Acórdão nº 6728/18.1T8VNF-K.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ CARLOS DUARTE
Data da Resolução04 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES*1. Relatório Por apenso aos autos de insolvência da devedora X – Tratamento de Superfícies, Ld.ª, veio a Massa Insolvente da X – Tratamento de Superfícies, Ld.ª intentar acção de processo comum contra R. S. – Soluções de Acabamentos e Tampografia, Unipessoal, Ldª pedindo seja declarada a nulidade do acordo particular de perdão de dívida celebrado em 30 de Setembro de 2016, entre a insolvente e a Ré e neste seguimento, declarando-o ineficaz em relação à massa, mantendo-se assim em dívida o saldo existente na consta corrente da insolvente contra a Ré no montante de por força da reconstituição da situação que existia se o ato não tivesse sido praticado.

Alegou para tanto que por sentença de 29 de Outubro de 2018 foi declarada a insolvência da X, em Outubro de 2019 a A. enviou carta registada à Ré com o fim de aferir se aquela teria uma dívida para com a insolvente no valor de € 82.363,47, relativa a serviços prestados e facturados e espelhado na contabilidade da insolvente, a Ré veio dizer que a 30/09/2016 havia sido celebrado entre a insolvente e a Ré acordo particular de perdão da referida dívida, ficando a mesma saldada, a Sra. Administradora de Insolvência ( doravante apenas AI) solicitou o envio do referido Acordo e do lançamento do mesmo na contabilidade da Ré, o que a Ré fez, o referido acordo foi elaborado apenas após a notificação da Sra. AI, a data aposta no mesmo – 30/08/2016 – foi escolhida para uma data anterior aos dois anos antes da declaração de insolvência para que o negócio não pudesse ser resolvido, as assinaturas não foram reconhecidas, o que só se compreende se tivesse sido elaborado agora, o gerente da Ré é marido e pai dos gerentes da X na data da suposta data do acordo de perdão, apesar de o mesmo se encontrar subscrito por outro gerente, o mesmo afirma não ter aposto qualquer assinatura em nenhum documento que lhe tenha sido apresentado agora pela Ré e que não se recorda de o ter feito na data aposta, tendo o acordo sido assinado na data nele posta não se compreende porque não foi o perdão lançado na contabilidade, o referido perdão foi negociado pelos antigos gerentes e pelo actual, aquando da venda da insolvente em 30/10/2016, realizado na data oposta ou elaborado só agora, o negócio de perdão da divida é simulado e serviu para a Ré se eximir ao pagamento da mesma, o que faz dele um acto prejudicial á massa, aquando da outorga do acordo em causa em Outubro de 2019, a Ré sabia da situação de insolvência da X.

Mais alega que sendo simulado, o negócio é nulo e assim ineficaz em relação à A., não tendo esta recebido qualquer contrapartida, não recai sobre a mesma qualquer obrigação de restituir, antes se mantendo a divida da Ré para com a Massa, o facto de o CIRE prever um modo especial de conservação da garantia patrimonial da massa, não afasta a possibilidade de poder ser declarada judicialmente a nulidade de negócios jurídicos efectuados pelo devedor, a legitimidade do AI encontra apoio no art.º 286º do CC.

*A Ré, citada, contestou, por impugnação dizendo em síntese que a X foi declarada insolvente por sentença de 29 de Outubro de 2018, mas a mesma interpôs recurso, tendo a Relação julgado nulo todo o processado da insolvência, no seguimento de tal decisão aquela citada para exercer o contraditório, reconheceu que estava em insolvência, que veio a ser decretada por sentença de 05/06/2019 e junta aos autos o balancete do período de janeiro a dezembro de 2017, no qual aparece reflectido o perdão da divida datada de 30/09/2016, se o documento fosse forjado, como a A. defende, o mesmo não seria simulado, uma vez que a sua versão dos acontecimentos todas as partes pretenderam de facto fazer operar um perdão da divida, é requisito da simulação as partes declararem algo que enferma de uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, o que não aconteceu com o documento de perdão da divida.

*Realizou-se a audiência prévia, tendo sido consignado como objecto do litigio “ A existência do acto simulado identificado na petição inicial (perdão de dívida).

” e como temas da prova “ os elementos de facto da simulação; intenção de criar um dano e um benefício para outrem”.

