Acórdão nº 5225/18.0T8VNF.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO MATOS |
Data da Resolução | 04 de Novembro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.
Decisão impugnada 1.1.1.
No dia 03 de Agosto de 2018, S. M. & Filhos, S.A., com sede no Lugar da …, em …, apresentou-se ao presente processo especial de revitalização, pedindo que o mesmo fosse admitido e que se nomeasse administrador judicial provisório a pessoa por si indicada para o cargo.
Alegou para o efeito, em síntese, que não obstante as dificuldades económico-financeiras em que se encontrava, não estaria insolvente, acreditando na sua recuperação.
1.1.2.
Tramitados regularmente os autos, foi proferido despacho inicial em 06 de Agosto de 2018 a admitir o processo especial de revitalização e a nomear administrador judicial provisório; foram citados os credores; e foi elaborado e apresentado em 12 de Maio de 2021 um plano de recuperação.
1.1.3. A votação do plano de revitalização decorreu de 26 de Maio de 2021 a 04 de Junho de 2021 (ficando esgotado o prazo de dois meses para conclusão das negociações encetadas com vista à sua aprovação, contado do termo do prazo para se impugnar a lista provisória de créditos, prorrogado por mais um mês), tendo a quase totalidade dos credores que se pronunciaram votado pela sua não aprovação.
1.1.4.
A Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) veio, em 4 de Junho de 2021, «desistir da instância, nos termos do disposto no art. 21 do CIRE, deste modo pondo termo imediato ao presente processo especial de revitalização».
1.1.5.
O Administrador Judicial Provisório informou o Tribunal, em 07 de Junho de 2021, «que se encontra encerrado o processo negocial» (com bold apócrifo), indo posteriormente «proceder à emissão de parecer sobre se a Devedora S. M. & Filhos, S.A. se encontra ou não em situação de insolvência, devendo primeiramente ouvir os Credores e a própria Devedora».
1.1.6.
A Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) defendeu não haver lugar à emissão de um tal parecer, pedindo que fosse homologada a desistência da instância que apresentou após a conclusão das negociações com os credores, aplicando-se para o efeito o art. 21.º do CIRE, face à ausência de norma especial na regulamentação aplicável ao processo especial de revitalização (isto é, sendo a desistência da instância possível até à prolação da sentença declaratória de insolvência).
1.1.7.
Os credores que se pronunciaram (v.g. Fazenda Nacional, Banco ..., S.A., X, Limitada, vários credores laborais), defenderam que a Requerente se encontra em situação de insolvência, pedindo que a mesma viesse a ser declarada.
1.1.8.
O Administrador Judicial Provisório emitiu parecer, concluindo pela insolvência da Requerente., lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) 1.A Devedora não dispõe de contabilidade organizada desde o ano de 2018; 2. A Devedora não dispõe atualmente de trabalhadores, tendo promovido um despedimento coletivo operado a 31/12/2019; 3. A Devedora não tem cumprido com as obrigações perante o estado, após a admissão a PER, no que tange ao pagamento do IMI dos imóveis da sua propriedade e outros impostos; 4. A Devedora não dispõe atualmente de alvará de construção civil, essencial para laborar, face ao objeto social da empresa.
(…) durante a tramitação do PER foram várias as coimas instauradas à Devedora pelo incumprimento das suas obrigações fiscais e declarativas, nomeadamente: falta da entrega das declarações periódicas de IVA, falta da entrega dos modelos 22 de IRC e 2017 e 2018, o não pagamentos dos pagamentos especiais por conta e não pagamento dos IUCs.
(…) Sucede que o passivo da Devedora na presente data será consideravelmente superior aos 52.014.391,93 €, atendendo aos seguintes factos: 1. Aos juros de mora constituídos entre a admissão a PER (06/08/2018) e a presente data; 2. Ao acréscimo das indemnizações devidas aos trabalhadores, relativamente ao período decorrente entre a admissão a PER e a efetivação do despedimento, que ocorreu a 31/12/2019; 3. Às contribuições não pagas ao Instituto da Segurança Social, I.P. após a admissão a PER; 4. Aos pagamentos não realizadas a fornecedores durante o PER.
(…) face ao valor da dívida e da situação patrimonial e à incapacidade de cumprimento generalizado das suas obrigações vencidas por parte da Devedora, motivo que levou ao PER, é entendimento do Administrador Judicial Provisório que, à luz do n.º 1 do artigo 3.º e do artigo 20.º, ambos do CIRE, a Devedora S. M. & Filhos, S.A. encontra-se em situação de insolvência.
(…)» 1.1.9.
Foi proferido despacho, indeferindo a homologação da desistência da instância apresentada pela Requerente, declarando findo o processo especial de revitalização e ordenando a remessa do parecer do Administrador Judicial Provisório à distribuição, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) É entendimento deste tribunal que o art.º 21 CIRE - desistência do pedido ou da instância no processo de insolvência - não se pode aplicar, analogicamente ao PER, sob pena de se furtar o requerente, em situação de insolvência, à sua declaração judicial, fazendo do processo uso reprovável.
