Acórdão nº 2310/20.1T8VCT-F.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelEDUARDO AZEVEDO
Data da Resolução18 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães Por apenso a execução para pagamento de quantia certa intentada por Carpintaria V. P., Unipessoal, Lda contra E. P., por montante de 19.831,69€, incluindo juros de mora, foram deduzidos embargos de executado.

Na ação executiva foi oferecido cheque no valor de 19.207,50€, de conta do executado, que se revelou não ter provisão, referente ao “pagamento de valores pendentes e outros que entretanto se vencessem”, tendo a exequente, no âmbito da sua atividade, realizado trabalhos diversos.

O embargante pediu: “A. se digne considerar totalmente procedente por provada a presente oposição à execução e, em consequência, absolver o executado do pedido, com as devidas e legais consequências.

Caso assim não se entenda, B. se digne considerar totalmente procedente por provada a presente oposição à execução e, em consequência, absolver o executado da instância, com as devidas e legais consequências.”.

Alegou, em síntese: por decurso do prazo, o cheque dado à execução prescreveu, perdendo as características de abstração e literalidade, entre outras, e deixando de valer como título executivo nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 703º do CPC; era então necessária a invocação da relação causal para que dela pudesse defender-se; e a exequente não lhe prestou atividade.

A exequente contestou, alegando, em súmula: no sentido do requerimento executivo; foram realizados vários trabalhos designadamente de carpintaria, nos meses de Julho a Novembro de 2018, tendo o embargante dito que os mesmos eram da sua inteira responsabilidade e, assim, que se responsabilizava pessoalmente pelo pagamento; outros são os trabalhos nomeadamente de empreitada e de fornecimento de materiais e eletrodomésticos para a sociedade de que o embargante é sócio-gerente (Obras Lusas E. P., Unipessoal, Lda).

Foi proferido despacho: “Nos embargos que apresenta, o executado alega, além do mais, que o cheque dado à execução prescreveu, por decurso do prazo, perdendo as suas características de abstração e literalidade, entre outras, e deixando de valer como título cambiário.

Essa alegação foi aceite pela exequente.

O conhecimento da exceção de prescrição do cheque está dependente de arguição pelo interessado. Por esse motivo, em sede de despacho liminar, na execução, não podia o Tribunal apreciar essa questão. Cabe-nos agora conhecê-la.

De facto, no caso dos autos, o cheque tem como data de emissão o dia 17/09/2018 e apenas foi apresentado a pagamento em 11/09/2019.

Nesse sentido, o cheque encontra-se prescrito (arts. 29º e 52º da Lei Uniforme Sobre Cheques).

Como ressalta da leitura do art. 703º, n.º 1, al. c) do NCPC o cheque, apesar de prescrito, pode servir de título executivo como mero quirografo da obrigação. Contudo, nesse caso, exige-se que os factos constitutivos da relação material subjacente constem do documento ou sejam alegados no requerimento executivo.

Analisado o cheque junto aos autos vemos que deste não constam os factos constitutivos da relação material subjacente.

Consequentemente, cabia à exequente alegá-los no requerimento executivo.

Vejamos se, no caso concreto, a exequente cumpriu esse ónus.

No requerimento executivo foram alegados os seguintes factos: 1. A exequente dedica-se à realização de obras de carpintaria, entre outros.

  1. No âmbito da sua atividade, a exequente executou trabalhos diversos para o executado.

  2. Para pagamento de valores pendentes e outros que entretanto se vencessem, o executado entregou um cheque, sobre o Banco ..., no valor de €19.207,50.

  3. Apresentado a pagamento, veio o cheque devolvido por falta de provisão.

  4. Apesar de diversas vezes instado para o efeito, o executado nada pagou até à presente data, pelo que se encontra em dívida para com a requerente no valor total de €19.207,50, acrescido de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

  5. Nestes termos requer-se o cumprimento total da obrigação, acrescida dos respetivos juros vencidos, desde a data do incumprimento, e vincendos, às respetivas taxas legais em vigor, bem como de todas as despesas judiciais inerentes ao processo e extrajudiciais que sejam da responsabilidade da executada, a liquidar oportunamente.

    A exequente alega, entre o mais, que executou trabalhos a pedido do executado e que este, para pagamento de valores pendentes e outros que, entretanto, se vencessem, entregou um cheque, sobre o Banco ..., no valor de €19.207,50.

    Ora, salvo o devido respeito, a exequente não cumpriu o ónus a que estava adstrita. O requerimento executivo é omisso quanto às datas dos trabalhos realizados e quanto ao local onde foram realizados. Mas, mais do que isso, é alegado que o cheque também se destinava a pagar trabalhos ainda por executar. Contudo, a exequente não alega sequer se esses trabalhos foram efetivamente efetuados. Nem alega quando foram efetuados, nem o local onde foram efetuados.

