Acórdão nº 2193/16.6T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução15 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório J. S. intentou contra C. C. a presente ação declarativa de condenação, sob a forma comum, peticionando a declaração de nulidade do testamento por esta outorgado em 07 de dezembro de 2011, no qual foi instituída única e universal herdeira a ré; subsidiariamente, invoca e peticiona a anulabilidade do referido testamento.

Para tanto o autor sustenta a sua pretensão na incapacidade da testadora, reconhecida em ação de interdição que fixou o início da incapacidade em 1 de janeiro de 2008.

*Citada, contestou a Ré, pugnando pela improcedência da ação e tendo deduzido reconvenção, onde peticiona se declare válido o testamento outorgado em 07 de dezembro de 2011 pela Sra D. M. F. e condenando-se o Autor e Reconvindo e os chamados e também reconvindos a reconhecer essa validade (cfr. fls. 198 a 214).

Alegou, em resumo, que a testadora, à data da outorga do testamento, não obstante a decisão vertida nos autos de interdição, estava no pleno uso das suas capacidades intelectuais, cognitivas e volitivas, resultando tal ato de uma vontade livre e esclarecida.

Mais deduziu chamamento dos demais herdeiros da testadora (M. C. e C. J.).

*O autor replicou, pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção e do chamamento no que ao interveniente A. P. concerne. No mais, impugnou a factualidade em que a ré estribou a sua pretensão (cfr. fls. 222 a 229).

*A ré exerceu o contraditório, concluindo como na contestação (cfr. fls. 238 a 242).

*Por despacho de fls. 252 e seguintes, foi julgada inadmissível a reconvenção.

Mais foi admitida a intervenção provocada dos chamados como associados do autor, exceção feita quanto a A. P..

*A interveniente M. C. fez seus os articulados do autor (cfr. fls. 268 a 270).

*O interveniente C. J. fez-se representar nos autos (cfr. fls. 269).

*Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi elaborado despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância; foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova (cfr. fls. 300 a 304).

*Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 539, 540, 563, 564 576 a 583 e 594).

*Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 596 a 608), nos termos da qual: a) absolveu a ré C. C. do pedido de declaração de nulidade do testamento.

  1. julgou procedente o pedido de anulabilidade e, por consequência, anulou o testamento realizado no dia 07 de dezembro de 2011, lavrado a fls. 98 a 98 verso, do livro de testamentos públicos e de escrituras de revogação n.º 3-B, do Cartório Notarial de …, à data a cargo da Dr.ª E. M., no qual a ré C. C. foi instituída única e universal herdeira de M. F..

    *Inconformada, a Ré interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 609 a 634) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I. Nos presentes Autos foi proferida douta sentença, não se conformando a Ré dela recorre, é interposto o presente recurso, que apresenta as seguintes conclusões: II. Apesar de Ré apelante ter sido apenas parte, onde não consta o seu cônjuge, casados sob o regime de comunhão adquiridos. Com efeito, além da exceção dilatória de conhecimento oficioso que se alega, também a douta sentença proferida padece de nulidade, devendo ser revogada de harmonia com o disposto no art.º 615.º alíneas c) e d) do CPC, para os devidos efeitos legais.

    Como veremos: III. O Tribunal recorrido julgou procedente o pedido de anulabilidade do testamento realizado no dia 07 de dezembro de 2011, no qual a Ré C. C. foi instituída única e universal herdeira de M. F..

    1. Concluindo que: “A Ré induziu a Dª. M. F. a outorgar um testamento que a instituía única e universal herdeira de um vasto património, em detrimento dos familiares, por quem nutria afeto, dos amigos que a acompanhavam a vida inteira, que dela cuidaram e protegeram, e das causas sociais a que se dedicava, pelo que não vê, “qualquer razão para crer que tivesse ocorrido um momento excecional e intermitente de lucidez que permitisse à testadora a formação de uma vontade sã e livre, concordante com a vontade declarada, que não encontra qualquer suporte fáctico, nem se assume como previsível no contexto vivencial da Testadora.

    2. Para fundar a sua convicção (a Testadora foi instrumentalizada pela Ré para a outorga do testamento), o Tribunal a quo teve primordialmente em conta vários meios de prova que, analisados e criticados, sumariamente elencou na decisão de anular o testamento.

    3. No entanto a avaliação englobante do contexto probatório”, nomeadamente, da prova documental, declarações de parte e testemunhal, presente nos Autos, se devidamente apreciada, deveria ter levado a que os factos dados como provados e não dados como provados fossem, na integra, por incorretamente julgados, substancialmente diferentes dos elencados na sentença recorrida.

    4. Nomeadamente, o facto dado como provado sob o ponto n.º 37º, “A Ré induziu a outorga do suprarreferido testamento, para a qual a instrumentalizou a falecida – a qual, conduzida e manipulada o subscreveu, sem consciência do alcance e sentido do ato”.

