Acórdão nº 217/19.4T9EPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | FÁTIMA SANCHES |
Data da Resolução | 22 de Novembro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1.
Nos autos com o NUIPC217/19.4T9EPS, a correr termos no Juízo de Competência Genérica de Esposende, realizada que foi a audiência de discussão e julgamento, foi proferida pelo Exmo. Juiz a quo, a seguinte decisão (transcrição): “Por todo o exposto, decide-se não conhecer do mérito da acusação pública de fls. 87 e ss.
Extraia certidão de todo o processado até ao momento anterior à dedução da acusação pública, e remeta ao Ministério Público, para os fins tidos por convenientes.
Sem custas.
Notifique.” 2.
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, concluindo a sua motivação do seguinte modo (transcrição) (1.
CONCLUSÕES: 1- A fls. 3 foi apresentada queixa por F. L. contra o seu irmão, o ora arguido P. S. pela prática de um crime de abuso de confiança, que em face dos seus laços familiares, reveste natureza particular – cfr. artigo 205º, nº1 e 207º, nº1 do C.P.
2- Por tais motivos, e na sequência do despacho de fls .57 foi o ofendido notificado para querendo se constituir assistente, o que veio a fazer em 11.02.2020, tendo sido admitido a intervir nessa qualidade por despacho proferido em 08.06.2020 – cfr. fls 78 3- Findo o inquérito não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 285º, nº1 do C.P.P.; 4- Ao invés, findo o inquérito foi deduzida acusação publica, nela constando factos que objectiva e subjectivamente integram o crime de abuso de confiança com natureza particular, não obstante foram os mesmos qualificados como integrando o crime do artigo 205º, nº1 do C.P, que por si só é de natureza semi – publico, 5- Em 12.02.2020 foi proferido despacho a que alude o artigo 311º, CPP recebendo a acusação deduzida pelo Ministério Público contra P. S. pelos factos descritos na acusação pública e com a qualificação jurídica aí constante; 6- Em 13.04.2021, foi realizada a audiência de discussão e julgamento, tendo sido designada data para a sua continuação e para leitura de sentença; 7- E, no dia 22.04.2021 na data designada para a leitura de sentença foi proferida a sentença ora em recurso conforme se alcança da respectiva acta, vindo a mesma a ser depositada.
8- Ora, da análise de tal sentença, ressalta desde logo que a mesma é nula, nos termos do artigo 379º, alíneas a) e c) do C.P.P..
9- A sentença em recurso não contem as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º do C.P.P., 10- Acresce que o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão entendendo que em causa, não estava o crime indicado na acusação pública, mas sim o crime do artigo 205º e 207º do C.P. , que reveste natureza particular, com o que concordamos, pelo que importa extrair as devidas consequências jurídicas.
11- O Tribunal a quo, considerou, com base no artigo 311º, nº1, do C.P.P.. que a falta de legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação particular pelo aludido crime, obsta ao conhecimento de mérito da mesma e que por tal motivo não a conheceu. Sucede que tal norma reporta-se à fase de saneamento do processo – sendo que nessa ocasião o Tribunal a quo recebeu a acusação nos seus precisos termos, tendo sido proferido despacho que alem do mais designou data para julgamento, conforme supra referido e que foi realizado.
12- Assim, na fase processual em que se encontrava o processo e encerrada a discussão da causa, como foi, impunha-se ao Tribunal a quo proferir sentença com observância dos seus formalismos legais , cfr- artigo 365º do C.P.P. de absolvição e ou condenação, e ou, no que ora importa conhecer de eventuais questões /nulidades processuais de conhecimento oficioso e extrair os seus efeitos.
13- O Tribunal a quo, não poderia era, findo o julgamento e em sede de sentença vir a fazer como fez novo “saneamento” dos autos com recurso ao artigo 311º do C.P.P. e com base neste normativo legal proferir a sentença ora em crise, razão pela qual o tribunal a quo interpretou incorretamente o artigo 311º do C.P.P., ao considerar que tal preceito legal poderia ser aplicado, mesmo depois de iniciada a audiência de julgamento; 14- Na verdade, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que de deveria apreciar, e como tal nos termos da alinea c) do citado artigo 379º do C.P.P. a sentença em recurso é igualmente nula.
