Acórdão nº 45/20.4T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | ANTÓNIO BARROCA PENHA |
Data da Resolução | 22 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. RELATÓRIO A Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de J. M.
, representada por todos os seus herdeiros, M. J.
, Cabeça-de-casal, J. L.
e D. J.
, intentou contra A. J.
e marido N. E.
, a presente ação declarativa comum, através da qual pretende que seja proferida sentença que produza todos os efeitos da declaração negocial dos réus faltosos, declarando transmitido a favor da autora a ½ indivisa do prédio rústico que confronta do norte com A. N., Caminho e Outros, sul com J. V. e Caminho, nascente com C. B. e Outros e poente com J. S. e Caminho, situado no lugar de ..., freguesia de ..., Concelho de Montalegre, com o artigo matricial rústico da freguesia de ... ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Montalegre sob o n.º ..., compropriedade dos Réus.
Alegou para o efeito, e no essencial, que: · É comproprietária de metade indivisa do prédio rústico que identifica, sendo os réus comproprietários da outra metade; · Os réus notificaram a autora da intenção de venda da sua metade indivisa do prédio, para, querendo, exercer o direito de preferência que lhe assiste, tendo a autora comunicado a intenção de exercer tal preferência; · Os réus remeteram comunicação, a desistir da intenção da venda, o que a autora não aceita, por entender que a proposta de venda se tornou irrevogável, nos termos do art. 230º do C. Civil, sendo que, com a comunicação para exercício do direito de preferência e a aceitação, ambas por escrito, se constituiu um contrato promessa de compra e venda, suscetível de execução específica.
Os réus contestaram, excecionando a ilegitimidade ativa da autora; assim como a falta de constituição de advogado e a falta de mandato, em ambos os casos invocando a falta da competente habilitação de herdeiros da herança aberta por óbito de J. M.. Invocaram igualmente a exceção perentória de caducidade do exercício do direito de preferência pela autora.
Por impugnação, alegaram que não ocorre a alegada irrevogabilidade da proposta de venda. Desde logo, porque o invocado direito da autora, é um direito resultante da lei e não de contrato, sendo os réus obrigados a notificar a autora do projeto de venda e das cláusulas do respetivo contrato, sem que, contudo, a notificação feita pelo obrigado à preferência ao titular do direito de preferência, do projeto de venda e das cláusulas do respetivo contrato, se traduza numa proposta de contrato dirigida ao preferente, sendo, antes, uma mera informação de um projeto de contrato que se tem com terceiro, dando-lhe, por isso, a oportunidade de preferir no projetado negócio, ficando o obrigado à preferência com a possibilidade de desistir do projetado negócio, porquanto a notificação que efetuou não corresponde a uma proposta contratual, quando se trate de preferência legal, como é o caso.
Pugnam, a final, pela procedência das exceções dilatórias invocadas, sendo os autores absolvidos da instância; e, em todo o caso, pela improcedência da ação, com a consequente absolvição dos réus do pedido.
Procedeu-se à realização da audiência prévia, na qual a autora respondeu às exceções invocadas na contestação (cfr. fls. 69 e 70).
A autora juntou, entretanto, documento de habilitação de herdeiros da herança autora (cfr. doc. de fls. 73 verso e 74).
Na sequência foi proferido, a 11.11.2020, despacho saneador-sentença, julgando, desde logo, improcedentes as exceções dilatórias suscitadas pelos réus, assim como a exceção perentória de caducidade do exercício de direito de preferência por parte da autora.
Mais se decidiu em julgar a ação improcedente, deste modo se absolvendo os réus do pedido (cfr. fls. 78 a 87 verso).
Inconformada com o assim decidido, veio a autora interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES
-
Os Réus intencionaram vender metade indivisa prédio rústico que confronta do norte com A. N., Caminho e Outros, sul com J. V. e Caminho, nascente com C. B. e Outros e Poente com J. S. e Caminho, situado no lugar de ..., freguesia de ..., Concelho de Montalegre, com o artigo matricial rústico da freguesia de ... ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Montalegre sob o nº ....
-
Os Réus, plenamente sabedores que a Recorrente era titular da restante metade indivisa do prédio rústico supra identificado e, portanto, titular de um direito legal de preferência na venda do mesmo, comunicaram-lhe, por força do art. 416º do CC, o respetivo projeto de venda e cláusulas do contrato.
-
Para o efeito remeteram no dia 05-07-2019 à Recorrente carta registada com aviso de receção na mesma se lendo, com interesse para o caso, o seguinte: “Na qualidade de proprietária… venho informá-los que pretendo vender a… pelo preço de €60.000 (sessenta mil euros), a escritura será realizada no prazo máximo de um mês, a contar da data da notificação.” d) A Recorrente, em retorno, no dia 22-07-2019 por carta registada com aviso de receção respondeu: “A Herança de J. M.… manifesta para todos os efeitos legais que deseja preferir na venda, conforme interpelação de V. Exas… agradecem e ficam a aguardar a data, hora e local para realização da escritura de compra e venda… o valor da venda será pago no ato de assinatura, a celebrar até 11-08-2019…”.
-
Mais tarde, os Réus comunicaram já não querer vender o prédio identificado na al. a), deste facto resultando a presente ação.
-
A douta sentença recorrida concluiu pelo seguinte: “A notificação dirigida aos preferentes nos termos do artigo 416º do CC – facto 11 – não configura uma proposta de contrato, mas apenas e tão só a informação da existência de um projeto de contrato que tem com um terceiro, dando-lhes, desse modo, a oportunidade de preferir no projetado negócio.” g) Ou seja, mereceu colhimento o alegado pelos Réus, que afirmaram não ter sido a sua verdadeira intenção fazer uma proposta de contrato, não materializando o vertido na comunicação acima reproduzida, uma verdadeira declaração negocial, mas apenas um “mero projeto de contrato”/”convite a contratar”, h) Por conseguinte, logo ficou arredada a aplicação do art. 230º e subsecutiva hipótese de celebração de um contrato-promessa, resultante da harmonização entre (pretensas) declarações negociais de obrigado e preferente, nos termos que adiante se adensarão.
-
Efetivamente, no douto saber da sentença recorrida, a posição da Recorrente, contraente da boa-fé, não merece qualquer tutela.
-
Importa, primeiro, deduzir o porquê ou porque não de constituir, separada do âmbito da preferência, uma declaração negocial o teor da comunicação dirigida pelos réus à Recorrente.
-
De antemão, por referência às alegações que antecedem, entende-se ser uma declaração negocial “um comportamento portador, quando externamente observado, da aparência de um determinado conteúdo de vontade negocial, em última instância se reconduzindo esta vontade negocial a uma concreta intenção de operar certos efeitos práticos, juridicamente tutelados”, comprovando-se “um momento externo, que materializa e objetiva o comportamento declarativo, e um momento interno que, em estreita conexão com o sentido objetivo do declarado, a qual permite a sua perceção, traduz uma realidade volitiva interna”.
-
Por seu turno, o “momento interno”, deve subdividir-se em três vetores: “vontade de acção – voluntariedade, consciência e intenção do comportamento; vontade da declaração - atribuição do significado de uma declaração negocial ao comportamento exteriorizado, i.e, o comportamento declarativo corresponde, de facto, a uma declaração com valor negocial - e, por fim, vontade negocial - confluência entre o significado do comportamento declarativo e a vontade negocial que o comportamento declarativo consubstancia”.
-
Ora, claro está que os Réus emitiram uma declaração (comportamento externo), restando aquilatar a vontade subjacente à mesma e por aquela objetivada.
-
É inegável que os Réus tinham consciência e intenção de estar a emitir uma declaração escrita, ainda que não negocial, tendo a mesma sido originada por impulsão exclusivamente sua, em cumprimento do art. 416º.
-
À semelhança, existe um nexo evidente entre a declaração (comportamento declarativo) e a vontade que essa mesma declaração expressa, assim o dizem textualmente os Réus: “… venho informá-los que pretendo vender a…” p) Portanto, se a sua vontade é vender, afirmar por escrito que “pretendem vender”, é, além de qualquer sombra, passível de expressar a concordância entre essas duas realidades.
-
Finalmente, cumpre analisar se a declaração (comportamento declarativo) corresponde, de facto, a uma declaração negocial.
-
Os Réus alegaram, como dito, não ser este o caso, porém, em relação a este aspeto em concreto, não releva apenas a “vontade” do declarante.
-
Ensinam os ditames da boa-fé negocial (Ac. do STJ de 2012-05-15, Proc. n.º 6440/09.2TVLSB.L1.S1): “A boa fé pressupõe, na fase pré-negocial, a observância de deveres de informação, esclarecimento e lealdade, tendo em vista os interesses legítimos da contraparte. A responsabilidade pré-contratual, com a amplitude que lhe dá o citado preceito [art. 227º do CC], abrange justamente os danos provenientes da violação desses deveres secundários do dever de boa-fé pré-negocial” e; “Esta responsabilidade tem a sua ratio na protecção da confiança depositada por cada um dos contraentes nas expectativas legítimas que o outro lhe crie durante as negociações, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua formação. Visa a tutela da confiança do sujeito na correcção, na honestidade, na lisura, na lealdade, e na colaboração activa da contraparte na satisfação das expectativas alheias”; t) Ou seja, em respeito do que se afirma na al.
r), é também necessário considerar, para o efeito, a legítima expectativa criada na contraparte, de nada servindo aos Réus alegarem não ser a sua vontade emitir, de facto, uma declaração negocial se, com toda a certeza, sob a perspetiva do declaratário normal (cf. art. 236º CC), todos os...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO