Acórdão nº 3323/20.9T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ CRAVO
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães* 1 – RELATÓRIO E. C.

, casada, residente na Rua …, freguesia de ..., do concelho de Fafe intentou a presente acção (1) declarativa sob a forma de processo comum contra SEGURADORAS …, S.A.

(agora denominada X SEGUROS, S.A.

), com sede na Avenida …, nº … Lisboa, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 57.013,45 (cinquenta e sete mil e treze euros e quarenta e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, por si sofridos, acrescida dos juros à taxa legal, contados desde a data da citação e até efetivo pagamento, e ainda no que vier a liquidar-se em execução de sentença, no que concerne a prejuízos em termos de tratamentos médicos e medicamentosos, deslocações, refeições, perdas de rendimento, IPG, cirurgias, internamentos, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, bem como condenada nas custas e demais encargos legais.

Para tanto, alegou, em síntese: que, no dia 29-07-2019, foi atropelada pelo veículo com a matrícula PC, que era conduzido por A. S., sob as ordens e por itinerário definido pelo proprietário da viatura; nessa data, a condutora imprimia ao veículo a velocidade de 120km/h, a qual era excessiva para o local, facto que acarretou que não lhe tenha sido possível desfazer a curva que se lhe apresentava, acabando por a colher; do acidente, resultou fratura exposta do membro inferior esquerdo e ferida anterior do joelho esquerdo com cerca de 15 cm; de imediato, recebeu assistência hospitalar, tendo sido submetida a cirurgia de suturação do joelho esquerdo; após a saída do Hospital, regressou a casa, sem, no entanto, estar totalmente curada, pelo que continuou com os tratamentos médicos e medicamentosos; ainda hoje, a sua situação clínica não se encontra consolidada, tendo ficado a padecer de sequelas que a impedem de prosseguir a sua actividade profissional; uma vez que o acidente de viação em que tomou parte foi simultaneamente de natureza laboral, tem sido acompanhada pelos serviços clínicos da seguradora laboral, que lhe atribuíram a incapacidade parcial permanente de 16,96%, com o que não concorda, por não se encontrar ainda curada; em consequência das lesões e sequelas sofridas com o embate, só consegue andar com a ajuda de canadianas, pois sente desequilíbrio ao caminhar, a subir e a descer escadas e não pode estar muito tempo de pé, por sentir cansaço fácil; não consegue dobrar-se, carregar pesos, nem é capaz de estar de joelhos, correr, saltar ou executar movimentos repentinos; tem dores quando caminha, assim como quando há mudanças de tempo, o que a impede de descansar e dormir; à data do acidente, exercia a actividade de costureira, com o que auferia € 600,00/mês, o que já não é capaz de fazer; esteve também incapacitada de exercer as tarefas domésticas, tendo sido o seu marido a executá-las; já foi indemnizada no âmbito do processo de acidente de trabalho, em que lhe foi fixada a indemnização em relação à incapacidade parcial permanente de 16,96%; antes do acidente, era saudável e robusta, causando-lhe angústia as limitações com que ficou a padecer; para além disso, na data do sinistro, sofreu susto e medo e sentiu a morte a aproximar-se, sem que nada tenha contribuído para o acidente de que foi vítima; no futuro, necessitará de ser assistida do ponto de vista médico e medicamentoso e irá carecer de auxílio de terceira pessoa.

*A Ré, regularmente citada, não apresentou contestação.

*Por força da revelia da Ré, por despacho de 15-10-2020, foram julgados confessados os factos articulados na petição inicial.

*Facultou-se ao I. Mandatário da Autora a oportunidade de produzir alegações a respeito do mérito da causa, em conformidade com o disposto no art. 567º/2 do CPC, do que se prevaleceu.

*Por se tratar de facto a depender de documento escrito, determinou-se a notificação da Ré para apresentar a apólice de seguro, o que veio a fazer, altura em que constituiu I. Mandatário forense.

*Foi, de seguida, proferida decisão, que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência: 1. Condeno a Ré X SEGUROS, SA, a pagar à Autora E. C.: i) A quantia indemnizatória de € € 3.163,45 (três mil cento e sessenta e três e quarenta e cinco cêntimos), a título de indemnização pelas perdas salariais sofridas, acrescida dos juros de mora civis, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento; ii) A quantia indemnizatória de € 40.000,00 (quarenta mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros de mora civis, à taxa legal de 4%, desde a data da prolação da presente decisão até integral pagamento; iii) Na quantia indemnizatória a liquidar em ulterior incidente, no que concerne a prejuízos em termos de tratamentos médicos e medicamentosos, deslocações e perdas de rendimento (para receber assistência médica), e em função do défice funcional, que se vier a apurar, de que a Autora ficou a padecer a título definitivo; iv) A quantia indemnizatória de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros), a título de indemnização pelo auxílio de terceira pessoa, acrescida dos juros de mora civis, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento.