(…) Assim, e por todo o exposto, indefiro o requerido pedido de desistência da instância.
Considerando o teor do parecer emitido pelo Sr. AJP, ao abrigo do disposto no art.º 17 G,3 e 4 CIRE, declaro findo o presente processo especial de revitalização, determinando que o parecer que antecede seja remetido à distribuição, iniciando-se, assim, processo de insolvência.
Custas pela devedora.
Notifique.
(…)» *1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com o último despacho referido, a Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado procedente.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): I.
Entendeu a decisão ora posta em crise que não é aplicável o art. 21.º do CIRE, sob pena de se furtar o requerente, em situação de insolvência, à sua declaração judicial, fazendo do processo uso reprovável.
II.
A recorrente não concorda com essa decisão.
III.
Entende a recorrente que dispõe da faculdade de: Desistir das negociações nos termos do disposto no art. 17G n.º 5 do CIRE mas não tem a obrigação de o fazer, pois tal imposição não resulta do normativo em análise e sempre a mesma teria de obedecer a determinados pressupostos, nomeadamente o momento temporal e as notificações aos credores. Desistir da instância nos termos do disposto no art. 21.º do CIRE.
IV.
No caso dos autos, a recorrente apresentou desistência da instância já após a conclusão das negociações com os credores, nos termos do preceituado no art. 21 do CIRE, aplicável nos presentes autos face à ausência de norma especial sobre a desistência de instância ou do pedido, conforme previsto no n.º3 do art. 17 A do CIRE, obviamente com as necessárias adaptações.
V.
A recorrente estava em tempo de o fazer, tendo-se vindo a entender que tal desistência pode ser feita nesses termos e desde que, dê entrada antes da prolação de sentença declaratória de insolvência.
AC. TRG processo n.º 84/13.1TBGMR.G1 de 01.10.2013 em www.direitoemdia.pt VI.
Podendo a recorrente desistir da instância, não estavam assim os presentes autos sujeitos à emissão de parecer sobre se a recorrente se encontra ou não em insolvência.
VII.
A emissão de parecer previsto no n.º 4 do art. 17 G do CIRE é apenas aplicável para as situações previstas no n.º 1 e 5 do art. 17.º G do CIRE: quando não seja possível alcançar acordo com os credores no decurso das negociações, quando seja ultrapassado o prazo previsto no n.5 do 17.º D do CIRE ou quando a empresa ponha termo às negociações.
VIII.
Não é essa a situação dos autos, que não se enquadra em nenhum dos normativos referidos.
IX.
Assim, não deveria o tribunal a quo ter recebido o parecer do Sr. Administrador Judicial e com base nele encerrar o processo e remeter os autos para insolvência.
X. Deverá assim, essa decisão ser substituída por outra que defira a desistência da instância apresentada pela recorrente e se pronuncie no sentido de, não ser nesse caso, aplicável a emissão de parecer do AJP sobre a insolvência.
XI.
A decisão do tribunal encontra-se inquinada pelas seguintes nulidades: por falta fundamentação, omissão e obscuridade: XII.
O tribunal a quo ao declarar encerrado o processo Especial de revitalização, remete apenas para o relatório do Sr. administrador judicial provisório, sem se pronunciar quanto aos fundamentos alegados pelo mesmo nesse relatório.
XIII.
A falta de fundamentação mais visível encontra-se no facto de o tribunal não determinar a fundamentação de direito que esteve na base da aplicação na sentença dos art. 3 e 4 do art. 17G do CIRE.
XIV.
A douta sentença recorrida decidiu simplesmente o seguinte: “Considerando o teor do parecer emitido pelo Sr. AJP, ao abrigo do disposto no art. 17 G, 3 e 4 do CIRE, declaro findo o presente processo especial de revitalização, determinando que o parecer que antecede seja remetido à distribuição, iniciando-se assim, processo de insolvência”.
XV.
O Tribunal a quo, não refere na sua decisão o que esteve na base da mesma e porque motivo aceita o relatório do Sr. AJP e declara encerrado, sem mais, o processo.
XVI.
E, salvo melhor entendimento, deveria fazê-lo, referindo pelo menos um dos três dos motivos previstos nos n.s 1 e 5 do art. 17G do CIRE (1. Quando a empresa ou a maioria dos credores concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo; 2) Quando seja ultrapassado o prazo das negociações; 3) Quando a empresa ponha termo às negociações (a todo o tempo), fundamentando de facto e de direito o que lhe permitiu estabelecer essa relação, e que o levou à aplicação dos n.º 3 e 4 do art. 17G do CIRE.
XVII.
A decisão do tribunal a quo é totalmente omissa nessa matéria, pelo carece de omissão sancionada com nulidade art. 615 al. D XVIII.
Ou se assim não se entender, pelo menos de falta de fundamentação no sentido de não se entender os factos e pressupostos de direito que estiveram...
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