Acórdão nº 1859/20.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório B. R.

e M. F.

intentaram acção declarativa de condenação contra X – SEGUROS GERAIS, SA, J. M.

e E. P.

, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhes: 1.

a quantia de € 251.316,25, pelos danos sofridos e do quantum indemnizatório; 2.

e, pelo contrato de seguro ser a primeira ré Companhia de Seguros condenada a pagar aos autores, até ao limite da cobertura da apólice a favor da Ordem dos Advogados; 3.

como os juros moratórios à taxa legal, desde a citação até ao integral pagamento; e 4.

em custas e procuradoria condigna Com esta acção visam os autores a efectivação da responsabilidade profissional de Advogado, requerendo que a 1.ª ré seguradora seja “subsidiariamente” condenada no valor que vá até ao limite da apólice de seguro.

Para fundamentar tal pretensão, alegam os autores que por força da conduta dos réus Advogados, contratados pela sua representada sociedade Y – Construções Imobiliária, Lda.

, em 2011, a massa insolvente da “J. A. – Soc.

Imobiliária, Lda” enriqueceu-se injustificadamente à sua custa, já que nem foi cumprido o contrato-promessa celebrado a 22.11.2008, em face da sua posterior resolução pela Administradora da insolvência e consequente apreensão dos imóveis seu objecto a favor da massa, nem foi pago o crédito por si reclamado nos termos do art. 128.º do CIRE, correspondente ao liquidado sinal e princípio de pagamento em face da tradição dos prédios para a sua esfera, pois o mesmo não foi reconhecido como privilegiado, o que lhe acarretou “graves prejuízos”.

Em contestação, invocaram os réus X – Seguros Gerais, S.

A e J. M. a excepção do caso julgado da decisão proferida no âmbito do processo n.º 402/17.

3T8BRG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Braga – Juiz 4, não obstante a decisão onde foi apreciado o mérito, tenha sido revogada por via da necessidade de suprir a ilegitimidade activa da ali autora, na parte da apreciação de mérito dos factos alegados e da causa de pedir tem valor de caso julgado, nos termos alegados nos arts. 64 e segs., da contestação da 1ª ré e arts. 2 a 66, do 2º réu.

Em resposta os autores defenderam a não verificação da excepção de caso julgado, desde logo, pela falta de conhecimento de mérito da identificada acção (processo n.º 402/17.3T8BRG).

Em sede de despacho saneador, esta excepção de caso julgado foi julgada improcedente.

O Tribunal considerou, ainda na fase de saneamento e condensação, que por força do disposto no artigo 595º,1,b CPC, podia e devia conhecer já do mérito da causa.

Fazendo-o, elaborou sentença que considerou manifestamente improcedente o pedido indemnizatório deduzido nos autos por B. R.

e M. F.

, em representação da sociedade extinta Y, – Construções e Imobiliária, Lda., por dano de “perda de chance processual”, e absolveu os réus J. M.

, E. P.

e Companhia de Seguros “X Seguros, S.A” dos pedidos.

Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos (art. 645º,1,a CPC), com efeito meramente devolutivo (art. 647º,1 CPC).

Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões: I.

A sentença proferida pelo Tribunal a quo, julgou ser manifestamente improcedente o pedido indemnizatório deduzido nos autos pelos recorrentes, por dano de “perda de chance processual”, absolvendo os réus dos pedidos.

II.

A sentença recorrida entendeu a inexistência de uma oportunidade de ganhar, consistente, plausível, que se haja perdido pela omissão cometida pelos primeiros réus, enquanto mandatários à data da sociedade “Y – Construções e Imobiliária, Lda”. Mas com todo o respeito, não é, exactamente, assim.

III.

Quanto à natureza da responsabilidade do advogado, na execução do mandado que lhe é conferido, conforme se refere no Acórdão desta Relação de 23/02/2010, na Apelação n.º 8/04.7TBEPS.G1, relatado pela Desembargadora Eva Almeida, “uns sustentam que ela é de natureza contratual, outros que ela é de natureza extracontratual e ainda há quem conceba que essa responsabilidade é de natureza mista, concorrendo ambas as responsabilidades (contratual e extracontratual) havendo que determinar, em cada caso concreto, qual o regime jurídico a adoptar”.

IV.

Seja qual for o entendimento que se tenha das posições indicadas, estando em causa a inexecução ou execução defeituosa do mandato a responsabilidade dos primeiros réus é de natureza contratual.

V.

Ora, tratando-se de uma responsabilidade contratual, existe uma presunção de culpa, incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação, não procede de culpa sua (art.º 799.º n.º 1 Cód. Civil).

VI.

Os primeiros réus redigiram e apresentaram junto da Exma. Administradora de Insolvência, uma petição / reclamação de créditos no valor de € 265.000,00 euros, que tinha subjacente um crédito decorrente do valor de sinal e princípio de pagamento entregue no âmbito de contrato promessa de compra e venda, e desde a outorga do referido contrato entrou na posse dos prédios prometidos vender.

