Acórdão nº 1853/18.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório C. C. instaurou, no Juízo Central Cível de Viana do Castelo – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras …, S.A., pedindo que:

  1. Se declare que não integram o contrato ou que são inválidas todas as cláusulas de exclusão da cobertura, incluindo as cláusulas 3ª, 2.2, alíneas a) e b) e 6ª, bem como a cláusula 4ª e a alínea m) da Tarifa MR Estabelecimento; b) Se condene a Ré a pagar/reembolsar o A. pelos custos da demolição e remoção de escombros, e reconstrução do edifício referido no artigo 2º da p.i.; c) Se condene a Ré a compensar o A. pela privação do uso do edifício referido no artigo 2º da p.i., deste a data do sinistro até à conclusão da sua reconstrução, no valor equivalente à renda da locação de um edifício com características semelhantes, à razão de €600,00 mensais, sendo que à data da propositura da acção o valor líquido é de €4.200,00.

  2. Subsidiariamente, caso não proceda, por qualquer motivo, o pedido formulado em c), seja a Ré condenada a indemnizar o A. pelo atraso na tomada de posição sobre o sinistro, num valor de €2.100,00.

  3. Se condene a Ré no pagamento dos juros legais, até efectivo e integral pagamento dos montantes peticionados.

    Para o efeito alegou, em resumo, a ocorrência de um incêndio, em 15/10/2017, num edifício de que é proprietário, sendo que, como consequência, directa e necessária do incêndio, resultaram danos patrimoniais, cuja indemnização reclama à Ré por força de contrato de seguro com a mesma celebrado.

    A Ré recusa a regularização do sinistro invocando a verificação de cláusulas de exclusão.

    Sucede que tais cláusulas de exclusão não fazem parte do contrato de seguro, pois o A. nunca as aceitou, nunca assinou qualquer documento de onde elas constassem, nem as mesmas sequer lhe foram comunicadas. Mas se o tivessem feito, seriam excluídas e inválidas, nos termos do artigo 8º do D.L. nº 446/85. Mas mesmo que tais cláusulas pudessem ser válidas, a sua invocação constitui abuso de direito, pois em virtude das mesmas o objecto seguro fica excluído da cobertura do seguro, em que nenhum sinistro está coberto: a Ré celebrou um contrato de seguro, fez seus os respectivos prémios, que foram pagos ao longo do tempo, teve informação suficiente para aferir da natureza do edifício objecto do seguro, e que, se mais informação necessitava, não a pediu ao A., como era seu ónus; passados anos em que o A. cumpriu as suas obrigações contratuais, ocorrido o sinistro, vem a Ré invocar cláusulas que esvaziam o seguro de qualquer utilidade, frustrando o seu fim, pois, afinal, nada estava, na prática, segurado.

    Era obrigação contratual da Ré dar uma resposta num prazo razoável, ou seja, até final de Dezembro de 2017. A Ré não cumpriu tal obrigação, tendo ultrapassado o prazo razoável em três meses e meio. A demora na resposta implica igual demora na reconstrução e estabelecimento de condições para a utilização do edifício. Se não for concedida a cobertura da privação do uso, a Ré terá sempre de indemnizar o A. pela demora na comunicação da sua posição; em concreto pelo valor de três meses e meio do valor da renda de um edifício de características semelhantes.

    *Citada, a Ré apresentou contestação, pugnando pela total improcedência da acção (ref.ª 30095114 - fls. 16 a 27).

    Para tanto excepcionou com a ocorrência de fundamentos de exclusão da responsabilidade, impugnando os danos sofridos pelo A. e o montante ou respectivo custo de reparação.

    *A fls. 61 e ss. veio o A. ampliar o pedido nos seguintes termos: “Subsidiariamente, caso não proceda, total ou parcialmente o peticionado em B) e/ou C) da p.i., em virtude do disposto nos artigos 24º e 26º do D.L. 72/2008, seja a Ré condenada a indemnizar o A. nos valores que corresponderiam aos pedidos B) e C), com base em responsabilidade civil, por não cumprimento dos deveres de informação que sobre ela recaíam”.

    *Foi admitida a ampliação do pedido, fixado o valor à causa, bem como proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância. Foi fixado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova, tendo sido admitidos os meios de prova (ref.ª 43225100).

    *A fls. 112 e ss., a A. deduziu incidente de liquidação do pedido formulado na al. B) supra, liquidando-o, ainda que parcialmente, num mínimo de €85.000,00, acrescido de IVA à taxa legal; peticionando, ainda, que uma eventual sentença condene ainda nos eventuais montantes, para além do liquidado, que se venham a revelar necessários à reconstrução do edifício.

    *Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (ref.ª 45126124).

    *Posteriormente, a Mmª. Julgadora “a quo” proferiu sentença, datada de 7/4/2020 (ref.ª 45133946), nos termos da qual, julgando totalmente improcedente ação, absolveu a ré dos pedidos contra si formulados.

    *Inconformado, o autor interpôs recurso da sentença (ref.ª 35932886) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1ª – O recorrente não se conforma com a sentença, proferida nos autos em referência, na medida em que julga totalmente improcedente a presente acção, entendendo que há erros de julgamento, quer da matéria de facto, quer da matéria de Direito.

    Do recurso da decisão da matéria de facto 2ª – O recorrente não se conforma com a decisão sobre a matéria de facto e considera incorrectamente julgado o ponto 1.38 da matéria de facto provada, quando dá como provado que o armazém em apreço era constituído em 20% por materiais não combustíveis, por isso ditos de resistentes, e em 80% por materiais combustíveis; pois impõem decisão diversa as respostas dos pontos 3.1.1 e 3.2.1 do relatório pericial de 07/01/2019, em fls. 81 e ss., e do ponto I.1 dos esclarecimentos dos peritos de 18/03/2019, em fls. 100 e ss., confrontadas com a resposta dada no ponto 3.2.14 do relatório e as regras do ónus da prova, no sentido de ser darem os respectivos factos como não provados; e a resposta dada no ponto IV.9 dos esclarecimentos dos peritos de 18/03/2019, no sentido de se dar como provado que o armazém era constituído em 60% em materiais não combustíveis e 40% em materiais combustíveis .

    1. – Nas respostas dos pontos 3.1.1 e 3.2.1 do relatório pericial de fls. 81 e ss. e do ponto I.1 dos esclarecimentos dos peritos de fls. 100 e ss., os mesmos afirmam que 80% do edifício seguro resultou destruído ou danificado, sendo que os restantes 20% correspondem a uma parcela da estrutura metálica do mesmo, que não ficou danificada e pode ser utilizada na reconstrução.

    2. – De tal resulta que, na percentagem de 80% do edifício, estão incluídos, inter alia, a restante parte da estrutura metálica (parte danificada), o pavimento em betão e as pedras de soco.

    3. – Mais à frente no relatório pericial referido, na resposta ao ponto 3.2.14, os peritos vêm dizer que o edifício é constituído, também em 80%, por materiais combustíveis.

    4. - No entanto, se, desde logo, 20% correspondem a uma parcela apenas da estrutura metálica, e se ainda há que acrescentar, à parte constituída por materiais não combustíveis, a restante parte da estrutura metálica, o pavimento em betão e as pedras de soco, então, necessariamente, a parte do armazém constituída por materiais não combustíveis é muito superior a 20% e a parte constituída por materiais não combustíveis é muito inferior a 80%.

    5. - Portanto, as respostas dadas pelos senhores peritos aos pontos 3.1.1, 3.2.1 da relatório pericial de fls. 91 e ss. e ao ponto I.1 dos esclarecimentos de fls. 100 e ss. são irreconciliáveis com a resposta dada ao ponto 3.2.14 daquele relatório e conformam uma dúvida inultrapassável sobre as percentagens de materiais que compunham o armazém.

    6. - O ónus da prova dos factos relativos à exclusão de cobertura, aqui em causa, pendia sobre a ré/recorrida, por se tratar de defesa por excepção; pelo que, perante a dúvida sobre as percentagens de materiais combustíveis e não combustíveis que compunham o edifício seguro, terão de se dar como não provados os factos que contam do ponto 1.38 da decisão da matéria de facto.

    7. – Impõe-se, por isso, eliminar o ponto 1.38 do elenco dos factos provados, dando-se os respectivos factos como não provados.

    8. – Sem prescindir, é óbvio que, perante tal contradição, o recorrente procurou que os senhores peritos a esclarecessem, no seu requerimento de 21/01/2019, no ponto IV.8 a), onde expôs a contradição nas respostas dadas e pediu a sua clarificação; mas os senhores peritos, nos esclarecimentos juntos a 18/03/2019 (fls. 100 e ss.), dizem que não entendem qual é o esclarecimento pretendido.

    9. - No entanto, mais abaixo no mesmo documento, em reposta ao ponto IV.9, corrigem efectivamente as percentagens, de tal modo que deixou de haver contradições nas respostas dadas.

    10. – Note-se que o recorrente, no ponto IV.9 do seu requerimento de 21/01/2019, na sequência do exposto no ponto IV.8, pede “que os senhores peritos corrijam o relatório pericial (sublinhado nosso)”, “fazendo um novo cálculo das percentagens do edifício que são combustíveis e não combustíveis” - nada se pede ou pergunta quanto ao eventual custo da obra.

    11. – O novo cálculo das percentagens, que consta da resposta ao ponto IV.9 dos esclarecimentos de 18/03/2019, articula-se perfeitamente com as respostas dadas aos pontos 3.1.1 e 3.2.1 do relatório pericial de 07/01/2019, pois a parte não danificada da estrutura metálica, que representa 20% do edifício, é minoritária em relação à parte danificada da estrutura metálica (ponto 3.2.1) pelo que a parte danificada tem de representar mais de 20% do edifício - os senhores peritos, na resposta em causa, atribuem à totalidade da estrutura metálica 50% do edifício (20% da parte não danificada e 30% da parte danificada), à qual se somam 10% do pavimento de betão e pedras de soco, para perfazer a parte não combustível do edifício.

    12. – Pelo contrário, as...

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