15- Com efeito, a falta de promoção do processo pelo M.P. é, uma nulidade insanável, configurada na al. b) do Artº 119 do CPP, porque, no caso dos crimes particulares – como é o caso dos autos, o despacho que se impunha findo o inquérito não era o de acusação (como ocorreu nos autos), mas antes, a notificação do assistente prevista no Artº 285 nº1 do CPP, para, querendo, deduzir acusação particular, o que não foi determinado; 16- Esta nulidade insanável pode e deve ser declarada oficiosamente em qualquer fase do processo, nos termos do citado artigo 119º C.P.P.
17- E, nos termos do art.º 122 do C.P.P. a decisão que declara a nulidade deve pois também declarar quais os actos por esta afectados, ordenando se possível a sua repetição, aproveitando todos os actos que puderem ser salvaguardados dos seus efeitos.
18- No caso é afectado pela nulidade o despacho de encerramento do inquérito -acusação proferida e todos os actos subsequentes, pois que aí se omite a ordem de notificação devida nos termos do artigo 285º, n.º 1 do CPP., com excepção da nomeação da ilustre defensora do arguido pois tal acto pode ser aproveitado, 19- Esta nulidade será colmatada com a prolação do despacho a que alude o artigo 285º do C..P.P., que é da competência do MºPº, onde, após o devido trânsito em julgado da decisão em recurso deverão os autos regressar a fim de ser proferido o acto omitido e seguirem os autos os seus ulteriores termos, e não como decidiu o Tribunal a quo, que interpretou incorretamente o teor dos artigos 48º, 119º, b), 122º, 285º, 311º, C.P. P. e 205º e 207º do C.P., mandando apenas extrair certidão de todo o processado até ao despacho de acusação, pois que a correcta interpretação daqueles normativos impõe a declaração de nulidade nos próprios autos do despacho de encerramento de inquérito acusação e do que lhe sucede, salvaguardando, porque inócua aquele vicio, a nomeação de defensor.
20- Refira-se que se assim não fosse, e caso transite em julgado a sentença ora em recurso, do cumprimento do ali decidido, importaria que o mesmo arguido fosse acusado e julgado em dois processos distintos, pelos mesmos factos, embora com qualificação jurídica diversa. Sucede que tal não e legalmente admissível no nosso ordenamento jurídico, por violar o principio do ne bis in idem- cfr. artigo 29º, nº5 da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo interpretou também incorrectamente tal normativo.
21- Assim sendo, entendemos que deverá ser declarada nula a sentença ora em crise: - pelos fundamentos previsto na alínea a) do citado artigo 379º do C.P.P.; - e nos termos da alinea c) do mesmo normativo, por o Tribunal a quo não ter conhecido a citada nulidade insanável p. e p. no artigo 119º al b) do C.P.P., por não ter sido dado cumprimento ao artigo 285º do C.P.P. e em consequência, nos termos do artigo 122º do C.P.P. declarado a nulidade do despacho de encerramento do inquérito proferido nestes autos – o de acusação, e bem assim todos os actos subsequentes com excepção da nomeação da ilustre defensora do arguido e a devolução dos autos ao MºPº, após transito, a título definitivo, para os indicados fins.
22. A douta sentença ora em recurso violou assim o disposto nos artigos 48º, 119º, b) ; 122º, 285º ; 311º, 374º, 379º, a) e c) todos do C.P.P. e artigos 205º, nº1, 207º, C.P. e 29º, nº 5 da C.R.P..
Termos em que, e nos mais de direito, deve ser revogado a sentença ora em crime substituído por outra que: - cumpra os requisitos do artigo 374º do C.P.P.; - se considere que no caso do crime de abuso de confiança de natureza particular p. e p. no artigo 205º, nº1 e 207º, nº1 do C.P., não tendo sido o assistente notificado nos termos e para os efeitos do artigo º 285 nº1 do CPP, tal omissão configura a nulidade insanável prevista no artigo 119º, b) do C.P.P. e em consequência se declare, nos termos do artigo 122º do C.P.P. a nulidade do despacho de encerramento do inquérito proferido nestes autos – o de acusação e todos os actos subsequentes com excepção da nomeação da ilustre defensora do arguido, e a devolução dos autos ao MºPº, após transito, a título definitivo, para cumprimento do acto omitido – notificação a que alude o artigo 285º do C.P.P. e tramitação dos ulteriores termos do processo, assim se fazendo a já costumada justiça.
3.
Não foi apresentada qualquer resposta a este recurso.
4.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
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