*Realizou-se o julgamento e foi proferida sentença que decidiu: Termos em que, na procedência da acção,

  1. Declaro a nulidade do acordo particular de perdão de dívida celebrado em 30 de Setembro de 2016, entre a insolvente e a Ré, declarando-o ineficaz em relação à massa, b) Em consequência, declaro que se mantem em dívida o saldo existente na consta corrente da insolvente contra a Ré no montante de por força da reconstituição da situação que existia se o ato não tivesse sido praticado Custas pela R. por vencida – art. 527.º, 1 e 2, do CPC e Tabela I-A do RCP. “*Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a Ré, tendo formulado as seguintes conclusões: I. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos presentes autos e notificada à Ré em 07/07/2021, que veio julgar a acção totalmente procedente e, em conformidade declarar a nulidade do acordo particular de perdão de dívida celebrado em 30 de Setembro de 2016, entre a Insolvente e a Ré, declarando-o ineficaz em relação à massa insolvente e em consequência, declarar que se mantém em dívida o saldo existente na conta corrente da insolvente contra a Ré, no montante de € 82.363,47 (oitenta e dois mil trezentos e sessenta e três euros e quarenta e sete euros).

    1. A Recorrente foi ainda condenada no pagamento das custas do processo.

    2. Ora, sucede que, o objecto do presente processo era apenas a existência ou não de simulação do acordo particular de dívida, tendo a sentença a quo fundamentado a sua decisão no referido instituto jurídico.

      IV.Com a apresentação do presente recurso a Recorrente pretende arguir a nulidade da sentença proferida, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC, bem como impugnar a decisão proferida sobre o julgamento da matéria de facto e de Direito.

    3. No entender da Recorrente, a sentença recorrida enferma de uma errada análise e julgamento da matéria submetida a apreciação, de uma errada interpretação e aplicação das normas de Direito, bem como de uma errada e insuficiente valoração da prova produzida, e que impunham uma decisão diversa daquela que veio a ser proferida pelo Tribunal recorrido.

    4. Deste modo, e no que à nulidade da sentença diz respeito, a Recorrente entende que a proferida pelo Tribunal a quo padece das constantes do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC, uma vez que não especifica os fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão, os fundamentos estão em oposição com a decisão, ocorrendo ainda ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, e bem assim porque, conheceu o Tribunal recorrido de questões de que não poderia tomar conhecimento.

    5. Assim, é possível verificar que a sentença foi proferida dando por assentes factos que nunca poderiam ter sido dados como provados e que se encontram em contradição com a própria sentença. A sentença recorrida é ainda um mero depósito de doutrina, legislação e jurisprudência sem aplicação concreta aos factos dados como provados e não provados e sem qualquer conclusão que permita concluir pela boa aplicação do Direito aos factos.

    6. O conteúdo da sentença, salvo melhor opinião, é assim desconexo com os factos discutidos na causa, o seu objecto, sendo a sua argumentação ininteligível, desconhecendo-se e não se compreendendo o processo cognitivo e conclusivo, e bem assim o processo pelo qual foi o Direito aplicado aos factos dados como provados e não provados na acção.

    7. A sentença é ainda um longo desiderato repetitivo, redundante, mas sem que em qualquer momento proceda de facto a conclusões e à boa aplicação dos factos ao Direito. Ao longo do seu texto, em momento algum se depreende ou compreende como é que os requisitos da simulação do negócio jurídico se encontram preenchidos e verificados em face daquilo que são factos provados e não provados.

    8. O que, desde já se refira, não poderia acontecer, uma vez que, da matéria dada como provada, não resulta quaisquer elementos que permitam concluir pela verificação de qualquer dos requisitos cumulativos da existência de uma simulação de negócio jurídico nos termos do artigo 240.º e seguintes do CC.

    9. Da vasta doutrina e jurisprudência carreada para a sentença, e tendo em consideração a matéria factual assente, sempre se poderia apenas concluir pela totalmente improcedência da acção, com a consequente absolvição da Ré do pedido.

    10. A sentença de que se recorre, não explica assim o iter cognitivo e valorativo percorrido pelo Tribunal, tornando-se assim ininteligível, considerando a sua decisão, uma vez que, qualquer aplicação do Direito aos factos da causa, torna impossível concluir pela verificação de qualquer requisito da simulação do negócio jurídico. A decisão recorrida não poderia assim ser outra que não fosse a absolvição da Ré.

    11. O julgador não procedeu assim à aplicação do Direito ao caso concreto, pelo que, e tal não o sendo feito, não pode a Recorrente conformar-se com a condenação proferida, uma vez que esta contradiz os factos provados nos autos, bem como a própria fundamentação jurídica da sentença. A sentença recorrida é assim nula por não explicitar os fundamentos de facto e de Direito que conduziram à decisão de condenação, bem como por ser ininteligível.

    12. A isto acresce que a sentença recorrida é ainda nula por o Tribunal recorrido se ter pronunciado, ainda que acessoriamente, sobre questões de que não podia tomar conhecimento. É que, encontrando-se o objecto da acção definido e limitado à discussão da simulação do negócio jurídico, não tem cabimento legal que a sentença inicie a sua fundamentação quanto à matéria de Direito procedendo à transcrição dos artigos 120.º e 121.º do CIRE, uma vez que nunca esteve em causa nos presentes autos uma acção especial de resolução do negócio...

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