    Esta alegação vaga e imprecisa torna quase impossível a defesa do executado, o qual terá de se defender perante um número indeterminado de trabalhos que a exequente tenha realizado (ou não) a seu pedido. Isto porque, não basta ao executado impugnar os factos alegados pela exequente, na medida em que é sobre ele que recai o ónus de provar que os factos alegados no requerimento inicial não são verdadeiros.

    De facto, como afirma LOPES DO REGO (1 Ac. STJ, de 07/05/2014), o exequente tem o ónus de alegar, no requerimento executivo, os factos essenciais constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título, desprovido de valor nos termos da respetiva Lei Uniforme, identificando adequadamente essa relação subjacente, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, ao executado, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ele recai, como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pelo art. 458º do CC.

    Pelo que vimos de referir, cabe concluir que a exequente não alegou com a precisão suficiente os factos constitutivos da relação material subjacente. Assim, o requerimento inicial é inepto para produzir os fins pretendidos.

    Contudo, essa ineptidão não origina imediatamente a extinção da execução. O NCPC, na senda do antigo CPC, vem privilegiando as decisões de mérito sobre as decisões de forma. Nessa medida, o art. 734º, n.º 1 do NCPC permite expressamente o convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, o qual pode ser dirigido ao exequente até ao primeiro ato de transmissão de bens penhorados. E esta norma consta da secção dedicada à oposição à execução, dando a entender que o convite pode ser formulado no apenso respetivo (2 Esta solução foi admitida, entre outros, nos Acs. TRG, de 05/02/2015, proc. 27/13.2TBMGD-C.G1, à luz do antigo CPC e TRE, de 11/05/2017, processo 1047/14.5TBABF-A.E1, já à luz do novo código.).

    Do que vimos de referir, cabe concluir que se deve dar oportunidade à exequente aperfeiçoar o requerimento inicial.

    Com efeito, importa que a exequente, de forma sucinta, esclareça: - quais os trabalhos que foram feitos; - em que datas e locais foram efetuados; - se os trabalhos por realizar foram efetivamente realizados; se sim, em que datas e locais; - preço dos trabalhos; - juntando, caso assim o entenda, as respetivas faturas.

    Só dessa forma poderá o executado defender-se convenientemente.

    *Pelo exposto, e nos termos das disposições citadas, convida-se a exequente a, em 10 dias, aperfeiçoar o requerimento inicial (por requerimento sucinto, que deverá ser junto a este apenso), explicitando os pontos que atrás enunciamos.

    Prazo: 10 dias.

    Caso a exequente aceda ao convite, poderá o executado responder em igual prazo.

    Notifique.”.

    Nessa oportunidade a embargada alegou: “…, de forma sucinta, esclarecer quais os trabalhos efetuados, a saber: 1. Fornecimento de eletrodomésticos para 12 apartamentos e colocação dos mesmos em 2 apartamentos : - 12 placas indução; - 12 fornos; - 12 Micro-ondas; - 12 frigoríficos; - 12 máquinas de lavar a loiça; - 12 lava-loiças (das bancadas); - 12 torneiras; - 12 exaustores.

  6. Fornecimento e colocação de flutuante, tela para flutuante em 2 apartamentos.

  7. Fornecimento e colocação de rodapé lacado em 2 apartamentos.

  8. Fornecimento e colocação de blocos portas lacados incluindo ferragens e puxadores.

  9. Fornecimento e colocação de granito angola de 3 cm nas bancadas e de 2 cm nas paredes em 2 apartamentos.

    Todos os trabalhos foram realizados sob as ordens e direção do embargante E. P., em prédio sito na Avenida ..., União das Freguesias de ... e ..., em Monção, entre Julho e Novembro de 2018, comportando tudo num total de €32.757,36 (trinta e dois mil setecentos e cinquenta e sete euros e trinta e seis cêntimos).

    (…)”.

    Tendo o embargante respondido, além do mais, mantendo a sua posição inicial e referindo a insuficiência de alegação da matéria de facto, por ser, nomeadamente, genérica e indeterminada.

    Em 11.09.2020, ainda na fase da condensação e na altura em que se enunciou o objeto do processo e os temas de prova foi proferido despacho: “O presente despacho segue no sentido do despacho proferido no dia 09/05/2020. Já ali se consignou que o cheque dado à execução estava prescrito, pelo que cabia ao exequente alegar os factos constitutivos da relação material subjacente, o que este fez, depois do convite que lhe foi formulado.

    Entendo que o exequente acedeu ao convite formulado, tendo esclarecido os serviços que foram prestados ao executado, em consonância com o que havia sido determinado.

    Não nos podemos esquecer que estamos perante uma ação executiva e que existe um cheque emitido pelo executado. Nesse sentido, as necessidades de alegação são um pouco mais ligeiras do que ocorre no âmbito das ações declarativas.

    Pelo exposto, porque foi cumprido o determinado, o processo está em condições de prosseguir, não se verificando qualquer ineptidão do requerimento inicial aperfeiçoado.”.

    Entretanto, sendo a exequente declarada insolvente foram os autos apensos ao respetivo processo.

    Realizada a audiência de julgamento proferiu-se...

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