VII.

Os primeiros réus, não alegaram nem reclamaram na sua reclamação de créditos remetida à Administradora de Insolvência, o direito de retenção sobre os dois imóveis, com base no facto, de existir um contrato – promessa e a tradição dos dois imóveis e das obras realizadas.

VIII.

A omissão dos primeiros réus faz precludir a possibilidade de os recorrentes fazerem valer os seus direitos perante a Administradora da Insolvência, constitui uma actuação que fica aquém do padrão legalmente exigível. Senão vejamos; IX.

E, contrariamente ao decido na douta sentença, o requerimento de reclamação de créditos vincula o próprio credor que a apresenta.

X.

A correcta identificação e quantificação dos créditos na reclamação pode fazer a diferença no valor a receber. E, por outro lado, a não identificação correcta das garantias de que beneficiam os créditos pode fazer a diferença entre obter o pagamento total do crédito (100%) e não obter nenhum pagamento (0%).

XI.

Em absoluto remate: o reconhecimento do direito de retenção pelo promitente comprador não depende da verificação, por sentença, dos respectivos pressupostos, não sendo exigível que esteja munido de título executivo nem a apresentação daquela sentença, sendo inteiramente admissível que o reconhecimento do crédito e da garantia alegadas seja feita, no contexto da acção de insolvência, no processo de verificação e graduação de créditos – cfr. Ac. da RP de 06.11.12.

XII.

A graduação de créditos é especial para o bem objecto da garantia e liquidado esse bem, será feito o pagamento dos credores garantidos de harmonia com a prioridade das respectivas garantias (art.º 140.º n.º 2 do CIRE).

XIII.

Assim, contrariamente ao interpretado na douta sentença a correcta identificação das garantias e dos créditos na “Reclamação de Créditos”, consubstancia a omissão do cumprimento de um dever de agir a que o advogado está vinculado ex. contractu, omissão que dá lugar ao dever de indemnizar quando há, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido (art.º 486.º do Cód. Civil).

XIV.

No domínio da responsabilidade contratual, a culpa dos réus advogados, concretizada na alegada apresentação da reclamação de créditos com a omissão do direito de retenção, e a natureza do crédito em vez de reclamado como comum, mas garantido e ou privilegiado, resultante do direito de retenção, está processualmente adquirida sem necessidade de qualquer indagação ou julgamento, por ser presunção juris tantum (art.º 799.º n.º 1 do Cód. Civil).

XV.

Em consequência de tal conduta, grosseiramente negligente dos Advogados réus, viu a sociedade extinta, gorada a possibilidade de satisfazer o seu crédito na massa insolvente, perdendo a chance naquele processo de reaver aquilo a que tinha direito.

XVI.

Os Advogados réus admitiram a sua negligência, quando accionaram uma acção de verificação ulterior de créditos. Tentaram os Advogados réus, corrigir o lapso cometido, sem sucesso.

XVII.

Para o Tribunal a quo não tendo ocorrido aquela omissão por parte dos Advogados réus (não alegação do direito de retenção e a natureza do crédito de comum para crédito garantido), não havia uma probabilidade séria da entidade reclamante ver o seu crédito ressarcido.

XVIII.

O Tribunal a quo não pode afirmar a provável procedência do crédito ser ressarcido, como também não pode afirmar a sua provável improcedência, do crédito ser ressarcido.

XIX.

Da conjugação do facto dado como provado sob o item 9 da sentença: ”Por sentença proferida a 18 de Fevereiro de 2014 (acção de verificação ulterior de créditos, por apenso ao aludido processo de insolvência) transitada em julgado a 5 de Março de 2017, na sequencia de contestação da massa insolvente e do “Banco de Investimento Imobiliário A, S.A.”, que sustentaram que a aqui autora já havia deduzido reclamação de créditos nos termos do art.º 128.º do CIRE, no valor de € 265.000,00 euros (…)”, ao intentarem uma acção de verificação ulterior de créditos pretendiam os Advogados réus “extinguir” a reclamação de créditos anteriormente apresentada.

XX.

Tal procedimento, por não estar com o disposto sob o artigo 100.º do n.º 1, al. a) e b) do EOA, que determina que o advogado deve dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca e estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, pode afirmar-se existir uma forte probabilidade de procedência da acção (reclamação de créditos) que a credora reclamante devia ter apresentado, fazendo-se representar para tanto, por dois Advogados especialistas.

XXI.

Os Advogados réus ao não terem apresentado a reclamação de créditos com a devida natureza do crédito – natureza garantido/privilegiado resultante do direito de retenção que a credora reclamante gozava - representa uma perda de oportunidade de a credora...

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