  1. Absolvo a Ré X SEGUROS, SA, do restante peticionado.

    As custas foram fixadas na proporção do decaimento.

    Foi fixado à causa, o valor de € 57.013,45 (cinquenta e sete mil e treze euros e quarenta e cinco cêntimos), que corresponde ao montante líquido peticionado pela Autora (vd. arts. 297º/1 e 2 e 299º/1, ambos do CPC).

    * Inconformada com essa sentença, apresentou a R. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: 1- Quanto à questão da prestação por necessidade de 3ª pessoa I- A Autora não provou ter despendido tal quantia na contratação de uma terceira pessoa, tanto mais que se demostrou que esse auxílio lhe foi prestado pelo seu marido.

    II- Tão pouco foi alegado, ou provado, que o marido da autora tenha perdido rendimentos para assegurar o apoio de que a autora careceu e, em qualquer caso, o titular da eventual indemnização não seria a autora, mas antes o seu marido, na medida do dano que tivesse sofrido (cfr artigo 495.º n.º 2 do Cod Civil).

    III- Assim, não é devida a quantia de 2.200,00€ atribuída à Autora a título de indemnização pela necessidade de terceira pessoa IV- Ainda que se entendesse que a autora deve ser indemnizada por este dano, sempre se deveria ter atendido à circunstância de o acidente ter sido, simultaneamente, um sinistro viário e laboral e à de que, como se provou, já ter sido parcialmente compensada, na vertente laboral, dos prejuízos que sofreu em consequência do acidente (cfr pontos 3, 13 a 15 e 30 da matéria de facto dada como provada).

    V- Nos termos do disposto na alínea h) do n.1 do do artigo 47º da Lei 98/2009, uma das prestações devidas ao sinistrado num acidente de trabalho é a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa) VI- A jurisprudência e doutrina são hoje unânimes no sentido de que as indemnizações pela vertente laboral e viária do mesmo sinistro são inacumuláveis, devendo aquelas ser abatidas nestas.

    VII- Em face da factualidade dada como provada, existe a evidente possibilidade de a autora já ter sido parcialmente indemnizada, na vertente laboral, pelo dano decorrente da necessidade de terceira pessoa.

    VIII- Sabendo-se que existe a possibilidade de a autora já ter sido parcialmente indemnizada deste dano, mas não sendo possível apurar o valor exato que recebeu a este título, impõe-se que o Tribunal recorra à previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, anulando a decisão proferida na 1ª instância, de modo a que se proceda a uma ampliação da matéria de facto, mais precisamente no sentido de apurar, junto da seguradora de acidente de trabalho (Y) se a autora foi já parcialmente indemnizada pelo dano da necessidade de terceira pessoa na vertente laboral e, na hipótese afirmativa, o valor que recebeu.

    IX- Ou, subsidiariamente, deve ser revogada, nesta parte, a douta sentença, condenando-se a Ré a pagar, apenas, a quantia que se vier a liquidar ulteriormente pelo dano decorrente da necessidade de terceira pessoa, à qual deve ser abatida a verba que a autora já tenha recebido na vertente laboral a título de indemnização pelo mesmo dano, também a apurar em sede de liquidação.

    X- Se assim não se entender, sempre se imporia, em equidade, a redução da verba arbitrada a este título, já que se afigura mais adequado considerar que as tarefas diárias da autora não ocupariam mais do que ¼ do tempo correspondente a uma jornada normal de trabalho (o que, em traços gerais, corresponde a duas horas diárias), justificando-se valorizar esse trabalho na mesma proporção do salário mínimo nacional mensal.

    XI- Face ao exposto, sem prejuízo de tudo o que acima se sustentou, deve ser revogada a douta sentença e reduzido o valor da indemnização pela necessidade de terceira pessoa para 1.650,00€, ao qual se deve, sem embargo de se operar sempre essa redução, ser, ainda, abatido o montante da indemnização que a demandante já tenha recebido na vertente laboral, esta a apurar em liquidação de sentença, ou por via da anulação da decisão, nos termos do disposto no artigo 662.º nº. 2 alínea c) do CPC 2- Quanto às perdas salariais XII- Resultando dos autos que a autora era uma trabalhadora assalariada, sobre o seu rendimento base (de 600,00€ mensais) incidiam descontos, pelo menos o conexo com a contribuição obrigatória para a Segurança Social, de 11% da sua retribuição base.

    XIII- Há muito se consolidou na nossa jurisprudência o entendimento de que só ao rendimento líquido (e não bruto) do lesado se deve atender no cálculo da indemnização por danos patrimoniais.

    XIV- A retribuição anual líquida da autora era a de 8.400,00€ (600,00€ x 14 meses = 8.400,00€), o que por sua vez, perfaz um rendimento diário líquido de 23,01€ (8.400,00€ / 365 dias = 23,01€).

    XV- Em face da factualidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT