Acórdão nº 1082/18.4T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório A. F.

intentou acção declarativa materializada sob a forma de processo comum contra J. F.

peticionando: I.

Reconhecer-se que o autor é dono e legítimo proprietário da parte correspondente ao rés do chão da casa sita na Rua ..., n.º ..., Freguesia de ..., Ponte de Lima.

II.

O réu ser condenado a reconhecer que o autor é dono e legítimo proprietário da parte correspondente ao rés do chão da casa sita na Rua ..., n.º ..., Freguesia de ..., Ponte de Lima.

III.

O réu ser condenado a abster-se da prática de actos que impeçam, disturbem ou diminuam o legítimo direito de propriedade do autor.

Subsidiariamente, se assim não se entender, IV.

O réu ser condenado a pagar ao autor pelo menos a quantia de € 19.700,00 (dezanove mil e setecentos euros) relativa às benfeitorias por este realizadas e pagas na parte correspondente ao rés-do-chão da casa sita na Rua ..., n.º ..., Freguesia de ..., Ponte de Lima.

V.

O réu ser condenado a pagar ao autor a quantia de €19.420,00 referente às perdas salariais, gastos com água, luz, gás, telefone, medicamentos, transportes que suporte com o cuidado dos pais do réu até ao seu falecimento.

Contestou o réu o pedido e deduziu reconvenção contra o autor, formulando os seguintes pedidos: ser o A./Reconvindo condenado a reconhecer que o R./Reconvinte é dono e legítimo possuidor de todo prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, sito na Rua ..., n.º ..., da freguesia de ..., do concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia de ...

sob o artigo n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o número .../20150608, da mesma freguesia; Deve o A./Reconvindo ser condenado a abster-se da prática de actos que estorvem, impeçam, diminuam ou limitem o gozo e exercício do direito de propriedade do R./Reconvinte sobre a totalidade do prédio, devendo deixá-lo livre e desocupado de pessoas e dos seus bens.

Em 2.10.2019 foi proferido “saneador-sentença” que conheceu do mérito de parte dos pedidos, absolvendo o réu dos pedidos deduzidos pelo autor sob os pontos I, II, III e V do pedido e julgando o pedido reconvencional procedente.

Ficou assim o objecto do litígio limitado ao conhecimento do pedido deduzido pelo autor em IV, ou seja, saber se o autor, como detentor precário, tem direito ao valor das benfeitorias que descreve e que realizou no prédio.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença que julgou o pedido remanescente totalmente improcedente, absolvendo o réu do mesmo.

O autor, não se conformando com esta sentença, nem com o “saneador-sentença” previamente proferido, interpôs recurso dessas decisões, os quais foram recebidos como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.

Apresenta o recorrente as seguintes conclusões: Recurso interposto do Saneador-Sentença I.

Nos presentes autos foi proferido saneador – sentença parcial que determinou a absolvição do réu dos pedidos deduzidos pelo autor sob os pontos I, II, III e V do pedido e julgou procedente o pedido reconvencional deduzido.

II.

É contra a decisão tomada quanto aos pedidos formulados sob os pontos I, II e III e quanto à procedência do pedido reconvencional que o recorrente não se conforma.

III.

O tribunal a quo fundamenta a sua decisão, em suma, no facto do pedido formulado pelo recorrente não ser legalmente admissível, porquanto pretende o reconhecimento da aquisição por usucapião de partes especificados do prédio urbano sem que o mesmo se encontre constituído em propriedade horizontal ou sequer sem peticionar essa constituição.

IV.

Analisados os arrazoados processuais apresentados pelo recorrente nestes autos (petição inicial, réplica e requerimento com a referência electrónica 31515932 principalmente o artigo 17), além de alegar a aquisição por usucapião do rés do chão do prédio urbano, alegou factos que permitem concluir – ou pelo menos que se proponha provar – que o mesmo é passível de constituição de propriedade horizontal.

V.

Quer na petição inicial, quer na réplica, quer no requerimento com a referência electrónica 31515932, o recorrente faz sempre alusão e alegação da constituição da propriedade horizontal.

VI.

Para tal pedido do recorrente ser reconhecido, e contrariamente ao que se afirma na decisão recorrida, não é necessário peticionar a constituição de propriedade horizontal, basta alegar factos que levam ou podem levar a essa constituição.

VII.

Em face do regime geral do direito de propriedade sobre imóveis, qualquer edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio, o qual abrangerá toda a construção, o solo em que esta assenta e os terremos que lhe servem de logradouro, como se infere das regras sobre acessão industrial imobiliária e do disposto no artigo 1344 do Código Civil, numa manifestação do princípio da especialidade ou da individualização que rege os direitos reais, na vertente segunda a qual, incindindo o direito de propriedade sobre a totalidade das coisas que constituem o seu objecto, não podem as suas partes integrantes ou componentes serem objecto de direito de propriedade de titular diferente, seno o destino jurídico da coisa unitário.

VIII.

O regime da propriedade horizontal constituiu uma das excepções a este princípio, uma vez que permite que sobre o mesmo edifício de estrutura unitária se constituam distintos direitos de propriedade, com diferentes titulares, que incidem sobre fracções independentes desse prédio- artigo 1414 e seguintes do C.Civ.

IX.

Daí que, tendo em consideração, por um lado, as limitações impostas pelo princípio da individualização, e por outro, o regime excepcional da propriedade horizontal, os tribunais têm vindo a afirmar que a posse, em termos de direito de propriedade, de parte de um prédio não sujeito ao regime da propriedade horizontal, não pode determinar a aquisição por usucapião dessa parte, sem a prévia ou, pelo menos, simultânea constituição do imóvel em propriedade horizontal, a qual pode ocorrer por usucapião.

X.

Embora se admita que, em determinados casos a simples posse de parte de um prédio possa conduzir à constituição indirecta da propriedade horizontal sobre todo o edifício, por usucapião, para que tal suceda é necessário demonstrar que dessa situação possessória resultou a divisão do prédio em fracções autónomas que sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública e que cumpram os requisitos para a aprovação de tal divisão pela entidade pública competente.

XI.

O recorrente sempre alegou factos atinentes à prova da vontade de recorrente e recorrido quererem constituir a propriedade horizontal do prédio, os factos que se seguiram à autonomização das fracções de ambos, com entradas independentes e áreas comuns.

XII.

O recorrente propunha-se provar a constituição da propriedade horizontal do prédio em questão e assim verificada, provar a posse da sua fracção e aquisição por usucapião.

XIII.

Salvo o devido respeito que é muito, não podiam os pedidos I. II e III desde logo soçobrar, sem antes se realizar o julgamento, com a produção de prova requerida pelo recorrente de modo a demonstrar o alegado.

XIV.

O recorrente alegou factos conducentes à posse de parte do prédio urbano objecto dos presentes autos (do rés do chão), e bem assim a realização de obras e o facto de terem partes comuns, entradas independentes, confrontação com a via pública e acesso a áreas comuns.

XV.

Deveria ter sido dada possibilidade ao recorrente de provar, quer através da prova testemunha arrolada ou da prova pericial requerida, se, efectivamente, a constituição de propriedade horizontal por usucapião, considerando as características do prédio invocadas.

XVI.

Não poderia o tribunal a quo decidir pela improcedência dos pedidos sem antes ter dado possibilidade ao recorrente de provar os factos que alegou que, contrariamente ao vertido na decisão recorrida, não são legalmente inadmissíveis.

XVII.

É possível a constituição de propriedade horizontal por usucapião de um prédio e consequentemente a reivindicação por usucapião de parte desse prédio, sem que haja o pedido dessa constituição: basta a alegação dos factos atinentes, como assim fez o recorrente nos seus articulados.

XVIII.

Não se pode apenas e só basear-se na petição inicial do recorrente, caso contrário, não faria qualquer sentido o tribunal a quo ter notificado para que procedesse à pronúncia quanto à matéria de excepção invocada pelo recorrido.

XIX.

Só relegando para julgamento esta matéria, e determinando a realização de todos os meios de prova requeridos pelo recorrente, é que este conseguiria ilidir a presunção do registo do direito de propriedade do recorrido, nos termos do artigo 350 n.º 2 do Código Civil, isto é, com a demonstração de factos demonstrativos do contrário.

XX.

Cremos, portanto, que a sentença de que se recorre é nula nos termos do artigo 615 d) do C.P.C. porquanto o tribunal a quo tomou conhecimento de questões que, nesta fase processual, sem produção de prova, não poderia tomar conhecimento.

XXI.

Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, com a produção de prova requerida pelo recorrente em audiência de julgamento.

Recurso interposto da sentença final 1.

O autor apresentou acção declarativa de condenação contra o réu, alegando em síntese, que havia realizado benfeitorias no prédio cuja propriedade, nestes autos, foi considerada propriedade integral do réu, pelo que, na qualidade de detentor precário, terá direito ao recebimento do custo dessas mesmas obras.

  1. Não podemos aceitar a improcedência total do pedido formulado pelo autor, uma vez que, face á prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, e salvo o devido respeito por opinião...

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