    5. Não resultando prova desse facto essencial, de tal modo que, no caso dos autos, não se possa afirmar, que no momento em que foi lavrado o testamento, a Testadora não tinha capacidades de entender e querer o sentido da declaração testamentária, como infra se procurará demonstrar.

    6. E por consequência, os factos dados como provados, nos pontos n.ºs: 8º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 25º, 33º, 34º e 37º, que mereciam uma diferente consideração e redação. E os factos não dados como provados, nos pontos n.ºs i a xiii, xvii, xix a xxvi e que deveriam ter sido dados como provados, porquanto, o contexto geral e englobante de toda a prova produzida impunha decisão diferente da adoptada na douta sentença.

    7. Em relação à prova Testemunhal, o Tribunal recorrido considerou que “todas as testemunhas indicadas pelo Autor … se nos afiguram sinceras, relatando factos verosímeis, com a adequada razão de ciência … nada abalando, por isso, a credibilidade que mereceram ao Tribunal.” XI. A. P., sobrinho da Testadora, cujo “depoimento vindo de aludir, que se nos afigurou, sincero, descomprometido, com adequada razão de ciência”, conforme consta na fundamentação da sentença ora recorrida, confirmou “perentoriamente”, constando na fundamentação da sentença, que em setembro de 2011, a tia (Testadora) já não tinha capacidade para atos de disposição de bens.

    8. No entanto, essa mesma testemunha afirmou, em declarações prestadas em audiência final, no dia 11/01/2019, às 09h:55m:19s, minutos 4m:45s a 5m:15s, 6m:00s a 6m:15s e 14m:30s a 14m:40s e conforme consta na fundamentação da sentença, que apenas se encontrou com a tia, pessoalmente, depois de alertado por familiares e amigas da tia do seu estado de saúde, em novembro de 2011.

    9. O que se afigura que, a testemunha quando falou do ano de 2011, em especial, setembro, assim como nos meses posteriores, estava a falar sem conhecimento do verdadeiro estado da tia, quer mental, quer físico. O mesmo se pode dizer, do estado de saúde da Testadora, antes de 2011, visto que, a testemunha só retomou o contacto com a tia em novembro de 2011.

    10. Foi esta testemunha que impediu, conforme consta do fato provado ponto 45º, em 09/12/2011, e por ela referido em Tribunal, gravado em sessão de julgamento, minutos 13m:00s a 13m:30s, a Ré de entrar na casa da Testadora, impedindo-a de contactar a Testadora daí em diante, tendo inclusive, internado a tia num Lar de Idosos, no mesmo dia. Sendo que, o seu estado de saúde física/mental entrou, desde essa data numa rápida deterioração, conforme resulta de toda a prova documental e das declarações desta testemunha, minutos 7m:30s a 7m:45s, onde afirma que a partir de novembro de 2011 a 2012, a tia entrou num estado de degradação acelerada, mesmo que, no relatório clínico da testadora datado de 24/11/2011, se afirme que a Testadora se mantinha a orientar bem no espaço e conhece os objetos e pessoas.

    11. Esta testemunha não poderia ser coadjuvante da prova dos factos em que o foi, por não ter contacto frequente, ou sequer, pessoal com a tia, pelo menos até novembro de 2011 e por não ter atestado que a tia, no momento de testar, não estava em condições psíquicas de o fazer, não sendo de todo, “descomprometido e sincero” o depoimento que prestara.

    12. A testemunha, R. M., coadjuvante da prova dos factos provado e não provados, relatou que visitou a tia no verão (julho/agosto) de 2011, juntamente com a testemunha A. P., em sessão de julgamento do dia 11/01/2011 às 10h:55m:59s horas a 11h:25m:58s, minutos 4m:30s a 5m:10s.

    13. Parece à recorrente inequívoco, aliás aceite por todos os relatórios clínicos, e até mesmo no parecer junto aos autos, que não se encontram reunidos os requisitos que permitam a anulabilidade do testamento com base no disposto no art.º 2199.º do Cód. Civil, ou seja, com o fundamento da incapacidade acidental.

    14. A matéria de facto dada como provada não releva para efeitos de aplicação deste artigo – cuja fattiespecie não estava e continua, manifestamente, a não estar verificada – podendo, quando muito, relevar (o que, contudo, não acontece) para efeitos da aplicação das normas dos art.º 2201.º Cód. Civil (coação moral), ou do art.º 282.º, n.º 1 Cód. Civil.

    15. Resulta da própria resposta à matéria (veja-se o facto dado como provado sob o ponto 37º - que a Ré induziu a Testadora) mas “não prova” que, a Testadora sofria de qualquer incapacidade (acidental) no momento da aprovação do testamento, o facto de a mesma só ter aprovado o testamento para obedecer à vontade da Ré (é aquilo que o tribunal agora dá, erradamente, como provado) absolutamente nenhum relevo tendo para efeitos de aplicação da norma do art.º 2199.º Cód. Civil.

    16. Ao dar como provado que a Testadora estivesse incapacitada de entender e de querer no momento de aprovação do testamento (não sofrendo de...

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