Acórdão nº 3045/20.0T8GMR-G.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE
Data da Resolução18 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório Por apenso ao processo de insolvência de X – Unipessoal Lda., veio Y – Transportes Y Lda., intentar acção de impugnação de resolução de acto em benefício da massa insolvente contra Massa Insolvente de X – Unipessoal Lda., representada pelo Sr. Administrador de Insolvência R. M., pedindo seja “revogada e dada sem efeito a resolução do negócio datado de 20/09/2018 e que teve por objecto a transmissão de parte da carteira de clientes da impugnantes para a insolvente”.

Invocou para tanto e em síntese que o negócio em causa não preenche nenhum dos tipos previstos no art. 121º do CIRE, a natureza do negócio é onerosa, as obrigações assumidas não excederam manifestamente as da contraparte, aqui impugnante, não podia o negócio ser resolvido incondicionalmente por estar para lá do limite temporal previsto na alínea h) do n.º 1 do art.º 121º, até 2017 A. S. foi gerente da aqui Ré e da sociedade insolvente, no final do 1º trimestre a sociedade insolvente passou a ser gerida por F. R., a partir daí não mais A. S. exerceu poderes de direcção da daquela, em 2018 a aqui A. e a sociedade insolvente acordaram que a aqui A. cederia á sociedade insolvente parte da carteira de clientes e a sociedade insolvente cederia à aqui A. parte dos camiões que compunham a sua frota, mais acordaram que os valores a pagar fossem liquidados por compensação dos valores inscritos a débito e a crédito nas respectivas contas correntes, a carteira de clientes é susceptível de um negócio autónomo, a sociedade insolvente passaria a ser apresentada aos clientes da aqui A. como futura prestadora de serviços de transporte, o que não quer dizer que estes clientes passassem a estar obrigados a contratar com aquela os serviços de transporte, para o apuramento do valor do negócio as partes não definiram um valor fictício, nem tiveram como objectivo reduzir a dívida da aqui A. á sociedade insolvente, nem aumentar o passivo da sociedade insolvente, em 2019 por decisão única e exclusiva da gerente F. R., esta decidiu paralisar a actividade da sociedade insolvente, devolver alguns equipamentos adquiridos por meio de financiamento e diligenciar pela apresentação á insolvência, os credores sociais não foram prejudicados pela aquisição da carteira de clientes, em 2018 ninguém poderia cogitar que dois anos depois a sociedade insolvente pudesse passar dificuldades que imporiam o seu encerramento e insolvência.

*A Ré contestou invocando, no que ora releva e no que respeita aos “ pressupostos gerais” da resolução plasmados no art.º 120º do CIRE, que se verifica o requisito da temporalidade porque o negócio data de 20/09/2018, a sentença de insolvência data de 17/07/2020 e o processo iniciou-se a 01/07/2020, a 31/08/2018 a A. devia á sociedade insolvente os montantes de € 96.237,39 e de € 139.986,92, posteriormente seguiu-se a emissão pela sociedade insolvente a favor da aqui A. de uma factura datada e vencida a 28/09/2018, que titula uma suposta venda de viaturas, pelo preço de € 137.760,00, pelo que na referida data a A. era devedora também dessa quantia, sendo o total em dívida de € 373.984,81, a A. (por lapso refere-se a Ré) emitiu à insolvente uma factura no valor de € 372.000,00, que titula uma alegada venda de carteira de clientes, com o único intuito de anular contabilisticamente o saldo credor global da insolvente sobre a A., mediante um pretenso e ilegal “encontro de contas”, preterindo o recebimento do verdadeiro crédito de que a insolvente era titular sobre a A., no valor de € 373.984,81, o não ingresso desta quantia na esfera patrimonial da insolvente impede a repartição do produto daquilo que deveria ter sido uma venda pelos credores da insolvente, a ter ocorrido uma compensação, o meio idóneo para tal seria contrato escrito, não existindo necessidade de o negócio translativo dos direitos conexos à carteira de clientes alegadamente alienada pela A. á insolvente ser titulada por factura recibo, as carteiras de clientes são consideradas, quer fiscal, quer contabilisticamente, como activos intangíveis, cuja alienação terá de ser de precedida de avaliação por revisor oficial de contas independente, o que não sucedeu, está verificado o requisito da prejudicialidade, cabe à A. o ónus de contraprova da prejudicialidade, subsumindo os factos alegados na previsão normativa do art.º 120º, verifica-se tal pressuposto.

