Acórdão nº 779/20.3T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelRAQUEL REGO
Data da Resolução18 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO A. M., casado, residente em Rua …, n.º …, … e …, intentou a presente ação de prestação de contas contra J. D., casado, residente no Lugar …, nº …, …, concelho de Vila Verde, pretendendo que a ré preste contas do período a partir de Setembro de 2010, em que o autor deixou de ter acesso ao investimento comum feito com o réu.

Para tanto, invoca que acordou com o réu um projeto de investimento em Angola, nos termos do qual adquiriram diversas maquinarias e mão-de-obra com vista à realização de obras em angola, tendo cada um investido a quantia de €243.787, 54.

Em Maio de 2010, foi acometido de uma doença grave que o obrigou a internamento hospitalar, sendo que o réu não mais o informou acerca dos negócios de ambos.

Citado, o réu apresentou contestação, excepcionando a incompetência territorial do Tribunal, o caso julgado e a autoridade do caso julgado, a sua ilegitimidade passiva, o erro na forma do processo, a contradição entre o pedido e a causa de pedir e a prescrição do direito do autor.

Além disso, impugna a matéria invocada pelo autor, aceitando, todavia, expressamente, a matéria julgada provada no âmbito do processo 750/12.9TBVVD.

A isso respondeu o autor, pugnando pela improcedência das excepções invocadas e pela condenação do réu tal como peticionado.

**A SrªJuiz a quo consignou, então, que perante «a factualidade já admitida por acordo das partes – o réu expressamente aceita a matéria invocada pelo autor que foi julgada provada no âmbito do processo 750/12.9TBVVD - a decisão sobre se a obrigação de prestar contas existe é, na perspetiva do Tribunal, uma questão estritamente jurídica, não dependendo de prova a produzir».

Fundada em tal entendimento, proferiu decisão que culminou com a procedência do pedido e a condenação do réu J. D. a, em 20 dias, prestar contas dos negócios descritos nos pontos 1º a 16º factos provados, sob pena de, não o fazendo, não lhe ser permitido contestar as contas que o autor apresente.

**Com ela não se conformando, veio o réu interpor o presente recurso, onde conclui nos seguintes termos: I.Com toda a humildade, e salvaguardada douta opinião contrária, não se conforma o aqui Réu e apelante com o douto entendimento da Meritíssima Juiz vertido na decisão com a Refº 174143421, em que julgou a contestação improcedente, tendo condenado o aqui recorrente a prestar contas em 20 dias, entendendo estar tal decisão aqui posta em crise ferida desde logo de nulidade pelo facto de decidir sem que se produzisse prova para o efeito, nos termos da primeira parte do nº 3 do art 942º do CPC, que, determina que o juiz pode proferir de imediato decisão, produzidas as provas necessárias,(…) - nulidade e/ou irregularidade que expressamente se invoca. ( sublinhado e itálico nosso) II. Na verdade, não foi dada a possibilidade ao aqui recorrente de produzir desde logo qualquer prova, tal como impõe o vertido no nº 3 do processo especial que é a prestação de contas, e, sendo a questão de facto e de direito, carecia de ser decidida pelo juiz, mas apenas depois de “produzidas as provas necessárias”.

III. A decisão estava necessária e insofismavelmente dependente de questões de facto. E o aqui apelante requereu que fosse produzida prova. O não ter sido efetiva e materialmente possibilitado a produção de prova, objetivamente necessária, traduz uma errada apreciação e avaliação do estado dos autos, isto é, reconduz-se a uma precipitação da decisão, ou seja, à prolação da decisão sem estarem ainda reunidos os elementos que o consentiriam, o que constitui uma nulidade/irregularidade que se invoca expressamente.

IV. Alem disso, ao ter proferido decisão sumária de obrigação de prestar contas sem a produção da prova, ocorreu também a violação do princípio do acesso à tutela jurisdicional efetiva, o que expressamente se invoca para todos e os devidos efeitos. - nº 4 do artigo 20º, da Constituição da Republica Portuguesa.

V. Sobre um caso idêntico aos dos autos, chama-se à colação o douto Acórdão do Tribunal da Relaçao de Coimbra de 11-05-2021, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/5c8375a15da6df57802586 dd00325709?OpenDocument Em que ali, na síntese conclusiva, se decidiu: I – A decisão de mérito sobre a (prévia) obrigação de prestar contas, numa ação de prestação de contas, só deve ter lugar sem mais após os articulados se for uma questão exclusivamente de direito. (…) III – O direito à prova, sendo uma das dimensões em que se concretiza o direito a um processo equitativo, significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal, donde, as partes têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova.

ACRESCE AINDA QUE, VI. O tribunal a quo não apreciou as exceções com o rigor que devia ter apreciado.

