoso, o direito à mudança do tempo do exercício do sobredito direito de servidão de passagem, de carro e tractor, sobre o “Campo da ...”, o qual se exercerá sem a limitação temporal referida em 3”.

    2. Os aqui Recorrentes não se conformam precisamente com o segmento de condenação do ponto 4 do de da douta decisão do Tribunal a quo que, alterou o modo temporal do exercício da servidão que era de 29 de Maio a 29 de Setembro, - assente no ponto 3 da condenação - para passar a não ter limitação temporal no seu modo de exercício.

    3. A fundamentação da douta sentença gira em torno da aplicabilidade ao presente caso do artº 1568º do código civil, tendo o tribunal a quo, nos fundamentos da douta sentença, referido, passa-se a citar: “ Ora, sempre ressalvado o devido respeito por entendimento diverso, a possibilidade de passar com carro e máquinas agrícolas durante todo o ano, sem a limitação actual, em que estão obrigados a passar a pé e agricultar (cultivar, colher e carregar) “à mão” entre 29 de Maio e 29 de Setembro, traz, sem dúvidas, vantagens aos autores. Sempre se dirá, de acordo com a normalidade do acontecer, que o contributo do uso das máquinas, por tornar menos pesado e árduo o trabalho agrícola, é sempre vantajoso para quem do seu uso, tal como os autores, se pretende prevalecer”.

    4. Entendem assim humildemente os aqui recorrentes que o Tribunal fez uma errónea interpretação e aplicação do direito, devendo este Venerando Tribunal alterar tal decisão.

    5. A alteração do limite temporal teria de ser precedida de autorização de ambos, e, no presente caso, os aqui recorrentes, proprietários do prédio serviente, deixaram bem claro que não autorizavam.

    6. Mas mesmo que assim não se entendesse, era aos AA, proprietários do prédio dominante, (identificado em 2 dos factos provados)- que impendia o ónus de prova para convencer o Tribunal que tal alteração lhes acarretava vantagens, e, ausência de prejuízos ao prédio serviente, (identificado em 4 dos factos provados) mormente ao prédio dos aqui recorrentes, e não estes que tinham de provar que lhe acarretava prejuízos, como entendeu erroneamente o Tribunal a quo, ao aplicar o artº 342º do Cód Civil.

    7. Ora, o tribunal a quo inverteu o espirito daquele normativo – 1568º do Cód civil – impondo àqueles a alteração do limite temporal, sem que sequer os AA aqui recorridos, tenham provado as vantagens para si e falta de prejuízo para os aqui recorrentes.

    8. Ao alterar o limite temporal para todos os dias do ano, sem a limitação que estava até ali assente, tal como configuraram os AA aqui recorrentes na sua demanda e resultou provado, o Tribunal a quo tornou mais onerosa a servidão, com a agravante de que colocou às costas dos aqui recorrentes o ónus de provar que lhe acarretava prejuízos, quando esse ónus era dos AA, tal como fundamentou na Sentença, passa-se a citar: “ Posto o que, cabia aos réus alegar e provar (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC) que a mudança lhes traz prejuízo.” X.A inversão do ónus da prova só opera em determinadas circunstâncias na nossa lei civil, e, neste caso concreto, não era aos aqui recorrentes que competia provar que a mudança temporal não lhe acarretava prejuízo, mas sim aos AA, ao abrigo do princípio do ónus da prova que competia provar.

      XI.“ A ponderação dos interesses dos donos do prédio serviente e do prédio dominante para efeitos de mudança da servidão passa obrigatoriamente por critério de proporcionalidade entre a necessidade ou conveniência da diminuição do encargo sobre o prédio serviente e o prejuízo que a mudança da servidão possa acarretar (..)inhttp://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f0f9e7dc4fe8e526802 56cad005448c3?OpenDocument XII. Salvo o devido respeito, entendem os aqui recorrentes que o tribunal a quo desviou-se dos critérios que deveria aferir para decidir como decidiu.

    9. Verifica-se assim que os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violaram o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, C. R. P. e art. 154º, n.º 1, do C. P. Civil, verificando-se na modesta opinião dos recorrentes a nulidade de Sentença, conforme disposto na alínea b) do artº 615º do CPC, que, expressamente se invoca.

    10. Humildemente, entendem...

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