Depois e referindo-se à “resolução incondicional“, alude à alínea h) do art.º 121º n.º 1 do CIRE e alega, para além do mais que constitui repetição, que a venda/cessão, pela A. á insolvente, de parte da carteira de clientes daquela, com a consequente obrigação de pagamento, por esta, da quantia de € 372.000,00, sempre consubstanciaria um negócio simulado, que visou, tão só, a anulação no que tange a saldos contabilísticos, do efectivo saldo credor da insolvente sobre a A., a insolvente em nada beneficiou com a aquisição da referida carteira de clientes, não tendo obtido nenhum proveito com a mesma, pois de contrário não teria acabado insolvente, o preço de € 372.000,00 coincide, quase na integra, com o valor do crédito da insolvente sobre a A., como é um valor concebido apenas para esse efeito, não se verificam os requisitos legais da compensação, o alegado crédito de € 372.000,00 não era judicialmente exigível, nunca houve declaração de compensação, verifica-se a operabilidade da resolução incondicional, sendo o acto em apreço subsumível à alínea h) do n.º 1 do art.º 121º do CIRE.

E finalmente, referindo-se à “resolução condicional”, alude ao requisito da má fé e alega que os sócios-gerentes de ambas as sociedades eram marido e mulher nos dois anos anteriores á data do inicio do processo de insolvência (01.07.2020) e portanto pessoas especialmente relacionadas, a segunda nos termos do art.º 49º n.º 2 do CIRE, alíneas a) e c) e a primeira nos termos do art.º 49º n.º 2 alínea d), do CIRE, a A. é pessoa especialmente relacionada com a insolvente, o que dita a aplicabilidade da presunção de má fé, o gerente da A. conhecia a situação de insolvência da X – Unipessoal Lda., ainda na pendência do casamentos dos gerentes, a insolvente contraiu responsabilidades bancárias, as quais foram uma das causas da insolvência, à data da celebração do negócio jurídico em discussão, a X – Unipessoal Lda. já estava em situação de insolvência, o que era do conhecimento da A., a sede da A. é o local onde se encontram as instalações operativas da insolvente, o que é ilustrativo da interoperabilidade das duas sociedades e a confluência entre as mesmas, pelo que se verifica o requisito da má fé.

Conclui dizendo que se verificam os requisitos de que dependem a resolução, quer incondicional, quer condicional.

*Realizou-se a audiência prévia em cuja acta se mostra consignado: “Objecto do litígio: A resolução do negócio datado de 20 de Setembro de 2018 e que teve por objecto a transmissão de parte da carteira de clientes da impugnante para a insolvente.

Temas da prova: A análise dos pressupostos da resolução operada pelo Administrador de Insolvência nos concretos termos e fundamentos que constam da declaração de resolução.”*Realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença, com o seguinte decisório: “Julga-se a presente ação parcialmente procedente, e nessa conformidade deverão as partes, nomeadamente a Ré, lançar mão do incidente de liquidação de forma a avaliar o valor justo da carteira de clientes objeto desta ação, de forma a que após perícia independente e idónea seja fixado o seu valor. Caso o mesmo tenha um valor inferior ao atribuído na data do negócio, tal constituirá a A. em devedora à massa insolvente da diferença entre o valor liquidado e a dívida referida em g), mantendo-se assim na medida do estritamente necessário a resolução operada pelo Sr. A.I. Sendo esta condenação parcial, igualmente condicionada, ao valor que vier a ser fixado.

Custas por A. e Ré em parte iguais.”*Inconformada, dela veio a A. interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: A. A acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente deveria ter sido julgada totalmente procedente e não somente parcialmente.

  1. Não podia também remeter a eventual condenação da R. para posterior incidente de liquidação, nomeadamente para o apuramento (ou não) da prejudicialidade do negócio resolvido.

  2. A matéria de facto dada como provada, não foi possível ao Tribunal a quo considerar que o negócio da venda da carteira de clientes pelo preço de 372.000,00€ tenha sido prejudicial à massa insolvente, o que determinava a procedência da acção.

  3. A missiva resolutiva assentava exclusivamente a sua causa de pedir no facto, não demonstrado, que o negócio não proporcionou qualquer receita efectiva à sociedade insolvente (veja-se facto provado 1)).

  4. É jurisprudência unânime que a acção de impugnação constitui acção de simples apreciação negativa e como tal é à R., a quem cabe demonstrar os factos constitutivos do seu direito, ou seja, o direito de resolução do negócio.

  5. O ónus da prova da prejudicialidade do negócio resolvido (venda da carteira de clientes) era da R., conforme resulta do artigo 343.º, n.º 1 do Código do Processo Civil ao estipular que “nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga”.

  6. Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27-11-2019, processo n.º 3327/10.0TBSTS-J.P1.S2, disponível para consulta em www.dgsi.pt que decidiu que “a prejudicialidade do acto necessita de ser demonstrada, nos termos do nº 1 do apontado artigo 120º do CIRE e do artigo 342º, nº1 do CCivil, cabendo ao Administrador da insolvência alegar e provar, caso se imponha, a bondade do direito potestativo por si exercitado extrajudicialmente”.

  7. Ainda a Veneranda Relação de Guimarães, em Acórdão datado de 27/04/2017, processo n.º 636/14.2T8VVD-F.G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, em situação idêntica à...

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