VII. O Tribunal a quo foi chamado a pronunciar-se sobre as seguintes exceções, onze anos volvidos sobre o objecto da prestação de contas, e já depois de sanada a questão no âmbito do processo que correu termos no Tribunal Judicial de Braga sob o nº 750/12.9TBVVD tendo pelo aqui recorrente sido suscitadas as seguintes exceções: - Da exceção de incompetência territorial do Tribunal; - Da exceção de caso julgado e da exceção de autoridade do caso julgado; - Da exceção de ilegitimidade passiva do réu; - Da exceção de erro na forma do processo; - Da exceção de ineptidão por contradição entre o pedido e a causa de pedir; - Da obrigação do réu em prestar contas; - Da prescrição do direito do autor. - Da litigância de má-fé.

VIII. Ora, no que toca ao presente processo especial de prestação de contas, as exceções invocadas, tinham de ser vistas com uma acuidade diferente das exceções que foram apreciadas no âmbito do processo nº 750/12.9TBVVD, isto porque, o objecto do processo era distinto.

IX. E desde logo se coloca ao escrutínio de V.Excias Ex.mos Srs Juízes Desembargadores a apreciação da exceção de incompetência territorial do Tribunal, dado que o aqui recorrido invocou a incompetência internacional deste Tribunal, defendendo que o Tribunal competente para a decisão é o direito Angolano.

X. O tribunal a quo dá como provado dos factos de 1º a 19º e, entre aqueles factos provados constam os factos vertidos em 11º 13º e 14º, a saber: 11. O equipamento comprado com dinheiro do autor e réu foi faturado em nome de uma sociedade angolana denominada “E. & S., Lda”, no que autor e réu acordaram, por forma a facilitar a exportação e a tornar os direitos alfandegários menos dispendiosos. (sublinhado nosso) 13. A actividade de autor e réu foi iniciada usando formalmente a sociedade “E. & S., Lda.” através da qual se efetuou a exportação dos equipamentos e constituiu a forma de viabilizar a entrada e a permanência daqueles bens em território angolano, tendo a mesma sociedade sido utilizada para a concessão de vistos de permanência do autor e réu em território angolano. 14. Não obstante a formalização documental mostrar-se efetuada em nome de “E. & S., Lda.”, a disponibilidade desses equipamentos continuou a pertencer, em conjunto, ao autor e réu, que deles podiam dispor livremente.” XI. Ora resulta cabalmente que ocorreu uma transferência de bens por iniciativa de autor e réu, voluntariamente, para uma sociedade de direito Angolano, conforme resulta do facto vertido em 11º, mormente a dita sociedade E. & S., Lda, sediada em território angolano! XII. O Tribunal a quo deveria ter atendido ao critério do fim ultimo da ação prestação de contas – que é a entrega do saldo se o houver, e isso só é possivel apurar entrando na esfera jurídica de uma sociedade de direito Angolano, na qual recorrente e recorrido deslocaram todo o património de livre e espontânea vontade, e ali desenvolveram a parceria que agora o recorrido quer ver prestadas contas – vide factos assentes em 11º; XIII. A ter que se prestar contas, em ultima racio, tem se de atender ao desenvolvimento contabilístico e financeiro da sociedade de direito Angolano, sediada em angola, longe da jurisdição nacional, pelo que deveria o Tribunal a quo atender ao critério da causalidade.

XIV. Veja-se que o recorrido refere no no artº 1º da petição que, passa-se a citar “ em meados de 2008, atraídos pelas potencialidades dos negócios em angola, iniciaram conversações com vista a realizar investimento conjunto em Angola” No artº 3º da p.i. refere, que, passa-se a citar: “… Ali se deslocaram, em 17 de Outubro de 2008….” No artº 5º refere o autor que “da referida incursão (…) resultou a reunião com um empresário local, de nome A. E., o qual, para alem de titular de cargo publico, era sócio de uma sociedade de direito Angolano, designada de “ E. & S. Lda” No artº 9º da p.i., o autor refere que, passa-se a citar: (…) desde logo acordaram, com o referido A. E., que seria usada uma sociedade de que este era sócio “E. & S. Lda” como veiculo…! No artº 11º refere o autor que, “assim decidiram, que, provisoriamente, (…) seria usada aquela sociedade angolana, a E. & S. Lda”.No artº 19º refere que “ (…) todos os equipamentos e máquinas teriam de ser facturados á sociedade angolana, E. & S. Lda, (…) No artº 20º e 21º refere que, “ esta sociedade (..) para o desalfandegamento de bens em Angola (…) e serviu para registarem as viaturas em nome da referida sociedade de modo a que pudessem ser desalfandegadas, legalizadas, emitidos seguros e circular legalmente em angola” . No artº 22º, refere o autor que “ A sociedade E. & S. serviu portanto para o autor e réu desenvolverem formalmente atividade em angola (…) . No artº 27º da sua p.i. refere o autor que “ autor e réu movimentavam a conta bancária daquela sociedade”. No artº 45º refere o autor que, “ é indesmentível que, um ano após a instalação em Angola, aquele projeto estava em franco crescimento, com...

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